O racismo sofrido por estudante africano em Porto Alegre

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – O Reverendo Joel Mbongi Kuvuna, estudante de Doutorado da Universidade de KwaZulu-Natal esteve em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para participar de um Seminário Internacional que contou com a participação de vários países. Ao retornar para seu país, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, o reverendo foi humilhado por policiais sem farda ou por milicianos do aeroporto. A conclusão, já que não estava sozinho e só ele passou pelo vexatório exame, é de que sua cor e nacionalidade motivaram as agressões. Leia o relato de Joel Mbongi Kuvuna sobre a vergonhosa situação ocorrida em Porto Alegre.

Carta

Reverendo Joel Mbongi Kuvuna

Estudante de Doutorado da Universidade de KwaZulu-Natal

Pietermaritzburg

África do Sul

 

Sua Excelência

O Embaixador

Embaixada Brasileira em Pretória

África do Sul

25 de novembro de 2016

 

Cópia:

Vice-Reitor das Faculdades EST, Brasil

Universidade de KwaZulu-Natal, África do Sul

Union Theological Seminary, Estados Unidos

Universidade de Oslo, Noruega

Embaixada da República Democrática do Congo no Brasil

Embaixada do Brasil na República Democrática do Congo

Secretaria de Direitos Humanos no Brasil

Departamento da Polícia Federal do Brasil de Porto Alegre

 

Prezado Senhor

Episódio de Racismo ocorrido em Porto Alegre

 

Meu nome é Reverendo Joel Mbongi Kuvuna. Sou natural da República Democrática do Congo, estudante de doutorado na Universidade de KwaZulu-Natal na África do Sul e pastor da Igreja Protestante.

Lhe escrevo para expor o tratamento desumano que fui exposto em 21 de outubro de 2016, ao término do Seminário Internacional ocorrido em São Leopoldo, no Brasil. O encontro, intitulado “On becoming human-impacting communities: Gender-Race-Politics”, recebeu participantes das Faculdades EST (Brasil), Union Theological Seminary (EUA), University of Oslo, (Noruega) e University of KwaZulu-Natal (UKZN – África do Sul).

Quando retornávamos às nossas cidades de origem através do aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, por volta de 17h, fui cruelmente humilhado pelo Departamento da Polícia Federal de Porto Alegre. Quatro policiais sem uniforme militar, mas fortemente armados, vieram na nossa direção extremamente furiosos e nos retiraram do setor de embarque: dois professores e dois alunos norte-americanos e eu, logo após o check-in. Nesse instante nos retiraram os passaportes violentamente, sem qualquer explicação, ordenando que os seguisse; Nos instalaram em seu gabinete, onde insistiram que meus colegas norte-americanos me deixassem sozinho em uma sala separada. Neste momento finalmente entendi que eu seria o alvo do episódio. Mas o que eu havia feito de errado? Minha única falha seria a de ser negro e portar um passaporte africano.

Quando meus colegas saíram da sala, os agentes abriram minhas bagagens e espalharam meus pertences, sem que eu pudesse perguntar o que havia de errado, dizendo apenas que eu ficasse calado. Fiquei traumatizado pelo ocorrido, pois eles demonstraram claramente seu desdém por mim enquanto verificavam minhas bagagens. Quando um dos agentes encontrou  minha loção, disse com desdém: “African lotion!”.

Então chamaram seu cachorro para me farejar. Ao não encontrar nada, me obrigaram a tirar toda a minha roupa e o forçaram a me farejar mais três vezes. Quanto mais os agentes não confirmavam sua expectativa, mais furiosos ficavam. Finalmente, após confirmar a inexistência de qualquer irregularidade, nada foi explicado a respeito do que estava sendo procurado e qualquer pedido de desculpas foi feito. Eles apenas disseram para que eu recolhesse as minhas coisas e saísse. Eu chorei como nunca antes, desde que me tornei adulto.

Por que fui tratado de modo desumano, como um animal, mantido em custódia, enquanto meus colegas me aguardavam do lado de fora? Ao perguntarmos que lei havíamos desrespeitado, um dos agentes respondeu “se vocês resistirem, nós queremos mostrar que estamos no Brasil”.

Eu tenho apenas uma hipótese para isso: quando os agentes viram os passaportes dos meus colegas, os retiraram imediatamente para que me esperassem do lado de fora. Meu tratamento foi em função da minha cor e minha origem. Sou africano e negro e espero uma explicação sobre o que fizeram comigo, pois mereço respeito como ser humano. A cor da minha pele não pode ser a razão para me denegrir. Foi uma conduta vergonhosa do Departamento da Polícia Federal de Porto Alegre.

Espero então uma explicação pelo que foi feito, pois as pessoas precisam ser tratadas com respeito. Todos os seres humanos precisam ser tratados dignamente. Os agentes sabiam que eu sou um aluno de doutorado e um reverendo. Eu estava nu diante dos policiais, mas eles não estavam preocupados com isso. Fui farejado pelo seu cachorro, e tudo isso por causa da minha cor e minha origem.

Se queremos um mundo melhor, precisamos banir a violência e a opressão, tratarmos as pessoas com respeito, considerando que têm direito à dignidade, grande valor e potencial de fazer deste mundo um lugar melhor.

Minha razão de escrevê-lo foi para informá-lo acerca desse evento, e reside na esperança que o senhor acolha minha reclamação e leve até a polícia que me tratou dessa forma, para que tenham consciência da dor que provocaram em seu vergonhoso tratamento. Confio que a minha demanda será considerada e minha voz ouvida.

Peço ainda atenção às cartas das Instituições parceiras, que organizaram o presente evento (Union Theological Seminary, dos Estados Unidos e Faculdades EST, no Brasil), anexadas ao presente relato.

Saudações

Reverendo Joel Kuvuna

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

22 Comentários

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  1. Com Nazimoraes no MJ alguém pensa que isso não será rotineiro?

    Prezados,

    O Brasil sempre foi racista. E isso vai piorar; aliás, já está se agravando, E nenhuma perspectiva há de que mudanças positivas venham ocorrer. A nomeação de alguém como Alexandre de Moares prenunciou e mostrou o que será o Barsil para os negros, pobres, excluídos, sem-terra, muçulmanos, índios, estrangeiros não anglo-saxões. O nazifascismo já está instalado. Quem não o percebe ou não o admite, contribui ainda mais para sua disseminação e sedimentação na sociedade.

    1. Cuidado com generalizações

      Generalizar não ajuda em nada. Nasci e me criei no Pará, onde morei até os meus 35 anos, e vi muito racismo por lá, inclusive de caboclos e mulatos contra negros. Foi no Pará que eu ouvi pela primeira vez a infame distinção entre “preto tu” e “preto você “…

    2. Cuidado com generalizações

      Generalizar não ajuda em nada. Nasci e me criei no Pará, onde morei até os meus 35 anos, e vi muito racismo por lá, inclusive de caboclos e mulatos contra negros. Foi no Pará que eu ouvi pela primeira vez a infame distinção entre “preto tu” e “preto você “…

  2. O que estamos nos tornando?

    Abriram a caixa de pandora. Membros da câmara de deputados, ao proferirem palavras machistas, racistas, preconceituosas, tem incentivado este tipo de comportamento. O ministro da justiça deveria se posicionar fortemente contra este tipo de ação, o comitê de direitos humanos da câmara e a secretaria de direitos humanos deveriam se posicionar, para coibir este tipo de comportamento, antes que se dissemine. 

    1. Somos tratados assim

      Pataxó, índios, negros, pobres, somos tratados assim há muito tempo.

      Pelo visual suspeito, não importa nada e conheço muita gente que acha bom e que seja assim mesmo. Normal.

      A questão é até quando vamos aguentar isso?

      Os olhares de julgamento são os mesmos que silenciam diante dos golpes e das ditaduras.

      Passeie pela região de higienópolis na capital do Tucanistão e sentirá o que isso significa de perto.

       

    2. Respondendo a mim mesmo.

      Não acredito que as instituições, tomadas como estão irão responder.  Mas não podemos deixar de cobrar. Quando autoridades se calam, a caixa de Pandora se abre e aqueles que antes se reprimiam, agora se sentem a vontade.

  3. Logico, tem que ir procurar

    Logico, tem que ir procurar droga eh com preto mesmo.

    Quem tem permissao de portar e traficar cocaina no Brasil eh so POLITICO MINEIRO.

  4. Nossas sinceras desculpas

    A Joel M. Kuvuna nossas sinceras desculpas pelo tratameto recebido no Brasil. Quem sabe um dia nos tornemos uma nação civilizada onde todos sejam respeitados. 

    1. Não mesmo!

      Com a palavra a Polícia Federal. A PF foi que fez a merda, não “o povo” do Rio Grande do Sul. Ele não relatou racismo ao andar nas ruas, e sim na abordagem da PF. 

  5. RACISMO DO RIO GRANDE DO SUL

    Tem um mês que ocorreu tal fato e nehuma manifestaçao de nossas autoridades: PF, ITAMARATI, GOVERNADOR, PRESIDENTE, JUDICIÁRIO, etc.

    Não surpreende o nazifascismo está instalado com a cumplicidade dos golpistas

  6. UTS

    O UTS e’ um dos mais renomados Seminarios Protestantes dos EUA, basta conferir na Wikipedia.

    Por la’ passaram renomados teologos (neo)ortodoxos quanto liberais, como Nieburh, Tilich e Bonhoeffer. Vale destacar que um de seus eminentes ex-alunos foi o nosso Rubem Alves. Foi o berco da Black Theology.

    Rev. (ou como preferimos por aqui, Pr.) Kuvuna certamente nao e’ um aluno qualquer, pois ter sido aceito no programa de doutorado nao e’ para qualquer um. Antes que me esqueca, o UTS e’ afiliado a Columbia Uiniversity.

    Esses pefezinhos pisaram feio na bola. Puro racismo.

    Para nao deixar passar, sera’ que esses pf sao da opus dei??

     

    O.

  7. Um estrangeiro não tem proteção legal?

    Caso tenha, este senhor deve usar de todos os recursos a seu alcance para fazer valer o império da lei, sob pena de ser conivente.

    Quem não luta pelos seus DIREITOS (não basta denunciar publicamente o ocorrido), contribui para diminuir o direito dos outros. O mal (caso comprovado o cometimento de um ato ilícito), quando não é cortado pela raíz, tende a proliferar atingindo outras pessoas.

    Caso não exista uma proteção legal aos estrangeiros, este senhor deve se dirigir ao Ministério das Relações Exteriores, ou órgão semelhante, de seu país para, ao menos, apelar para uma reclamação formal na embaixada brasileirana ou mesmo na ONU.

    1. Caro
       
      é isto que eleestá

      Caro

       

      é isto que eleestá fazendo  com esta carta!

      este senhor não deveria nunca ter passado por isto;

      ninguém deveria;

      este senhor, a vítima da arbitrariedade da nossa polícia, está lutando,bem mais do que você com esta falinha legalista e sem sentido onde ainda quer quer o cara seja visto  como culpado   O mal (caso comprovado o cometimento de um ato ilícito), quando não é cortado pela raíz, tende a proliferar atingindo outras pessoas.

      Nós, brasileiros, mais do que ele,deveríamos estar lutando contra esta polícia que se acha e age acimada lei.

  8. Mais uma vez minha terra me

    Mais uma vez minha terra me envergonha. 

    Hoje o gaúcho é uma gente arrogante e ignorante que desconhece nossa história. 

    Acham que nossos ancestrais europeus chegaram aqui em missão civilizatória. Não fugiam das guerras, da fome e da peste, não….

    Em 100 anos entre os séculos XIX e XX, 50 milhões fugiram de suas terras européias e se espalharam pelo mundo.

    E todos os seus descendentes deveriam agradecer pelo Brasil ter recebido seus ancestrais quase moribundos… Eu agradeço!

    Os casos de racismos por parte da torcida de meu time, Grêmio, me afastaram do futebol e a sucessão de atos racistas estão me afastando do Estado.

    Um último recado aos conterrâneos que lerem minha manfestação:

    Quando viajarem pro Nordeste não fiquem só na praia, aprendam um pouco de História, conheçam seus casarios, igrejas e toda a cultura regional. Que é muitas vezes mais intensa, diversificada e plural que a de todo o Sul. 

    Não me façam passar vergonha, caso contrário, com o perdão de minha mãe, adotarei apenas meu lado baiano. Rarrar

    Rogério Neibert Bezerra

     

  9. Vergonhs

    Como gaúcho peço desculpas ao reverendo, acho que ele é seu país devem processar a pf e seus agentes, para que isso não aconteça de novo, ONU neles.

  10. Racismo no Aeroporto Salgado Filho

    Simplesmente vergonhoso em pleno século XXI. Justiça precisa-se para este policiais. Infelizmente tem sido uma prática frequente em Porto Alegre.

     

    Jorge Fernando Jairoce

    Doutor em História pela UFRGS

  11. Segundo episódio recente

    Esse é o segundo episódio de RACISMO que tenho notícia no mês de novembro no Aeroporto Salgado Filho. Urge que a PF tome providências com relação aos seus servidores lotados nesse aeroporto.

    No dia 21/11/2016, a cineasta negra Adélia Sampaio passou por constrangimentos e desrespeitos semelhantes. 

    http://www.sul21.com.br/jornal/adelia-sampaio-cineasta-e-mulher-negra-e-detida-no-aeroporto-salgado-filho/

    RACISMO NÃO!!! PELO ESTADO DE DIREITO!!! 

     

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