Sugerido por Assis Ribeiro
Da Carta Capital
A eleição presidencial, do ponto de vista político-ideológico, será travada em condições mais difíceis para o campo progressista
Roberto Amaral
Tática e estratégia são termos bastante conhecidos pelos militantes da esquerda, pois, de certa maneira, foram importados da guerra (Clausewitz, 1832) para a política, pela práxis do chamado marxismo-leninismo. A vitória, objetivo final da guerra, é a soma de conquistas e, às vezes, de derrotas, táticas. A história está repleta de exemplos paradigmáticos e um deles, dentre tantos, é o das retiradas táticas de Kutuzov, preparatórias da vitória da Rússia sobre Napoleão e o Exército francês. Com todos os riscos das simplificações, ouso dizer que estratégia (que se pode definir, latu senso, como a arte de explorar as condições de luta em proveito de determinado objetivo) é, politicamente, o objetivo final, e a tática, a ação instrumental – meio, ou, se quiserem, o movimento, ou guerra de posições (Gramsci), esta muito condicionada pelas circunstâncias.
O pleito de 2014, já em curso, coloca na cena adversários eleitorais, e, de certa maneira, adversários políticos, na medida em que tivermos visões políticas — visão de mundo e de Brasil–, distintas (O suposto é que comunistas, socialistas, social-democratas, trabalhistas, liberais, conservadores et caterva as tenham). Adversários que deverão se definir, e se possível se distinguir entre si, em face de problemas concretos, como saúde, educação e segurança, mazelas que não são causa, mas efeito da ordem capitalista, que os socialistas combatem.
Deles é a inimiga estratégica (final), provedora de todas as injustiças sociais cevadas pelo Estado de classes e seu testamento de desigualdades econômicas, políticas e sociais, das quais resultam (pois não caíram dos céus) a disfunção da saúde pública (e não da saúde privada), a disfunção da educação pública (e não da educação privada), a disfunção da segurança pública (e não da segurança privada). O que não funciona é o SUS. O Sírio-Libanês e os Einsteins, como seus quejandos, funcionam muito bem. Para quem pode pagar. O campo progressista combate, tendo como adversário estratégico o campo conservador. Táticas, entretanto, podem ser as divergências que sempre ocorrem em nosso campo, na busca incessante de definir o melhor meio de enfrentar o inimigo estratégico, hoje, como ontem, pronto a suprimir conquistas democráticas e sociais, pois esta é a essência do capitalismo.
O socialismo – é sempre bom lembrar – nasce da crítica ao capitalismo (e, dele conseqüente, a ditadura da burguesia sobre o proletariado, do capital sobre o trabalho) e tem como seu objetivo final (ou estratégico) a derrocada do regime de injustiças e sua substituição por uma sociedade sem classes, fundada, portanto, na liberdade e na igualdade. A fraternidade do Iluminismo chega por conseqüência. Mas a Revolução tout court não está posta, e não é uma expectativa vista de nosso horizonte histórico. Por força disso que parece ser uma evidência, aqueles que contestam o capitalismo e o elegem como adversário, socialistas à frente, optaram pela via eleitoral, dentro do capitalismo e segundo suas regras, para a disputa, imediata, do governo, e, remotamente, do poder (quem sabe quando?). Em outras palavras, os revolucionários se tornam reformistas pro tempore. Mas, lembre-se sempre, sendo tática, isto é, imposta pela oportunidade, a opção reformista não implica, necessariamente, renúncia à revolução, a ser pleiteada quando as condições objetivas indicarem seu momento. O problema é que muitas vezes nem reformistas conseguimos ser.
Para os socialistas, portanto, o período eleitoral é também o rico momento de proselitismo, de defesa de suas teses, de difusão de seu programa, de conquista de adeptos. É o momento de falar ‘aos corações e mentes’, de fortalecer suas organizações e preparar as condições favoráveis para uma futura base de governo progressista.
Por força dessas considerações, todos os objetivos eleitorais são táticos, e táticas são as alianças que a lógica dos pleitos impõe, com o peso, inclusive, das contradições programáticas, desde que não se perca de vista o combate ao adversário estratégico.
É o retrato da realpolitik.
A disputa pela Presidência da República, porém, não é irrelevante, ditam nossas derrotas e nossas vitórias recentes.
Significa a intervenção possível, hoje, na realidade que se pretende transformar, em favor do progresso das forças sociais. Se ainda não é possível revolver o Estado de classes, reformulemo-no, fazendo emergir os interesses das massas sotopostas, sempre irmãos dos interesses da Nação, do desenvolvimento, da soberania, donde, no caso brasileiro, a associação entre nacionalistas, socialistas e a esquerda de um modo geral. Dou como exemplo de iniciativa nesse sentido o governo Vargas do período democrático (1951-54). Juscelino, após a inflexão reacionária do regime tampão de Café Filho (1954-1955), reuniu o apoio popular a composições com o capital nacional e internacional. Superou as diversas tentativas de deposição e cimentou o projeto desenvolvimentista. Jango (1961-1964) assinala a primeira grande emergência das massas em todo o período republicano. Mas emergência frustrada pelo golpe militar de 1964. Lula (2003-2011), promove o encontro das grandes massas com o intento varguista da conciliação de classes. Manteve-se no poder, reelegeu-se e elegeu sua sucessora.
Nessa perspectiva, podemos dizer que, com as alianças (ações táticas) possíveis, os governos Vargas (PTB-PSD) e Lula (PT-PMDB, principalmente no segundo quatriênio) lograram perseguir o desenvolvimento (um desenvolvimentismo que eu chamaria de ‘nacional-popular’) do país como ponto de partida para realizar – não a justiça social, porque ela é impossível sob o capitalismo – mas a emergência política, econômica e social das grandes massas, produzindo riqueza e distribuindo renda como meio de reduzir as brutais desigualdades sociais e econômicas que fazem de nosso país um dos mais injustos do Planeta.
O governo Dilma, não obstante a persistente crise financeira internacional, não só dá continuidade ao binômio desenvolvimento-distribuição de renda, como ousa enfrentar o capital financeiro, ao promover a baixa dos escandalosos juros praticados desde sempre em nossa economia. Esbarra, entretanto, no alto preço que o presidencialismo brasileiro, dito de ‘coalizão’, cobra para a governabilidade que fugiu das mãos de João Goulart. Rende-se, no Congresso, à base conservadora, constituída por oportunistas de todos os matizes, sob a liderança paralisante do PMDB. O fato objetivo é que nenhum governo democrático brasileiro conseguiu realizar a reforma do Estado. Os pontos principais das ‘reformas de base’ levantadas por Jango estão dramaticamente atuais.
A disputa, portanto, dar-se-á, no plano programático-ideológico, a partir dessa realidade fática. De um lado estará o nosso adversário estratégico, o campo conservador, que trabalha sob o marco da tragédia que foi o governo neoliberal de FHC, definido como exemplar por Mailson, Malan, Armínio Fraga, Lara Rezende, Gianetti e outros, incensados no cotidiano pela mídia vassala. Do outro lado, o campo progressista, ao qual cabe consolidar e aprofundar essas conquistas da democracia brasileira, ela própria uma conquista, como a distribuição de renda, espargindo seus benefícios por um número ainda maior de brasileiros e, ademais, melhorando a qualidade desses benefícios.
Prever o futuro, adiantar os fados, isso é obra de cartomantes, pitonisas e astrólogos. Não possuo esses dons. Posso, porém, ad argumentandum, projetando para 2014 os dados de hoje, afirmar que as eleições presidenciais, do estrito ponto de vista político-ideológico, ressalte-se, travar-se-ão em condições mais difíceis para o campo progressista (considerando-se a ambiência em que se desenvolveram as eleições de 2002 até aqui), posto que, a despeito das inegáveis conquistas dos últimos 10 anos, as esquerdas se acomodaram ao presidencialismo de coalizão e perderam espaço na formulação de propostas governamentais,, o que só é amenizado pela evidência de que a direita se apresenta, partidariamente, envolta em contradições internas insuperáveis no eixo São Paulo – Minas. Não tenhamos, entretanto, ilusões. Para o imperialismo americano o Brasil é muito importante, não só do ponto de vista econômico como, principalmente, geopolítico. Na hora apropriada, a direita marchará unida, com o apoio da mídia goebbeliana, a trombetear a revisão histórica das conquistas até aqui havidas e o retorno ao delírio neoliberal.
Essas considerações constituem um longo preâmbulo para a discussão de matéria que me parece mais de fundo: a continuidade da união das forças progressistas e de esquerda, para além do pleito de 2014, que, mirando-se o mundo do alto da ponte, é uma incidência, importante, mas apenas isso para quem pensa em termos históricos. A esquerda orgânica precisa cuidar para que as tricas e futricas (inevitáveis) da disputa eleitoral, a política menor, não se sobreponham ao projeto da grande política, que é a construção das opções populares. E a mais didática forma de os partidos da esquerda – PSB, PT, PCdoB e PDT -revelarem esses objetivos maiores, de união na ação, é avançarem na atuação conjunta no movimento social. No momento em que, justamente, sobreleva a febre eleitoral, é hora de nossos dirigentes contemplarem o futuro que é a continuidade da ação comum nas lutas empreendidas pelos movimentos sociais.
Ademais, qualquer que seja o pronunciamento da cidadania eleitoral, éfundamental, para nosso futuro, que os partidos do chamado ‘campo das esquerdas’ renovem e aumentem substancialmente suas presenças no Congresso, de especial na Câmara dos Deputados, onde, atualmente, somos esmagada minoria, a mercê de transações que se operam àmargem da política e de qualquer ordem de ética.
Ninguém, a não ser os anjos no Paraíso e os paranóicos na terra, realiza a política dos seus sonhos na Passárgada que inventou; todos fazemos a política possível (com os dados fornecidos pela realidade) no mundo real, um possível condicionado pela ordem ética de cada um. A preeminência das circunstâncias sobre o sonho, da realidade sobre a vontade, não constitui, porém, um determinismo. Se ao agente político não é dado escolher as condições nas quais vai atuar, cabe-lhe, sempre escolher, livremente, o papel a exercer nas circunstâncias dadas.
*Roberto Amaral é vice-presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente diretor da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS)
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Coitado…foi evidentemente
Coitado…foi evidentemente atropelado pelas considerações “pragmáticas” do E Campos e da Marina. Não tem liugar para ele nesse jogo, como não tem também para a Erundina. Espero que caia a ficha dos dois para que não saiam dessa fria com a biografia irremediavelmente manchada.
Que é isso? Não criticar a
Que é isso? Não criticar a aliança estranha e oportunista de Marina e Campos aliados da pior e mais predatória direita do Brasil é omissão política. Eu sempre lhe respeitei, mas agora estou esperando um posicionamento claro e objetivo: quem está no campo das esquerdas no país e quem está no campo das direitas volver no país? Infelizmente o seu partido escolheu o caminho do atraso político. E, se for bem sucedido, vai lançar o Brasil no caminho trilhado hoje pela Europa e lançar sua população na rota sem futuro que este país seguiu em passado recente. Não adianta os seus aliados fazerem juras de amor ao Bolsa Família. Só enganam os ingênuos. O simples fato de Aécio dizer para onde o programa deve ir já diz tudo: diluir o programa na tal Assistência Social que neste país nunca funcionou em benefício do povo. Caridade é o que defendem, não distribuição de renda. E caridade, como se sabe, há mais de dois mil anos não funciona.
Mais claro que isso…
Prezada Branca:
Mais claro que este posicionamento acho até desnecessário. Ele não cometeria a deselegância de nominar o presidente do partido e possível candidato sendo ele membro do próprio partido. Ambos foram ministros – e da mesma pasta – no governo Lula. Todo mundo sabe disso e o efeito dentro do PSB e da aliança com a Marina será forte. Muita gente lá compartilha destas ideias do Roberto Amaral. O texto é denso, reflete um posicionamento claro. O cara não está só. Muita gente questiona este viés neoliberal que vem junto com a Marina. E estes ele nominou.
Na minha opinião o texto é uma bomba (atômica?? rsrs) dentro do PSB, com repercussões na montagem da aliança para 2014.
São os olhos?
Por que será que Marina é tão festejada pela direita?
Não é por conta dos olhos castanhos dela.
Uma das mais profundas defesa
Uma das mais profundas defesa dos governos do PT que já circulou por aqui.
Parabéns, Roberto Amaral.
Depois de tanta lucidez e
Depois de tanta lucidez e clareza, comparem o que disse Marina na reunião “programática” do PSB:
“Sonhando-se metaboliza-se a completude que conseguirá os alinhamentos de um novo padrão civilizatório”.
Não é mentira! Está no Globo, no qual, aliás, Elio Gaspari (vejam só!) desancou a aliança Marina-Campos:
http://oglobo.globo.com/opiniao/falta-carne-na-receita-do-psbrede-10592948
Roberto Amaral critica porque
Roberto Amaral critica porque não tem classe.
Como diz Gianetti: pobre andar de avião é desastre ambiental.
Como faz Lara Resende (da bomba atômica): cavalos andar de avião é chic…
Roberto Amaral foi brilhante.
Roberto Amaral foi brilhante. Nem é preciso dizer que o objetivo, hoje, é o poder pelo poder, vaidades obscurecendo a discuaaão maior.
Concordo
Concordo Alessandro.
Orlando
E como meu colega dizia…
…e a agua de dentro do barco que afunda o mesmo.