Subsídios ao diálogo para fortalecimento da democracia, por Válber Almeida

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Passadas as manifestações prós e contra Dilma/PT/Governo precisamos sair das teias de paixões políticas para fazermos uma leitura e propormos um diálogo racional sobre a nossa realidade, afim de que a democracia saia, de fato, fortalecida.

CULTURA DO ÓDIO E DEMOCRACIA

O primeiro e mais importante aspecto que precisamos trazer à consciência e tentar sublimar é a crescente cultura política do ódio, base de uma onda de intolerâncias e radicalismos que não somente são incompatíveis com a democracia, como também a ameaçam.

O ódio como recurso político tem diversas características negativas:

a) impede o diálogo e fomenta a ignorância em ambas as partes de um conflito;

b) alimenta pensamentos e atitudes neuróticas, delirantes, histéricas;

c) cega a razão;

d) por tudo isso, fomenta a selvageria que fragiliza vínculos sociais subjetivos e, no limite, pode desembocar em guerra civil, golpes ou coisas do gênero.

Por isso, a quem interessa esta cultura de ódio político?

O DNA político-cultural da direita tradicional do Brasil foi forjado em contextos históricos autoritários e marcadamente sádicos: escravismo, monarquia, coronelismo, ditaduras.

A experiência acumulada é um capital cultural e um habitus a que esta elite sempre está disposta a recorrer todas as vezes que a sua vontade não é satisfeita. E qual vontade desta elite não está sendo satisfeita na atualidade? Fundamentalmente, o controle do poder executivo. Mas outros interesses estão associados a este. Vejamos os mais importantes:

a) o sistema midiático-oligárquico (Globo, Veja, Estadão e Folha de São Paulo etc.) que teme uma regulação econômica da mídia e a fragilização dos seus monopólios;

b) multinacionais desgostosas com a política de valorização salarial;

c) os EUA e a Europa, que não aceitam um país que deixou de ser subserviente aos seus interesses;

d) os interesses estrangeiros sobre o petróleo brasileiro.

O arco de alianças político-econômicas desta elite que reivindica o poder, mesmo sem o aval das urnas, são estes setores, por isso, não espanta que as suas principais propostas convirjam para atender a estes interesses.

Ocorre que estes interesses afrontam os interesses nacionais e democráticos. Logo, eles não podem vir à luz, chegar à consciência dos mais necessitados, porque seria consumar a morte política num país onde a maioria da população é pobre.

Por isso, auto-atribuiu-se o papel de moralizadora da coisa pública, numa completa dissonância com seu passado e seu presente, para o que conta com a cumplicidade da mídia-oligárquica, da PF, do MP e de amplos setores do judiciário como um todo.

Deste modo, a ira e a “guerra santa” que esta direita promove contra a corrupção é o único meio de se passar por portadora de interesses universais e camuflar seus interesses particulares e anti-nacionais.

Interessa, portanto, a esta direita tradicional e seu arco de alianças político-econômicas anti-nacionais insuflar o ódio que obscurece, radicaliza, cega a razão e destrói o diálogo democrático. Por isso, ao contrário do que alguns pensam, ela tende a radicalizar esta estratégia política.

A CORRUPÇÃO NO BRASIL

Lugares comuns

Como qualquer pessoa minimamente inteligente e racional deve saber, é equivocado:

a) combater as acusações de corrupção contra o PT e partidos aliados com acusações de corrupção de PSDB e partidos de oposição;

b) do mesmo modo, dizer que o PT ou o PMDB ou o PSDB ou os demais partidos são todos corruptos, quando, em verdade, a corrupção não é uma prática de todos os membros destas siglas.

A corrupção está espalhada por todos os setores da sociedade brasileira: empresas, partidos, sindicatos, associações, universidades, legislativos, órgãos executivos e órgãos judiciários. Porém, nem por isso, estas instituições são inteiramente corruptas.

Agentes de controle da corrupção

Deste modo, é preciso massificar conhecimento e tomar consciência de que combater a corrupção não é tarefa fácil. Num verdadeiro combate a este mal, é importante fortalecer os principais agentes de controle da corrupção. Mas, quem são estes agentes?

a) O primeiro destes agentes é o próprio cidadão que precisa se informar melhor, o que pressupõe:

1. Ter acesso a informação de qualidade;

2. Ser capaz de compreendê-la.

Na primeira situação, é imprescindível a democratização da mídia de massa no Brasil. Controlada por um punhado de menos de dez famílias, esta mídia obedece aos interesses políticos e econômicos dos seus donos e, para isso, não se furta em manipular os fatos e as informações, afim de manipular a realidade.

Na segunda situação, a melhoria da qualidade do ensino é decisiva. Não adianta ter acesso a informação de qualidade sem saber interpretá-la ou usá-la no dia-a-dia para compreender os fatos históricos, por meio da identificação dos interesses em jogo.

b) O segundo destes agentes são os órgãos judiciários –Ministério Público, Magistratura e Polícia Federal.

Não é propaganda partidária dizer que foi nos governos do PT que estes órgãos ganharam, de fato, maiores poderes e autonomia para investigar e combater a corrupção. Contudo, a politização destes tem:

1. Comprometido a luta contra a corrupção;

2. Levado ao mau uso do poder e da autonomia recentes.

Ao fixar suas atividades contra o PT e partidos da base aliada do governo Dilma estes órgãos dão clara demonstração de que se tornaram um braço político do PSDB e, assim, passaram a ser meros instrumentos da política de ira e “guerra santa” adotada pelo partido para açular o ódio, fragilizar o governo, assaltar o poder e por em prática seus interesses anti-nacionais.

c) A sociedade civil –mídia alternativa, sindicatos, igrejas, universidades etc.- também é imprescindível em vários sentidos:

a) no fortalecimento da vigilância sobre o poder público;

b) disseminando informações e conhecimento crítico;

c) promovendo debates que visem aplacar a cultura do ódio sobre o assunto e fortalecer o seu entendimento e enfrentamento racional.

A IMATURIDADE DA DEMOCRACIA BRASILEIRA E A NECESSIDADE DE UM GOVERNO MAIS À ESQUERDA

Costumo dizer que a nossa democracia só começa para valer, de fato, em 2002 quando Lula ganha as eleições e, em seguida, dá início a um processo de enraizamento social e nacional do regime que, em muitos aspectos estruturais e ideológicos, lembra o processo que levou à radicalização da direita pré-1964. O lento processo de transição recente teve Sarney, Collor, Itamar e FHC, todos presidentes, representantes de partidos e projetos de governo que não desagradavam aos membros da elite tradicional e anti-nacional, muitos dos quais filiados a estes partidos.

O que muda de fato com a chegada do PT ao poder?

Muda, principalmente, o foco da política econômica, que:

a) passa a dar mais atenção ao setor produtivo (industrial) e ao agropecuário;

b) passa a fortalecer o mercado consumidor interno, com a política de valorização salarial e de registro em carteira;

c) redimensiona os parceiros econômicos internacionais do Brasil, aproximando-se da China, da Rússia, dos países da África e da América do Sul;

d) encarna um projeto de fortalecimento do Estado e da nação, por meio do estancamento do processo selvagem de privatização, do fortalecimento da burocracia estatal e de uma política externa de afirmação dos interesses específicos do Brasil junto às demais nações.

Mesmo honrando os acordos financeiros firmados anteriormente, não tendo reestatizado o patrimônio privatizado e garantido alta lucratividade ao capital rentista, isto é, mesmo não tendo partido para o confronto com o mercado como fizeram Venezuela, Bolívia, Argentina e Equador, o PT ressuscitou um desenvolvimentismo mais enraizado com os interesses nacionais.

A permanência do PT no poder por mais 4 anos ameaçava o aprofundamento deste projeto, tal como Dilma propunha na sua campanha. É evidente, um país com uma empresa do porte da Petrobras, com bancos estatais do porte do Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES, com um montante de quase 400 bilhões em reservas internacionais e contas em dia não tem porque embarcar numa onda de austeridade.

Deste modo, é preciso inviabilizar o aprofundamento do projeto neodesenvolvimentista. Para isso, é necessário fabricar crises.

A primeira delas, a crise política, que:

a) começa pela campanha de descrédito à vitória de Dilma por meio da mídia de massa;

b) segue com a contestação, via redes sociais, da legitimidade dos votos na presidente;

c) consolida-se com a aceitação-descontente do candidato derrotado, que dá início ao terceiro turno ao convocar sua militância a permanecer em campanha;

d) aprofunda-se com o completo mergulho, no jogo político, do judiciário tendencioso, através da Operação Lava-Jato, e da mídia de massa, através da cobertura enviesada e direcionada desta operação.

Mas a crise política não é suficiente, porque os votos do PT decorrem, principalmente, do sucesso da sua política econômica e social. Portanto, era preciso que a crise política, agora, atingisse a economia e as conquistas sociais. Para isso:

a) ataca-se e fragiliza-se a principal investidora nacional e responsável pela manutenção de uma cadeia de empresas que lhe prestam serviços: a Petrobras;

b) afasta-se investidores internacionais com uma brutal campanha de difamação da principal empresa brasileira, a Petrobras, da economia nacional;

c) ameaça-se politicamente o nosso principal banco de financiamento, o BNDES, com uma CPI;

d) coloca-se sob suspeição e ameaça todos os projetos e obras do Governo Federal, via PAC;

e) reduz-se drasticamente o ritmo de investimentos.

O Governo Federal tem sua culpa, ao comprar uma crise que não existia e colocar na fazenda um ministro da ala dos especialistas em gerar crises. Com tantos recursos econômicos estocados em bancos públicos, Petrobras e reservas internacionais, além do recurso político da vitória e aprovação de um projeto desenvolvimentista nas eleições, a política econômica ortodoxa adotada pela Dilma foi o primeiro tiro no pé, que seguiu a outros.

Estes aspectos precisam se tornar mais visíveis a partir de agora. Precisamos massificar um bom debate sobre os interesses sociais concretos que estão em jogo no país, a fim de fragilizar a cultura política do ódio, a ira e a “guerra santa” da direita tradicional e quebrar a resistência ao debate racional que é o único que pode fortalecer a nossa democracia.

Entretanto, para isso, precisamos que o Governo Dilma se movimente um pouco para a esquerda, ou então ficaremos sem elementos concretos com os quais diferenciar as forças políticas em conflito e convencer, nos debates, que o projeto de poder do PT ainda é o melhor para o Brasil.

As manifestações deste dia 15 de março não surtiram o efeito esperado e não ameaçam o governo Dilma. Contudo, a manter o viés adotado, a sua permanência no poder pode não ser mais um diferencial econômico e social, que, no fundo, é o que importa. Deste modo, um PT em 2018 não fará mais sentido. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1.  Golpe de 64: ‘Marcha da
     

    Golpe de 64: ‘Marcha da Família com Deus pela Liberdade’ completa 50 anos; saiba quem a financiou e dirigiu

    Felipe Amorim e Rodolfo Machado/Última Instância | São Paulo – 21/03/2014 – 06h00Tidas como protagonistas do movimento que depôs João Goulart, organizações femininas lideradas por mulheres de classe média eram, na verdade, financiadas e instruídas pelos homens da elite empresarial-militar que queriam derrubar Jango.CIA por trás de tudo.

     

  2. Estranho, muito estranho, as

    Estranho, muito estranho, as faixas escritas em inglês.  Uma delas em especial era intrigante. Bem feita, dizia:

    “GOP HELP TO SAVE BRAZIL FROM BOLIVARIANISM!”

    Acho que pouquíssimas pessoas no Brasil sabem que GOP é a sigla em inglês que é usada para se referir ao partido republicano nos EUA, GREAT OLD PARTY.

    ARMED FORCES, uma outra faixa = apelo por intervenção armada dos “states”?

    Tudo muito estranho e ASSUSTADOR.

     

     

  3. Impitiman já!

    Caro Valber,
     bom dia

    sua análise é boa. O texto está claro.

    Todavia, muito teórico. Muito mais do mesmo.

    Por exemplo, essa guinada para a esquerda, dita assim, desta forma vaga , seria mais um tiro no pé.

    Isso porque  o país é concentrador de renda e quem manda , desde sempre, é quem tem  propriedade privada. Manda mesmo. Tanto os que estão dentro da polítca, exercendo algum cargo político,  quanto os que estão fora, isto é, estão fora mas estão dentro, financiando as regras do jogo.

    Logo, uma guinada para a esquerda é mais ou menos  dizer para os que mandam: vocês terão de pagar  contas. E as contas são altas  pois a renda é muito concentrada! na mão de vocês…

    Ora, ora, quem é que vai admitir isso? Resposta: Ninguém.

    Portanto, com o devido respeito, o buraco é muito, mas muito mais embaixo do que este proposto por você.

    Pensemos nisso

    Saudações

     

  4. Não haverá democracia com a Globo

    A primeira lição que temos que aprender é esta: a globo não que a democracia.

    Para termos uma demoicracia plena, temos que nos livrar da Globo.  A globo nem existia nos anos 60, podemos muito bem viver sem ela.

    Mandar pro congresso projeto/MP, o que for pedirndo a cassação imediata da licença da Globo.

    Segunda coisa:  tem que criar uma rede estatal de comunicação amanha mesmo. Urgente!  Não pode ficar refem da Globo e sem ter como se comunicar.

    Como lutar com os meios de comunicação, sem ter um meio de comunicação? impossível.

    Terceira coisa:  qualificar as empresas envolvidas na chantagem ao governo e na incitação a desordem, como partido político e não como empresas de comunicação. Definir claramente quam são os jogadores.  Botar nome nos biuos todos. Pra população saber.

    Quarta: baixar decreto, proibindo qualquer anuncio do governo, e toda administração nas empresas do PIG. Chega de financiar organização terrorista.

    Já que vai apanha pra caracas mesmo, tem que botar pra lascar.

    Dilma, nãom tenha medo. A gente pode viver sem a globo. A gente aguenta o tranco. 

    O que não podemos é ficar sem a democracia. Em nome da democracia, por favor, acabe com a Globo. Hoje mesmo.

  5. Válber, maravilha de

    Válber, maravilha de reflexão. É isso mesmo. O objetivo é que tenhamos dois partidos se sucedendo no poder, porém com inclinações políticas semelhantes, no fundamental a mesma no que concerne à economia, vocacionada para alimentar a ganância dos ricos. Alguma semelhança com Democratas e Republicanos dos EUA não é mera coincidência.

  6. A quantidade de bandeiras do

    A quantidade de bandeiras do USA, identifica os protesteiros: colonizados eternos, analfas políticos. SP é o camburao dos pobres, mas um asilo ao atraso.. Olhem a ignorância do vira-lata analfa, pedindo para que cunha, o corrupto, prepare o impichólio. A “qualidade” do cidadão vira-lata é miserável. 

  7. Espetáculo de ignorância

    Ambas movimentações, dos dias 13 e 15, foram pacíficas.

    Mesmo pacíficas, só no dia 15 foram vistas mensagens de ódio, intolerância, racismo, suásticas, dilma e lula enforcados etc. Só no dia 15 foram vistas cenas vergonhosas de pais ricos ensinando seus filhos a odiar aos pobres.

    Dois pontos a serem destacados: não houve quebra-quebra, como em junho de 2013, e dois picaretas oportunistas, Bolsonaro, no RJ, e Paulinho da Força, em SP, foram impedidos de falar. Se Aécio ou Serra estivessem presentes, provavelmente, também seriam.

    Entendo assim: a classe média que foi às ruas ontem quer paz e ordem, mas rejeita as leis que não atendam a seus interesses e caprichos, já que quer o impedimento de Dilma sem fato determinado. Não tolera oportunistas, mas acolhe e convive pacificamente com neofascistas e neonazistas.

    Ou seja, tem alguma coisa errada nessa gente irresponsável – que não representa o povo -, mas quer decidir o rumo do país por ele.

  8. E a sonegação??

    Faltou falar da sonegação de impostos por parte do 1%. Outra coisa, é muita vontade de dar tiro no próprio pé, vide a Europa após a crise de 2008, que seguiu direitinho a cartilha da troika e acabou aprofundando a crise por lá.

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