Vazamento seletivo e a narrativa de acusação, por Pedro Estevam Serrano

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Pedro Estevam Serrano
 
É preciso exigir que a Polícia Federal puna com rigor e de forma efetiva os vazamentos e privilégios a determinados veículos de comunicação e até criar órgãos de controle externo para tal
 
Da CartaCapital
 

O recorrente vazamento de informações não é exatamente uma novidade. Ao contrário, durante praticamente todas as operações de grande repercussão conduzidas pela Polícia Federal, ao menos desde o final do governo FHC, praticou-se, em menor ou maior grau, vazamento privilegiado de dados e documentos sigilosos das investigações para veículos da grande mídia.

O que surpreende, no entanto, é que essa prática perdure e, uma vez que não é coibida nem punida, acabe por ser estimulada. Aliás, parece que ninguém mais questiona sua legalidade ou, quando o faz, é advertido com a argumentação de que a imprensa é livre.

É verdade que a imprensa é livre para publicar informações que venha a obter, mas é preciso lembrar que o agente público que fornece essas informações incorre em grave crime contra a administração pública; crime, aliás, tão grave quanto a corrupção.

É preciso exigir que a Polícia Federal puna com rigor e de forma efetiva os vazamentos e privilégios a determinados veículos de comunicação, ou até mesmo pensar na criação órgãos de controle externo para tal.

Se o repórter tem a missão de conseguir informar em primeira mão – o que deveria ser feito sempre com critério e responsabilidade -, no plano jurídico, o agente público incumbido da investigação – seja da Polícia, do Ministério Público ou do Judiciário –, ou quem lhe faz as vezes, tem o dever de guardar sigilo sobre ela.

Quando uma informação é divulgada antes do tempo, não só o direito do acusado, mas também a investigação e a legitimidade do processo são prejudicados. Portanto, ao permitir ou facilitar propositalmente que uma determinada informação seja publicada, esse agente incorre em ato criminoso.

O vazamento sistemático é extremamente pernicioso, tanto para a efetividade da Justiça, uma vez que interfere nos resultados dos processos, quanto para a sociedade, para o público que consome notícias oriundas de informações descontextualizadas e que trazem, de “brinde”, uma versão acusatória publicada como fato.

A divulgação de trechos de conversas telefônicas retiradas do contexto original, por exemplo, pode criar uma ideia antecipada de culpabilidade do investigado. Alimenta-se, dessa forma, no ambiente da sociedade, uma narrativa de punição a esse investigado, sem que ele tenha sequer condições de exercer seu direito de defesa.

Normalmente ele e seus advogados tomam conhecimento daquela documentação e informação ao mesmo tempo em que o público, pela imprensa.

Esse tipo de mecanismo está transformando o processo penal no Brasil em um processo stalinista, em que os procedimentos são mera formalidade, pois desde o início e antes mesmo de a defesa ser realizada, já se sabe o seu resultado.

No mais das vezes os réus têm sido condenados a cumprir penas duras, justamente por conta dessa narrativa acusatória criada em torno de toda a investigação.

Isso é muito grave e os vazamentos de informação à imprensa têm papel central na instauração dessa corrupção sistêmica, ou seja, do mau funcionamento do Estado Democrático de Direito e dos valores que lhe são próprios, como o da presunção de inocência.

Além disso, como se sabe, os aparelhos, as corporações de investigação condicionam a liberação de informações privilegiadas a que o jornalista divulgue apenas a sua versão dos fatos – o que fere um princípio fundamental do bom jornalismo que é sempre ouvir o outro lado. 

A fim de garantir a obtenção dessas informações, parte da mídia age de forma parcial, não isenta, e, de quebra, confere maior visibilidade a este ou aquele agente. Essa simbiose entre agentes públicos responsáveis por grandes investigações e órgãos de imprensa, além de contaminar e corromper o encaminhamento do processo penal, prejudica a construção de uma mídia mais plural e democrática.

No momento em que é necessário divulgar informações, os órgãos públicos têm que fazê-lo de forma isonômica. O papel do jornalista é tentar obter a informação em primeira mão, mas o papel do Estado é resguardar o que é sigiloso e garantir acesso igualitário a todos os veículos de imprensa ao que não é. É preciso garantir visibilidade à investigação, e não a quem investiga.

Quando a sociedade sabe o nome do juiz ou agente público que está à frente de uma investigação, mas sabe nada ou muito pouco sobre aquilo e quem está sendo investigado, ela está mal informada.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

15 Comentários

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  1. É preciso exigir….
    Sei…e

    É preciso exigir….

    Sei…e quem é o chefe da PF ? Quem manda na organização ? Quem é reponsável por definir seu diretor, seus superintendentes, etc.. ?

  2. Que eu tenha conhecimento,

    Que eu tenha conhecimento, houve um único caso de punição a um delegado que foi condenado por violação de sigilo funcional, o ex deputado federal Protogenes Queirós, no STF, inclusive com perda da função, depois do empenho pessoal de Gilmar Mendes,num processo comandado pelo juíz Ali Masloum.

    1. O ideal é que entregassem

      O ideal é que entregassem todos os corruptos, não apenas do PT.

      Se a PF quiser vazar o problema é de alguns policiais, mas tirem as tarjas pretas, e deem visibilidade a todos os envolvidos.

      Você consegue entender isso ?

  3.  
     
    21/10/2014 17h47 –
     

     

    21/10/2014 17p7 – Atualizado em 21/10/2014 21h00

    STF condena Protógenes por vazar informações na Operação Satiagraha

    Para ministros, ex-delegado violou sigilo funcional; defesa vê perseguição.
    Ele terá que prestar serviço comunitário e não poderá ter cargo público.

     

    Nathalia Passarinho Do G1, em Brasília

     

    A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta terça-feira (21) o deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) pelo vazamento de informações sigilosas na Operação Satiagraha, que prendeu, em 2008, o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, já falecido.

    Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o processo decorrente da operação conduzida por Protógenes, então delegado da Polícia Federal, por considerar que as provas se basearam que gravações telefônicas feitas ilegalmente.

    Não há dúvida de que houve o alerta à imprensa. Na madrugada em que foi deflagrada a operação, jornalistas já estavam posicionados em frente à casa do ex-prefeito Celso Pitta, antes mesmo da chegada dos policiais, para registrar a operação”ministro Teori Zavascki,
    relator da ação

    O julgamento no STF se deu em análise de um recurso contra decisão de 2010 do juiz federal Ali Masloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, de condenar o ex-delegado por violação de sigilo funcional e fraude processual. Por unanimidade, 3 votos a zero, a turma do Supremo condenou Protógenes por violação de sigilo funcional e o absolveu da acusação de fraude processual.

    O ex-delegado ainda poderá recorrer da decisão do STF por meio dos chamados embargos de declaração, recursos que servem para contestar eventuais “omissões” e “contradições” no julgamento.

    Não há provas de que ele vazou as informações. O que existiu foram várias pessoas tentando abafar o caso por se tratar de um banqueiro”Adib Abdoumi,
    advogado de Protégenes Queiroz

    Os ministros fixaram a pena em 2 anos e 6 seis meses, convertida em prestação de serviços comunitários e limitação de fim de semana (as restrições de liberdade no fim de semana serão fixados pelo juiz da execução penal). O STF também entendeu que, em decorrência da condenação, Protógenes perde o mandato e o direito de ocupar cargo público durante o tempo de duração da pena (2 anos e 6 meses).

    Como foi condenado por órgão colegiado por crime contra a administração pública, ele também ficará inelegível desde esta terça (data da condenação) até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena.

    Vou estudar como meus advogados como recorrer. Não sei explicar aos jovens do Brasil a injustiça que foi decidida nesse tribunal hoje”Protógenes Queiroz,
    deputado federal e ex-delegado da PF

    Apesar de determinar a perda do mandato, o relator da ação penal, Teori Zavascki, ressaltou que cabe à Câmara dos Deputados decidir se instaura processo de cassação. Para o ministro e os demais magistrados que participaram do julgamento, a perda do mandato não é automática a partir da decisão da Corte. Protógenes se candidatou nas eleições de outubro, mas não foi reeleito deputado federal. Portanto, terminará o mandato em 31 de janeiro de 2015, quando tomarão posse os novos parlamentares eleitos.

    Após o julgamento, Protógenes Queiroz disse que é vítima de um “tribunal de exceção”, porque a sessão da turma do STF, apesar de ser pública, não é televisionada nem foi, segundo ele, “amplamente divulgada”. O ex-delegado afirmou ainda que não irá renunciar ao mandato e anunciou que usará os últimos meses como parlamentar para “denunciar a corrupção que descobriu na Operação Satiagraha.”

    “Vou estudar como meus advogados como recorrer. Não sei explicar aos jovens do Brasil a injustiça que foi decidida nesse tribunal hoje. Não sei o que vou dizer aos meus filhos”, disse.

    saiba maisSTF abre novo inquérito para apurar se Protógenes cometeu desviosConselho de Ética da Câmara rejeita abrir processo contra ProtógenesPGR vai ao Supremo contra anulação da Operação Satiagraha

    Violação de sigilo funcional
    De acordo com a acusação do Ministério Público Federal, Protógenes teria revelado a jornalistas que, no dia 19 de junho de 2008, ocorreria uma reunião em um restaurante paulista entre dois investigados na Operação Satiagraha, Humberto Braz e Hugo Chicaroni, e um delegado da PF. No encontro, previamente programado pelos investigadores para produzir um flagrante, os investigados ofereceram propina ao delegado, com a finalidade de se livrarem da operação.

    Protógenes teria cometido violação do sigilo funcional, conforme o Ministério Público, por ter informado a dois jornalistas a data em que seria deflagrada a operação policial, dia 8 de julho de 2008. Com base nessa informação, jornalistas e cinegrafistas se posicionaram com antecedência, na madrugada daquele dia, em locais onde seriam realizadas buscas e prisões, especialmente de pessoas públicas como a do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e a do empresário Naji Nahas.

    O advogado Adib Abdoumi, que representa judicialmente Protógenes Queiroz, afirmou, em sua sustentação oral, que o ex-delegado é alvo de perseguição por ter investigado o banqueiro Daniel Dantas. “Há, sim, um sistema de um banqueiro perseguindo um delegado. Óbvio que com a condenação do delegado ele vai desqualificar os fatos ocorridos anteriormente [a Operação Satiagraha]”, disse. De acordo com Abdoumi,  o ex-delegado não foi o responsável pelo vazamento de dados da investigação contra o banqueiro.

    “Foi vazado pela imprensa de que Daniel Dantas estaria sendo investigado e coincidentemente havia jornalistas na operação. Mas não há provas de que ele vazou as informações. O que existiu foram várias pessoas tentando abafar o caso por se tratar de um banqueiro”, disse.

    No entanto, o relator da ação penal, ministro Teori Zavascki, afirmou que as provas presentes nos autos comprovam que Protógenes vazou informações da Operação Satiagraha à imprensa.

    “A leitura das peças de instrução mostram intensas relações entre Protógenes e a imprensa nos momentos críticos da operação. Não há dúvida de que houve o alerta à imprensa. Na madrugada em que foi deflagrada a operação, jornalistas já estavam posicionados em frente à casa do ex-prefeito Celso Pitta, antes mesmo da chegada dos policiais, para registrar a operação”, disse Zavascki.

    O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, revisor da ação penal, e a ministra Cármen Lúcia. A turma do STF também condenou o escrivão da Polícia Federal Amadeu Ranieri Bellomusto, por violação de sigilo funcional. Para os ministros, ele participou do vazamento de dados das investigações contra o banqueiro Daniel Dantas.

    Em nota, o Banco Opportunity, de Daniel Dantas, citou manifestações do Ministério Público e decisões do STF e do STJ contrárias à investigação e às prisões decorrentes da Operação Satiagraha. “Daniel Dantas, o Opportunity e seus executivos foram vítimas de ilegalidades de uma ação policial encomendada”, diz a nota.

    Mulher do deputado protesta
    Após a condenação de Protógenes pelo STF, a mulher do deputado, Roberta Luchsinger, publicou mensanges em sua conta no microblog Twitter nas quais criticou a decisão do Supremo.

    “Meu marido @ProtogenesQ [perfil do deputado na rede social] foi condenado! Não acredito na p… dessa justiça!”, publicou. Uma das mensangens foi apagada após ser publicada.

    Mensagens publicadas por Roberto Luchsinger no microblog Twitter sobre a condenação de Protógenes (Foto: Reprodução)Mensagens publicadas por Roberto Luchsinger no microblog Twitter sobre a condenação de Protógenes (Foto: Reprodução)

     http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/10/stf-condena-protogenes-por-vazar-informacoes-na-operacao-satiagraha.html

  4. Uai!
    Pensei que isto fazia parte da oposicao, do PIG, do MPF e da PF combinado com o Moro. Para justicar e justificar o combate contra o governo. Nao foi Dilma a capa da revista?
    Me explica, como alguem vaza sem nai faz parte do sistema?
    Kkk cada uma chama o ladrao, corre pq a PF e o MPF estao aqui com o juiz Moro para intimidadacao!
    O vazamento faz parte do show!!!
    O show tem que continuar.

  5. Intriga…

    O que causa estranheza é o fato de ninguém se questionar acerca da legalidade dos vazamentos. Intriga ainda perceber que os documentos e as delações que a imprensa mostra, em tese, deveriam estar resguardados sob sigilo.

    Quanto à seletividade dos vazamentos, essa corre por conta da própria imprensa, que se encarrega de omitir aquilo que por ventura seja inconveniente (leia-se o que atinge o PSDB).

    Já vimos isso: o bandido Aécio passou ileso da Lava Jato, mesmo com as suspeitas e o depoimento do Youssef. Tudo isso laborado pelo “Torquemoro”, que só deixa passar coisa do PT.

  6. E mais fácil

    É mais fácil o Bozo ser prefeito da cidade de São Paulo do que  Polícia Federal da Dilma parar de vazar fatos distorcidos contra o próprio governo Dilma.

  7. Pedro Serrano vive em que mundo?

    “É preciso exigir que a Polícia Federal puna com rigor e de forma efetiva os vazamentos e privilégios a determinados veículos de comunicação”  .  Exigir  de quem? do zé ninguém?

  8. Economia

    Dilma, a 13 vara da justiça federal de Curitiba têm jurisdição sobre todo o País, e igual privilégio desfrutam a PF e a procuradoria da capital paranaense. Então, para que manter PF e justiça em todos os Estados?  Fecha tudo, que vai fazer uma economia enorme.  Aliás, em muitas democracias de verdade o Judiciário não é um poder.  Estamos vendo a razão.

  9. Mais afinal, o Dr. Moro

    Mais afinal, o Dr. Moro atribuiu sigilo a investigação ?

    Ou a indignação tem relação com o grau de relação dessas pessoas na sociedade ?

    Vazamento teria relação com investigação com decreto de sigilo, o que não parece ser o caso.

    Dr. Serrano, não envergonhe a classe com sua indignação seletiva.

    1. Vergonha é vc

      reduzir o entendimento baseado no ordenamento juridico basico de um estado de direito vinda de um profissional do nivel do Dr. Pedro Serrano a esta observaçao hipocrita. O que o professor está mostrando é que isto é um acinte feito contra o Direito em geral, atropelando a possibilidade de defesa e principalmente revelando a falta de carater dos agentes responsaveis pela investigaçao e acusaçao. 

    2. E…..

      Você é burro ou se faz !!!

      O que está dito é o vazamento seletivo, idiota !!!!!!!!!!!!

      Desculpe a agressão/desabafo, mas voce está a merecer, pois não avaliou bem seu comentário sobre o tema!!

      e não me venha com o papo furado de ideologias !!! Falei !!!!!!!!!!!!

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