Vazamentos, delações e conversa mole, por Alberto Dines

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Alberto Dines

Jornalismo investigativo só vale com independência

No Observatório da Imprensa

Os fados brindaram os organizadores do 10º Congresso da ABRAJI com uma preciosa e impagável agenda para discutir o estado da arte do gênero. Há uma semana, tanto a mídia dita ‘tradicional” como a recém-nascida, dita digital, só tratam do teor da delação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, à força-tarefa da Operação Lava Jato.

Nenhum jornal ou jornalista, dito investigativo ou apenas curioso, preguiçoso ou inconformado, com ou sem “aquilo” roxo, golpista ou antigolpista teve a coragem moral para arguir os responsáveis por um vazamento claramente seletivo, manipulado e, sobretudo, indevido. Este é um dado fundamental para avaliar as mazelas da mídia do século XXI que se alimenta exclusivamente com o que considera fato e factual, sem qualquer apego pelos métodos empregados para obtê-los.

A delação premiada é um recurso processual legítimo desde que respeitada a contrapartida — o rigoroso sigilo dos depoimentos pelas autoridades até a conclusão do devido processo. Publicar a delação — no todo ou em parte — antes do encerramento do caso é uma violação capaz de comprometer as investigações complementares, colocar vidas em risco, confundir a opinião pública e embaralhar o próprio juízo dos magistrados. (A presidente Dilma Rousseff confundiu o processo legal de delação com o denunciador de heresias, o malsim, adjetivo espanhol oriundo do hebraico (malxim) para designar os informantes pagos pela Inquisição para incriminar inocentes).

A mídia vibrou com o festim oferecido graciosamente pelo generoso empreiteiro. Sem gastar um níquel, sem convocar uma única estrela do elenco dos “investigativos”, os donos da informação encheram páginas e mais páginas com fatos quentíssimos, tórridos, embora ainda não picantes.

A imprensa gasta fortunas para exibir uma suposta credibilidade, mas não tem a hombridade para questionar os responsáveis pelos vazamentos que tanto aproveitam. Com vinte linhas firmes, sem arrogância ou prepotência a grande mídia mostraria um mínimo de dignidade e responsabilidade social.

Seu grande receio é ser levada a sério e assim convencer as autoridades para fechar as torneiras frouxas e jamais violar o segredo de justiça. Em outras palavras: os grandes grupos jornalísticos não confiam no seu dream-team investigativo porque no universo midiático brasileiro sem vazamentos e infrações não há avanços nem revelações.

A cobrança da transparência

Prova: quantos “furos” autênticos – e não primícias de vazamentos – foram obtidos pela reportagem da grande mídia em investigações paralelas desde o início da Operação Lava Jato há cerca de um ano?

Sem a ajuda de autoridades boquirrotas, fascinadas pelos holofotes ou simplesmente engajadas no jogo de poder nossos escândalos ainda estariam escandalosamente guardados nos armários. Não esqueçamos que o Mensalão iniciou-se com o misterioso vídeo de um flagrante de pagamento de propina a um diretor dos Correios entregue nas redações de “Veja” e TV Globo e por elas divulgado. Seus produtores permanecem até hoje mais ou menos incógnitos, porém certamente alheios à profissão jornalística.

Talentos não faltam, consciência e decência, idem. O que falta em nossas redações é independência. Nossos jornalões morrem de medo de treinar equipes autônomas de investigativos altamente capacitados e capazes de levantar inconveniências impróprias para publicação. O sonho de domesticar repórteres investigativos é diabólico e felizmente inalcançável. Melhor não correr riscos.

Transparência cobra-se, exige-se. Não é atributo para ser assumido. Pelo menos neste país do faz-de-conta, onde se reclamam contas apenas de adversários.

Esse é um tópico que nenhum dos nove congressos anteriores da ABRAJI ousou pautar. Convém não esquecer que a nobre entidade foi criada, mantida e financiada pela ANJ, Associação Nacional de Jornais. Qual o mal, qual o perigo desta associação?

Com os recursos investidos no evento da ABRAJI (incluídas as despesas com publicidade) cada um dos grandes jornais poderia ter mantido alguns veteranos repórteres dizimados em recentes degolas.

Os mentores da ANJ não pretendiam criar um pool de repórteres investigativos para devassar os desvãos da sociedade e acabar com a impunidade. Queriam uma entidade, um grupo de pressão para falar em nome dos profissionais de imprensa já que qualquer tipo de jornalismo é essencialmente investigativo.

Se Fernando Rodrigues, o criador da ABRAJI, continuasse no quadro de funcionários da “Folha”, o jornal estaria obrigado a divulgar as investigações que eventualmente contrariassem seus interesses. Preferiu demiti-lo depois de três décadas de brilhantes serviços e deixá-lo em seu blog. Com isso se desobriga de publicar todas as suas denúncias, como aconteceu recentemente quando seu ex-colunista revelou o impressionante volume de recursos pagos pelo Governo ao Grupo Globo (supostamente de oposição). A “Folha” enrustiu a informação já que não pode incomodar o seu sócio no “Valor Econômico”.

As singularidades do jornalismo investigativo brasileiro merecem muitos conclaves. A única dificuldade situa-se na impossibilidade de conciliar investigação com submissão, controvérsia com controle.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. Fascismo

    O fascismo avança sobre todos os setores, exatamente como um “arrastão” criminoso.

    Os que deveriam defender o Estado Democrático de Direito, apenas observam estupefatos.

    Quem não defende a Liberdade, merece ser livre ?

  2. Rodeia

    O dines faz uma acusação leve e convencional para o que é um crime. É sempre assim, as críticas são mornas. Então quer dizer que o problema é não ter reporteres investigativos? O crime do vazamento perpetuo com cúmplices e abrangente não é crime, eu disse: crime. E se ele é seletivo e sempre contra um partido político e mantenedor de uma acusação indevida, como já se dabe desde um ano atrás, não é crime mais grave e ainda de quadrilha? Crime contra a constituição e contra a democracia. E todos os jornais ( e jornalistas) participam deste banquete criminoso e nazista. Isto é que é. Fale tudo, dines.

  3. Ingenuidade, caro Dines, crer

    Ingenuidade, caro Dines, crer que o termo “Investigativo” em ABAJI seja algo além de marketing institucional, corporativista. Até o “J” em ABAJI não passa de propaganda enganosa, conversa para boi dormir.

  4. virtude

    O hino do Estado do Rio Grande do Sul é um primor, claro e conciso:

    não basta para ser livre

    ser forte, aguerrido e bravo

    povo que não tem virtude

    acaba por ser escravo

  5. Alberto desavisado Dines, a

    Alberto desavisado Dines, a operação lava jato tem como objetivo principal derrubar o governo e assegurar para que o PT não volte a administrar se quer um gremio estudantil. Alberto desavisado Dines a ANJ como verdadeiro partido de oposição é o braço juridico midiatico do golpe que esta em curso. Não se pode perder tempo investgando ja são quase 16 anos fora do poder central. Agora que reduziram a maioridade penal daqui a 3 anos eles poderam responder por seus crimes como adultos. Menos a imprensa brasileira que sera sempre iniputavel, desde que não se investigue tucanos é claro.

  6. Nem o fato da Presidenta da

    Nem o fato da Presidenta da República referir-se em claro português a “vazamento seletivo” de maneira pública, em país estrangeiro, para toda a imprensa internacional anotar, investigar e registrar, foi suficiente para a imprensa local receptora dos tais recados diretos abalar-se e falar de modo explicativo sobre o assunto. E aqui uma multidão de paralíticos fica observando calada e boquiaberta a prática deste absurdo se desenrolar todos os dias descaradamente, dentro de uma estratégia de “penalização antecipada do corrupto pela imprensa” que já foi explicitada – e muito bem recebida e defendida pela imprensa – em artigo tresloucado publicado pelo próprio executor, como se fosse perfeitamente aceitável pelo Estado Democrático de Direito um colendo juiz pôr em prática um método pessoal de justiça “seletiva” à margem da Constituição Federal e do ordenamento jurídico nacional.

  7. “Com vinte linhas firmes, sem

    “Com vinte linhas firmes, sem arrogância ou prepotência a grande mídia mostraria um mínimo de dignidade e responsabilidade social.”

    É comovente a esperança por alguma decência na atividade “jornalistica” da parte dessa “grande” imprensa nesses tempos de antipetismo boçal.

    Já passaram do ponto de retorno há muito. Imprensa e oposição já passaram da histeria pra baixaria não é de hoje nem de ontem. Pra incentivarem – mal dissimuladamente, como tudo que fazem – a violência aberta não vai demorar muito. Julgador que esconde provas contra os réus e que prejulga e dirige investigação pra atingir objetivos políticos será pouco.

    Aliás, o que pretendia o Estadão ao manchetear que “quatro” criaturas xingaram a Dilma lá nos EEUU? E o silêncio acerca das ameaças ao Jô Soares e ao Fernando Morais? E o silêncio também sobre as declarações de policiais federais que fizeram escutas ilegais?

  8. O mais categorizado

    O mais categorizado jornalista investigativo deste país – Rubens Valente – está confinado nos esconderijos da TV Record. Se a chamada grande imprensa quisesse realmente fazer investigação, ao invés do famoso Ctrl C – Ctrl V, Rubens Valente estaria trabalhando em um dos grandes jornais do país, mas dado a independência desse jornalista, seu trabalho não interessa a civitas, marinhos, frias, mesquitas, saads et caterva.

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