Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Viva a polarização, por Aldo Fornazieri

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por Aldo Fornazieri

VIVA A POLARIZAÇÃO

Pessoas das mais variadas posições políticas, dos mais diferentes calibres intelectuais e das mais diversas posições sociais têm lamentado uma suposta excessiva polarização que estaria ocorrendo no Brasil. Leandro Karnal, após publicar  a foto de seu famoso jantar com o juiz Moro e ver-se tolhido por críticas de muitos e ungido pelos elogios de outros, lamenta a polarização, mais uma vez. Na verdade. ou melhor dizendo, a verdade efetiva das coisas mostra que a crítica à polarização no Brasil, em todos os tempos, sempre esteve a serviço da dominação de elites predatórias e sempre se configurou como o exercício da hipocrisia nacional.

A outra face da crítica à polarização é a ideia paradigmática de que o povo brasileiro “é ordeiro e pacífico”. As exigências de ordem e paz, de harmonia, nasceram no Brasil Colônia, atravessaram o Brasil Império e se instalaram no Brasil República. Em nome dessas ideias, dissidências foram massacradas, opositores foram exilados, críticos foram calados. Em nome dessas ideias, a violência explícita ou dissimulada das elites sempre procurou auferir a áurea de legitimidade, proclamando-se ação necessária para harmonizar os conflitos banindo da cena política e social os elementos “perturbadores”, os “indesejáveis”, os “subversivos”, os “desordeiros”, enfim, um rosário instrumental de adjetivações a serviço do mando violento e excludente.

A crítica à polarização e a falta do combate cívico virtuoso fizeram do Brasil o que ele é: um país sem presente e sem futuro; um país incapaz de dar-se uma comunidade de destino. Foi esta dupla dinâmica que fez com que alguém disse que, com a independência do Brasil, os portugueses não perderam uma colônia, mas ganharam um reino. Esta mesma dinâmica fez com que a proclamação da República fosse feita por um marechal monarquista, adoentado, posto sobre um cavalo para liderar uma marcha militar, fazendo com que a res publica nascesse sem povo, sem terra e sem o pronunciamento de um tumulto cívico que lhes desse uma origem efetivamente popular. A síntese perversa deste ato foi captada pelas famosas palavras de Aristides Lobo que afirmou que o povo assistia, “bestializado”, aquele acontecimento sem compreender o seu significado.

Exigir, neste momento, a despolarização, o debate polido, as maneiras finas e educadas, significa exigir que o povo permaneça bestializado. No Brasil, o povo sempre foi tratado como serviçal, como escravo, como ignorante, como grosseiro, cujo único atributo seria trabalhar e servir. As elites sempre se reservaram o monopólio do luxo, do dinheiro, dos vícios e da corrupção. Pois bem. Nos momentos críticos, de incerteza acentuada acerca do amanhã, essas elites mal-educadas, incluindo a intelectualidade que as servem, exigem boas maneiras daqueles que nunca foram bem tratados. O povo e os ativistas cívicos, precisam aprender a tratar com grosseria as elites violentas, luxuriosas, vaidosas, corruptas, expropriadoras, sonegadoras, pois esta é a forma polida que merecem ser tratadas por terem construído uma sociedade injusta e brutalmente desigual.

É legítimo cobrar posicionamento dos intelectuais

Chega a ser um acinte que os bem falantes dos livros e das mídias exijam despolarização, recato e polidez em uma sociedade moralmente dilacerada, materialmente humilhada, culturalmente deserdada. É preciso dizer não a essa exigência de despolarização que criou, cultiva e dissemina o mito da democracia racial, sempre atualizado em cada momento histórico com a manutenção de novas formas de existência de semi-libertos dos afro-descendentes e de extermínio dos índios.

Como exigir despolarização no momento em que a democracia foi golpeada, em que os direitos sociais são destruídos, em que a cultura, a educação e a saúde pública sofrem agressões e danos ruinosos? Como exigir polidez quando a juventude está desesperançada e a velhice temerosa porque não se encontra ao abrigo das misérias e não tem amparo no momento em que mais precisa dos serviços públicos da saúde? Como exigir diálogo com um governo que é a face desnudada da corrupção, do machismo, da falta de recato e da indiferença completa com a sua própria degradação?,

Neste momento de desesperança é preciso cobrar dos intelectuais, sim, um posicionamento acerca da situação política do país. Os intelectuais são figuras públicas e, como tais, estão submetidos ao crivo do público e às exigências demandadas pelo processo de formação da opinião pública. É bem verdade que parcelas dos intelectuais se tornaram idiotas da objetividade e se refugiam numa suposta neutralidade que não existe. Também é verdade que parte da mídia conferiu o estatuto intelectual e de juízes da nação a vendedores de consultorias, que são partes interessadas no doloroso ajuste jogado sobre os ombros vergados dos mais pobres.

Mas convém lembrar que os intelectuais de todos os tempos,  dentre os mais representativos, a começar por Sócrates, Platão e Aristóteles, chegando ao mundo moderno e contemporâneo, pugnaram pela cidade justa, pela república justa, pela nação justa. Denunciaram as injustiças, combateram as desigualdades, enfrentaram tiranias e ditaduras, sofreram violências, exílios, prisões, quando não a morte.

Um intelectual autêntico não pode ser um acólito do poder, um cortesão oportunista, um freqüentador de palácios, um comensal dos poderosos. Os intelectuais autênticos devem ser a voz pública dos reclamos de justiça e, pela simbologia e representatividade que carregam, precisam  elevar-se acima dos outros para denunciar as mazelas do poder e dos poderosos, de sua opressão, de suas arbitrariedades e de suas tendências contrárias à liberdade.

Dentre todas as incompletudes humanas, dentre todas as incompletudes do mundo, um poder que não esteja assentado sobre as virtudes do povo e que não esteja a serviço do interesse comum, é a maior das incompletudes. O poder do Estado é o organizador de todas as outras atividades. E se ele não é virtuoso, desestrutura e destrói a nação, a sociedade, a moralidade, o bem estar, o desenvolvimento, a educação, os direitos, a cultura.

O governo Temer promove, hoje, este tipo de devastação do Brasil. É um governo que precisa ser denunciado e removido. Para isto é necessário o dissenso, a polarização e o conflito. Nas repúblicas democráticas bem constituídas não é o consenso, não é a paz dos cemitérios, não é a passividade que constroem bem estar e boas leis. Somente as virtudes combativas e o ativismo cívico são forças capazes de imprimir um outro rumo ao Brasil.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.

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Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

26 Comentários

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  1. Questão de Princípio


    É questão de princípio no Estado Democrático de Direito que a Justiça tem de ser imparcial, cumprir estritamente a legislação, ser igual, enfim, para todos. Tudo o que não se tem visto na “excepcionalidade” da Lava Jato, com ênfase na prevenção explícita do juiz contra um partido e, sobretudo, contra o ex-presidente Lula. A polarização se dá aí. De um lado como  deveria ser; do outro o que, infelizmente, é. O Professor Karnal escolheu, ao que parece, aderir ao fato consumado. Daí a justa reprovação, qualquer que tenha sido a sua motivação. Até mesmo a alegada amizade.

  2. Professor Aldo, 
    Aplaudo seu

    Professor Aldo, 

    Aplaudo seu texto e comovo com ele. É alentador saber que há intelectuais lúcidos e comprometidos com o povo. 

    Parabéns!

     

  3. É impressionante o que as

    É impressionante o que as pessoas são capazes de fazer ou de esccrever para ser diferente e conseguir “Ibope”

     

  4. Esta história de povo ordeiro e pacífico

    foi conquistado abaixo de chibatadas, lembrem-se que esta herança escravocrata nos persegue até hoje.

    Lembro-me, quando piá, via o noticiário da tv sobre as manifestações na Coréia do Sul, o povo coreano enfrentando o estado, não se intimidando frente às forças opressoras. Na época eu não tinha a noção da dimensão do que representava aquele comportamento dos sul-coreanos. Atualmente, quando depuseram uma presidenta, até prova contrária, corrupta e aproveitadora, tanto os que a seguem, quanto os adversários, foram pras ruas manifestar sua indignação e o pau quebrou. Falta isto, aqui no Brasil, na verdade nos falta é coragem e vergonha na cara.

  5. Muito bom este artigo, mas

    Muito bom este artigo, mas poderia ter incluído aquela “casta” que tem a obrigação de ser neutra e imparcial, pelo menos no exercício de suas funções: o judiciário. Ao contrário, o judiciário é golpista, incompetente, cínico e partidário e se preocupa mais em defender os seus salários absurdos e ilegais do que fazer valer as leis e a constituição no que, paradoxalmente é para isso que são pagos com os nossos impostos. Eu respeito mais um fascista, apesar de desejar eliminá-lo, mas sei quem é e o que pensa por ter ele se definido, do que um apartidário ou neutro porque este, na melhor das hipóteses é um tolo.

  6. Ele sempre se posicionou
    Ele sempre se posicionou contra a misoginia, homofobia, xenofobia etc… mas ele tb sempre se posicionou contra a polarização, e gostei muito do conteúdo da sua justificativa,além de ter coerência total com seus posicionamentos até então, mostrou dignidade de vir a público se justificar, ruim seria se ele não o tivesse feito, deixando que todos pensassem o que quisessem …como muitos fazem hj em dia …o que acho uma tremenda falta de caráter. ..

    1. Karnal é um sofista
      Karnal é um sofista,ou seja, recebe em dinheiro pelos ensinamentos que promove.É conhecida a unanimidade de aceitação de suas palestras. Tem imagem de um pop star, assim como o próprio Moro, que tem atração pelos holofotes. Em minha opinião, Karnal retirou sua postagem e deu explicações públicas, por uma simples razão:iria perder audiência e, por extensão, baixar seus rendimentos.

    2. ele…..

      Elite predatória. Grande parte formada por esta Gestapo Ideológica que se diz socialista e progressista. Realmente a Casa Grande comporta a todos ou é demasiadamente ampliada como nestes 30 anos de ConstituiçãoEscárnioCaricaturaCidadã. Salões amplos pintados de vermelho. A senzala, esta sim, continua sempre a mesma. Só que agora, os escravos de sempre “sabem e dizem”  quem são as elites. E as elites brasileiras são sempre os outros. 

  7. Parabéns, professor Aldo,

    Parabéns, professor Aldo, pela lucidez e clareza. Com bem dizia  meu falecido avô, “lado de lá, lado de lá; lado de cá, lado de cá”. Ao assumir sua amizade com o fascista de Curitiba, Leandro Karnalha escancarou a sua face e deve ser tratado agora como um inimigo da democracia. Falso filósofo, pensa mais no bolso antes das causas populares. Derrotar Temer é um missão e nela devemos nos concentrar em nossos aliados. E, Karnal está do lado oposto!

  8.  Os donos do Capital

     Os donos do Capital estimulam a competição no mercado de trabalho, da qual são os únicos beneficiários. Mas rejeitam qualquer embate ou conflito decorrente do desejo de uma sociedade justa. A plutocracia estimula o ódio na população para destruir aqueles que desejam a justiça social, mas pedem paz e amor quando a polarização ameaça seus interesses. Até quando teremos esse jogo em que só um dos lados pode vencer? 

  9. E viva mesmo. Sem confronto

    E viva mesmo. Sem confronto não há consolidação das idéias. Porque os petistas são chamados de radicais? Porque defendem um projeto de país e de sociedade para o Brasil. E ser petista, sempre acompanhado do adjetivo radical, virou insulto. A perseguição e destruição do PT tem a ver, menos com o partido, e mais com a ideologia que defende. Os plutocratas brasileiros precisaram de uma década para destruir o nacionalismo, a inclusão social e o projeto de país pensado pelo partido. O PT foi destruido não pelo confronto das idéias com outros partidos mas pela perseguição implacável de seus membros e proteção midiática, policial e jurídica de políticos de outros partidos.

    O protótipo do país alegre, ordeiro e cordial foi exemplarmente exposto na semana passada na festa do Noblat pelo deputado Chico Alencar, do Psol. A “esquerda autêntica” do qual ele se diz representante não consegue se indignar com um golpista como Temer, “pois ele é muito educado e é impossível brigar com ele”. Nenhuma repulsa pelo golpista que esta retirando direitos sociais, destruindo o sistema de saúde, educacional e previdenciário e que propõe o fim da CLT. E olhe que essas são bandeiras tradicionais desde sempre da esquerda. 

    Assim como Karnal não se indigna com um juiz partidário, perseguidor e midiático como Moro. A ética e a moral são conceitos maleáveis que servem ao Chico e ao Francisco, desde que eles pertençam a classe social e ao grupo político que defendem os que tem poder defendem. 

  10. Combater em vez de Conciliar

    Conciliação nunca mais !

    A canoa de cada um do povo deve escolher uma margem para atracar. E só existem duas margens.

    A margem direita significa acomodar-se obedientemente à condição de servo.

    A margem esquerda significa combater e derrotar os valores fascistas dessa plutocracia escravocrata

  11. Viva a polarização, mas se a globo não chama…

    A  Globo não chama, não sai no Jornal Nacional, não é coluna do Estadão, então ninguém se sente motivado a exigir. Só gostamos de ir para a rua quando é agenda marcada pelo noticiário oficial.

  12. Viva a polarização, mas se a globo não chama…

    A  Globo não chama, não sai no Jornal Nacional, não é coluna do Estadão, então ninguém se sente motivado a exigir. Só gostamos de ir para a rua quando é agenda marcada pelo noticiário oficial.

  13. Polarização
    Polarização não significa nem intransigência nem intolerância e a melhor negociação é a que toma como ponto de partida a polarização. O melhor exemplo é a negociação para terminar a guerra no Vietnã.

  14. O isentão

    Em geral, quem paga de isentão é na verdade um cretinão. Nesse sentido, prefiro lidar um canalha declarado, ao menos ele me sinaliza que não vale nada. Já o tal “isento”, com sua postura de “amiguinho”, que “não quer briga”, esse é o pérfido patife!!!

    Por outro lado… Reparem bem se os “em cima do muro” na verdade já estão num lado muito bem definido faz tempo. O youtber Pirula é um deles: se diz apolítico, apartidário, porém fez um vídeo chamado “O PT e eu”, onde desanca os petistas. Contudo, sendo ele paulista de nascimento e tendo menos de 40 anos, era de se esperar que fizesse um com o título “O PSDB e eu”, uma vez que ele jamais presenciou um governo paulista que não fosse tucano. Pois é, esse vídeo não existe na página dele. E nem exisitirá.

    “Isentos”… Ha ha ha ha! Me engana que eu adorooooo!

  15. O isentão

    Em geral, quem paga de isentão é na verdade um cretinão. Nesse sentido, prefiro lidar um canalha declarado, ao menos ele me sinaliza que não vale nada. Já o tal “isento”, com sua postura de “amiguinho”, que “não quer briga”, esse é o pérfido patife!!!

    Por outro lado… Reparem bem se os “em cima do muro” na verdade já estão num lado muito bem definido faz tempo. O youtber Pirula é um deles: se diz apolítico, apartidário, porém fez um vídeo chamado “O PT e eu”, onde desanca os petistas. Contudo, sendo ele paulista de nascimento e tendo menos de 40 anos, era de se esperar que fizesse um com o título “O PSDB e eu”, uma vez que ele jamais presenciou um governo paulista que não fosse tucano. Pois é, esse vídeo não existe na página dele. E nem exisitirá.

    “Isentos”… Ha ha ha ha! Me engana que eu adorooooo!

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