A exclusão social no Brasil é um projeto de estado consistente, por Luiz Antonio Simas

 

Enviado por Implacável

por Luiz Antonio Simas

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O buraco é mais fundo e exige análises não apenas conjunturais (essas são importantes, mas aqui vou me ater a outros aspectos). Baterei de novo numa tecla que me parece uma das chaves do problema brasileiro: a exclusão social no Brasil é um projeto de estado inscrito na nossa História como o mais consistente. A afirmação simples apenas constata que, com momentos raros de relativização deste processo, nós temos um Brasil que articulou estratégias em relação à pobreza fundadas na experiência que é o maior marco da nossa formação: a escravidão.

O fim da escravidão exigiu redefinições nas estratégias de controle dos corpos e coincidiu com os projetos modernizadores que buscaram estabelecer, a partir da segunda metade do século XIX, caminhos de inserção do Brasil entre os povos ditos civilizados.

Essa prevenção contra a pobreza articulou-se também no campo do discurso em que atua a História como espaço de produção de conhecimento. Apenas elementos externos aos pretos, índios e pobres em geral – a ciência, o cristianismo, a democracia representativa, a economia de mercado, a inclusão pelo consumo de bens, a escola ocidental, etc. – poderiam inseri-los, ainda que precariamente e como subalternos, naquilo que imaginamos ser a história da humanidade. É assim que o racismo opera no campo simbólico.

O problema brasileiro passa, em larga medida, pela manutenção do traço mais profundo da nossa formação, aquele que se revela ou se esconde em inúmeras variantes que, todavia, obedecem ao mesmo mote desde o século XVI: confinar, afastar, normatizar, negar, domar, usar, punir e descartar as sobras viventes, todas e todos que ameaçam o projeto predador e civilizatório das elites do Brasil, continua sendo a pedra de toque da ordem e do progresso nesse canto do mundo.

Nós somos um país que não conseguiu, como contraponto a isso, universalizar os direitos à educação e saúde públicas como princípios inegociáveis. Conseguimos apenas avançar circunstancialmente – e pouco – em um ponto ou outro.

O que a PEC 241 faz não é apenas desmontar o estado social brasileiro (ele mal foi montado, afinal). O que ela faz é consolidar o projeto que identifiquei no primeiro parágrafo deste texto e inviabilizar o Brasil como uma possibilidade de país que não seja o fundamentado na lógica acumulativa mais tacanha, na manutenção de privilégios, na domesticação dos corpos para o trabalho subalternizado e no descarte genocida destes corpos tão logo eles não sejam mais viáveis para a engrenagem do imenso engenho colonial do qual nunca saímos de fato.

O Brasil não tem exatamente deputados: tem, com exceções que confirmam a regra, senhores de engenho, bandeirantes apresadores, capatazes e capitães do mato que nunca saíram do século XVI e acabam de dizer o que seremos no século XXI.

 

Redação

7 Comentários

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  1. Outro ex-prof. meu: Luiz Antonio Simas!! ~Esse~ ainda admiro..

     

    >>Podem soltar Lula: com PEC 241 eleição vira concurso de Miss, por Ciro d’Araújo, Marcos Villas-Bôas & Romulus<<
     

     ROMULUS
     SEG, 10/10/2016 – 22:31
     ATUALIZADO EM 11/10/2016 – 06:46

    Podem deixar Lula solto: com PEC 241 eleição presidencial vira apenas concurso de Miss
    Por Ciro d’Araújo, Marcos Villas-Bôas & Romulus

    >> NÃO IMPORTA QUEM VAI SER ELEITO EM 2018. Lula vai estar inelegível ou preso, mas mesmo se não estiver, se ele for eleito o programa que vai governar não será o dele. Pode ser a Dilma, pode ser o Ciro Gomes, pode ser a Luciana Genro. Simplesmente NÃO IMPORTA. Teremos eleições, eleições irrelevantes. A única minimamente relevante será a legislativa, e apenas na construção da SUPERMAIORIA <<

    >> Ciro d’Araújo:
    Amigos, eu estava tranquilo da vida (na medida do possível), até que resolvi LER a PEC 241.

    O Romulus sabe que eu sou favorável ao ajuste fiscal. Acho inevitável que seja feito. Sabe também que eu acredito numa consolidação fiscal de longo prazo, aos poucos. Um ajuste estilo “Levy”, intenso e rápido, eu sei que nunca daria resultados.

    Porém nada pode justificar essa excrecência que é a PEC 241.

    Primeiramente, a PEC 241 é literalmente o novo pacto constitucional seguido da ruptura institucional. Muita gente dizia que não haveria (haverá) eleições em 2018. Eu agora tenho certeza que haverá, e essa eleição será absolutamente irrelevante. O programa que tomará posse já está definido aqui.

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     (i) PEC 241: “eu quero é que pobre se exploda!”; (ii) acima da Constituição só as Tábuas da Lei, não é mesmo, Dallagnol? 

     

  2. Perfeito!
    Na verdade todo esse sistema com violência policial e o sistema judiciário brasileiro – que só prende pobre e preto – foram usados pela própria elite para manter os negros e pobres no seu “devido lugar”, uma vez que se os pobres saírem das favelas pra protestar poderiam fazer uma verdadeira revolução no país e descontar os séculos de humilhações que essa elite escravocráta e classe média racista sempre nos fizeram.

  3. História nua e crua, com pitadas de Foucault

    Considero excelente esta análise, que se mostra objetiva, contundente, indo direto ao ponto: “a exclusão social no Brasil é um projeto de estado inscrito na nossa História como o mais consistente”

    Nos livros e estudos desenvolvidos pelo cientista social e político, o professor Jessé Souza, principalmente num que considero emblemático “A ralé braileira: quem é e como vive”, mostra nos capítulos finais algumas duras verdades constatadas por ele e pelos alunos que o auxiliaram nos trabalhos de pesquisa. Vale a pena citar alguns capítulos/tópicos.

    1) A Má Fé Institucional é o título do capítulo IX. Os tópicos desse capítulo têm os seguintes subtítulos:

         1.1) A Instituição do Fracasso: a Educação da Ralé

         1.2) Ineducáveis? Anderson e Juninho

         1.3) A má-fé da instituição escolar

         1.4) “Fazer viver e deixar morrer”: A má-fé da saúde pública no Brasil

         1.5) As políticas de saúde do Estado e a formação do SUS

         1.6) Aqueles que deixamos morrer

         1.7) O SUS na prática

         1.8) A má-fé da justiça

         1.9) A luta de classes a portas fechadas

         1.10) A teoria que “faz a cabeça” da ala conservadora da magistratura brasileira.

         1.11) Por que a pena alternativa não é uma alternativa.

         1.12) O habitus como fator criminógeno

         1.13) O Estado da Sociedade

    Considero “A ralé brasileira: quem é e como vive” um livro de leitura obrigatória para aqueles interessados em compreender o Brasil contemporâneo, sobretudo a sociedade observada na era dos governos populares e democráticos neste início do século XXI (2003-2014). O livro pode ser baixado em amazonia.fiocruz.br/arquivos/category/83-2013-09-17-09-20-37?download…

    Mas peço aos interessados que adquiram um exemplar do mesmo, em respeito ao trabalho do autor e dos colaboradores

     

  4. Anomalia histórica

    Outro dia, exatamente dia 15 de setembro, encontro um amigo durante o ato de apoio ao Lula, em frente ao Hotel Jaraguá, e esse amigo diz que os 13 anos de governos do PT não passaram de um período de anomalia, o nosso normal e este que estamos vivendo, a era FHC, etc. Uma anomalia histórica, portanto. 

    1. anomalia….

      Concordo em grande parte com a idéia de sermos um país no qual a mordaça faz parte da história nacional. Mas como afirma o texto, ela é nacional, é nossa, faz parte do consciente coletivo brasileiro.  30 anos de uma nova Constituição, escrita na maciça maioria por gente que se dizia democrata, progressista, socialista, ou seja nossa elite, não alterou em nada esta realidade. 2016 esta aí para quem quer enxergar. Voto obrigatório, rarissimos referendos e plebiscitos. Quando realizados, não acatados.

  5. perfeito!

    Exatamente.

    Em 2002 ensaiamos um projeto de inserção do Brasil nas ditas sociais-democracias (eu costumo dizer que foi de facto a revolução burguesa no Brasil), porem as elites fizeram a contra-revolução nos fazendo retroagir para o status quo.

  6. De acordo com um graúdo empresário brasileiro…

    Logo após a última eleição e posse dos atuais congressistas ele disse: “esse é o melhor congresso que poderíamos ter comprado”. Dou um doce para quem adivinhar o nome do camarada…

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