Economia brasileira em sete pecados capitais: inveja, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

De uma certa forma, a inveja é complementar à gula, pois, enquanto a primeira se inquieta pelo que o outro tem e não se pode ter, a segunda leva a tomar à força o que não se consegue por meios próprios.

Economia brasileira em sete pecados capitais: inveja.

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Anos atrás, estava em  Minas, conversando com um grande agricultor, cliente meu de consultoria, quando ele me disse algo que calou fundo na minha alma de economista:

– Quando a gente tem uma frustração de safras, nossos vizinhos dizem “Que pena!” mas o brilho de felicidade nos olhos deles diz exatamente o contrário.

A visão torpe, metida a capitalista, nos ensina que, se nosso vizinho não produz, eu posso vender mais caro os meus produtos e isso nos leva a viver sempre tensos.

Em Tocantins, conversando com um cliente goiano, ouvi que a ida dos gaúchos para Araguaína mudou o comportamento geral. É que em vez de dizer que “Meu trator está quebrado” para não emprestar, os gaúchos oferecem os seus com operador e tudo. Talvez, seja por ter aberto suas terras a golpes de facão, seja por depender de si mesmo para evitar a invasão de suas propriedades o produtor tradicional seja criado a ver o vizinho como ameaça. Não se dispõe a colaborar. Os produtores do sul chegaram ao Brasil já com terras delimitadas, como em “Um Quarto de Légua em Quadro” de Luiz Antônio de Assis Brasil. Talvez isso tenha desenvolvido a cooperação para garantira posse das glebas que os imigrantes receberam ao chegar. Prova disso é que 80% da produção cooperada encontram-se nos três estados da Região Sul. Os 20% restantes, quando bem-sucedidos, pertencem a instituições fundadas por produtores oriundos daquela região. Os motivos históricos e sociológicos vêm sendo estudados há anos, mas montar um modelo econômico que explique a inveja como obstáculo para o desenvolvimento não parece ter tido a mesma atenção.

 Aí, minha alma de economista começou a entender por que John Nash[1] foi à loucura, pois ele queria entender o motivo de as pessoas hora cooperarem, hora se digladiarem. Ele não inventou o dilema do prisioneiro, citado no início de sua tese de doutorado. Ele só tentou caracterizar modelos para estimar o comportamento do ser humano perante seus dilemas e a Economia, como ciência das opções, depara-se com isso cotidianamente. Quem sabe, tenha-lhe faltado introduzir uma variável de difícil quantificação, a inveja.

Se definirmos a inveja como a contrariedade por não aceitar que outro tenha algo que não se possa ter, é justamente poder ou não ter que determina se haverá colaboração ou disputa. De uma certa forma, a inveja é complementar à gula, pois, enquanto a primeira se inquieta pelo que o outro tem e não se pode ter, a segunda leva a tomar à força o que não se consegue por meios próprios. A inveja não quer o progresso do outro, ela está na raiz do conservadorismo, na constituição de cartéis como o do transporte coletivo, urbano ou interestadual, pelo lado dos empresários; ou da obrigação de manterem-se frentistas nos postos de combustível, pelo lado dos trabalhadores. Portanto, há de ser o maior entrave para a implantação de um capitalismo saudável no Brasil, mantendo-se uma estrutura quase feudal, em que os grupos dependem de um rei, que hierarquize o poder dos agentes econômicos para mitigar os conflitos.

A economia não prospera se “Ao vencedor, as batatas”[2]. Ela precisa  de um mediador que, senão induzir a cooperação, pelo menos mitigue os conflitos, trazendo a inveja para níveis civilizados. É para isso que serve o Estado. Provavelmente, a sua participação na economia seja função direta do nível de inveja entre os agentes econômicos, mitigando a selvageria na concorrência e nas relações de trabalho.        


[1] Principal estudioso da teoria dos Jogos, que foi vítima de paranoia.

[2] Retirado de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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