Jair Bolsonaro coloca em risco a saúde dos brasileiros e da democracia, no NYTimes

O presidente enfrenta esta emergência sanitária no pior cenário possível: com uma crise política e um choque econômico no horizonte. O que está em jogo no Brasil com esta emergência não é apenas a vida dos seus habitantes, mas também das suas instituições.

Por Gaspard Estrada

PARIS — A pandemia do coronavírus está trastornando o mundo. No Brasil, tudo indica que a crise sanitária terá consequências devastadoras. Em vista disso, parece indispensável que o governo tome medidas de emergência para evitar que a COVID-19 se torne também uma hecatombe econômica, social e política.

O governo de Jair Bolsonaro, no entanto, não está enveredando por esse caminho. Em vez de estar no Twitter, o presidente deveria estar lidando com o enorme desafio de saúde que seu país enfrenta.

O capitão reformado do exército não assumiu o papel de chefe de Estado diante de uma emergência e, em vez de dialogar com a oposição para enfrentar juntos a crise sanitária, decidiu continuar seus ataques cotidianos às instituições democráticas do Brasil, à esquerda e a todos aqueles que discordam dele. A sua decisão de apoiar uma série de manifestações a favor do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal — violando a quarentena a que estava confinado por recomendação médica — provocou repúdio social.

Pelo oitavo dia consecutivo, muitos cidadãos começaram a pedir a sua demissão batendo panelas das suas varandas. E essa ideia também começou a assombrar a classe política: três pedidos para a sua destituição foram formalmente apresentados à Câmara dos Deputados.

Ele não seria o primeiro presidente a se ver diante de um julgamento político no Brasil. Desde o retorno da democracia na década de 1980, dois dos cinco presidentes eleitos foram destituídos do cargo. Hoje, os fantasmas do impeachment voltaram ao país.

Bolsonaro enfrenta a pior crise de saúde moderna do Brasil em uma situação adversa: no isolamento político. Líderes do Congresso, membros do Supremo Tribunal Federal e vários governadores estão em permanente tensão com seu governo. E na terça-feira, 24 de março, após seu pronunciamento em rede nacional, o presidente agravou ainda mais a precariedade da sua situação no Palácio do Planalto. Em sua mensagem à nação, ele manteve sua posição de confronto político e de negação das evidências científicas (o coronavírus é, em suas palavras, uma “gripezinha”). As consequências são graves: a crise sanitária e o choque econômico iminentes podem se transformar numa crise política cujos efeitos mais profundos serão sentidos não só pelo governo Bolsonaro, mas — sobretudo — pela combalida democracia brasileira.

Após um ano no cargo, parece que Bolsonaro descartou a idéia de construir uma maioria política no Congresso. Alguns dos grupos que têm apoiado seu governo – a comunidade empresarial, o setor agro-exportador, as igrejas evangélicas e os militares e policiais – já começaram a enviar sinais de distanciamento. Para uns, porque as suas prioridades já foram contempladas, tais como a reforma da previdência ou a liberação de mais pesticidas. Para outros, porque o confronto permanente do presidente para satisfazer seus seguidores começa a prejudicar seus interesses: os ataques à China (principal parceiro comercial do Brasil) vindos de Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, e de Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores, despertaram a raiva de parte do setor agro-exportador.

Bolsonaro não está sofrendo só na frente política. A economia é outro fator de preocupação. A chegada da COVID-19 se traduzirá invariavelmente numa queda significativa na atividade produtiva. As prescrições neoliberais de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, não tiveram qualquer efeito e não preparam o terreno para a próxima recessão econômica (o Brasil terá uma queda no PIB de pelo menos 4 por cento este ano, de acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas). Acrescente-se a isso o fato de que o sistema de saúde pública necessitará de um apoio extraordinário para não colapsar. Fica claro que Bolsonaro enfrentará uma situação econômica e social explosiva nos próximos meses.

Diante deste cenário potencialmente catastrófico, o Brasil causa preocupação. Alguns líderes autoritários no mundo — da Rússia à Arábia Saudita — aproveitaram a emergência para expandir seus poderes. Os brasileiros precisam estar atentos: para mantê-lo a salvo do impeachment, Bolsonaro poderia dar um nocaute na frágil democracia brasileira. O que está em jogo no Brasil com esta emergência não é apenas a saúde dos seus habitantes, mas a saúde da sua democracia.

Para lidar com a COVID-19, será necessário que o governo tome medidas drásticas que sigam as recomendações das autoridades sanitárias mundiais. E para que estas decisões sejam tomadas pela maioria da população, a construção de consensos é indispensável. No entanto, é difícil acreditar que isso vai acontecer: o presidente ignorou as recomendações médicas de seu próprio governo, sabotou as ações de seu ministro da Saúde e apoia teorias conspiratórias sobre o coronavírus.

O fator preocupante é que se ele perder o apoio da maioria dos setores que o apoiam, Bolsonaro poderá ser tentado a aproveitar esta crise para implementar uma agenda autoritária que restringiria a democracia brasileira. E parece que já começou: no dia 23 de março, Bolsonaro revogou de fato, por medida provisória, a lei de acesso à informação pública.

Portanto, o papel dos outros poderes, da oposição e da sociedade civil é mais importante do que nunca, não só para controlar as medidas implementadas pelo governo durante esta crise, mas também para denunciar possíveis ataques do governo contra as frágeis instituições brasileiras. O exército, talvez o principal aliado de Bolsonaro, deve ser observado com atenção, especialmente se for ordenado a fazer um trabalho de controle social sob o pretexto de controlar a propagação do coronavírus.

Se ele quisesse garantir seu respeito pelas instituições democráticas, Jair deveria romper com Bolsonaro. Em vez de ouvir o clã da família e o chamado ‘gabinete do ódio’, que fizeram do Twitter a principal ferramenta de direção do governo, o presidente brasileiro deveria dar seu total apoio aos cientistas para enfrentar o COVID-19. Além disso, teria que deixar de lado a política que favorece a economia sobre a saúde a todo custo e financiar programas sociais de longo alcance para ajudar os milhões de trabalhadores formais e informais que serão afetados pela pandemia.

Finalmente, ele teria que parar de atacar seus adversários (e até mesmo seus aliados) e entender que o Brasil tem que ser governado para todos, e não apenas para sua militância virtual fanática. Mas lendo suas declarações do dia 25 de março, tudo indica que, interessado em permanecer no poder, Bolsonaro poderia provocar uma ruptura institucional cujas consequências poderiam ser dramáticas para o Brasil e a América Latina.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Eleitores de Bolsonaro conseguiram algo assustador…
    se considerarmos todos os critérios de avaliação, incluindo propósitos políticos, de preservação da vida e propósitos mercantis, acredito que já podemos dizer que conseguiram eleger um cara 100% genocida

    mas como todo genocida só é genocida se houver milhares de mortos,
    devemos aguardar para confirmar(?)

    FIQUEM EM CASA

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