Chile quer desprivatizar água, permitir aborto e dar voz a índigenas na Constituição

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Em entrevista exclusiva ao GGN, constituinte ligada a povos indígenas e feminista narra avanços da Constituição do Chile

Marcha por los Pueblos Originarios 2019 – Foto: Agência UNO

O Chile é o único país do mundo que privatizou a água. É também território de povos originários, que viram seu espaço e voz esmagados pelo modelo neoliberal implementado na ditadura, e de mulheres combativas, que buscam alçar o direito ao próprio corpo.

Passados 40 anos, todos estes pontos se aproximam de históricas mudanças. Uma das vozes deste processo é Manuela Royo, historiadora, advogada e política chilena, ligada a reinvidicações dos povos Mapuches, meio ambiente e feminista.

Royo é uma das constituintes que escrevem agora a nova Constituição do Chile, após um longo processo de luta social que marcou o país em 2019. Ligada a movimentos de defesa do meio ambiente, da água e dos povos originários – os Mapuches, no Chile -, explicou ao repórter Victor Farinelli, em entrevista ao GGN, como avança a nova Carta que conduzirá o país da América Latina.

Entre as destacadas mudanças, a definição do Estado Pluninacional, trazendo para o centro político os povos originários. “Também foram realizadas diversas aprovações sobre artigos que se referem a direitos dos povos indígenas em particular, como culturais, vinculados às línguas indígenas, sobre a importância da integração plurinacional e das cotas dentro do sistema político, a existência das autonomias territoriais indígenas”, contou.

Sobre mulheres, o direito ao aborto é mais um avanço obtido pela Assembleia Constituinte chilena. Para Royo, a mudança foi “histórica”. “Muito importante o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos, considerando que, no Chile, o aborto ainda é criminalizado. Isso continua sendo uma realidade até hoje.”

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Na introdução neoliberal do país nos anos 70 e 80, durante a implementação das privatizações trazidas com os “Chicago Boys” na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), um dos maiores bens públicos – a água – virou mercado e foi privatizada no país.

“No Chile, atualmente, ainda está vigente em nosso país a Constituição de 1980, que foi uma constituição promulgada pela ditadura (de Pinochet) e que estabelece, em seu artigo 19, número 24, inciso 11, que, a respeito da água, existem direitos de propriedade. Isso significou que o Código de Águas de 1981 permitiu ao Estado entregar direitos de aproveitamento de água a particulares de forma gratuita e perpétua, e eles vêm lucrando com isso durante todos esses anos. O Chile é o único país do mundo onde a água é um bem privado e, portanto, atualmente na Constituinte, nós temos um mandato, temos uma missão concreta que tem a ver com fazer com que a desprivatização da água seja uma realidade”, relatou.

Sendo ponto-chave da discussão atual para derrubar a Constituição pinochetista, vigente até então, os constituintes do país buscam enterrar esse conceito de hidropolítica neoliberal.

“Temos avançado significativamente, por um lado, no reconhecimento do direito humano à água, e do saneamento como um direito fundamental. Em segundo lugar, por estabelecer a água como um bem comum inapropriável, a respeito do qual não pode existir propriedade privada, e que o Estado, a partir da própria institucionalidade, é quem vai distribuir os direitos de uso, tendo como prioridade os direitos das pessoas, as funções ecossistêmicas, os direitos das comunidades, e só depois de se satisfazer todas essas demandas poderá haver utilização da água para fins econômicos”, explicou.

Estes e outros temas podem ser acompanhados na íntegra da entrevista, concedida a Victor Farinelli, à TV GGN:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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