Petro volta a denunciar tentativa de golpe depois de abertura de processo em órgão eleitoral

Conselho apura gastos da campanha eleitoral, mas não tem competência para julgar um presidente em exercício

Presidente da Colômbia, Gustavo Petro. | Foto: Alexa Rochi/Presidência da Colômbia via Flickr

do Brasil de Fato

Petro volta a denunciar tentativa de golpe depois de abertura de processo em órgão eleitoral

por Lorenzo Santiago, de Caracas (Venezuela) 

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, voltou a denunciar nesta quinta-feira (12) a tentativa de um golpe de Estado no país. Dessa vez, o caso envolve a investigação do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) sobre o financiamento de sua campanha presidencial, em 2022. Segundo o mandatário, “cada passo dado contra o presidente no Conselho Eleitoral constrói um golpe de Estado”.

investigação afirma que Petro teria extrapolado o limite de gastos para a disputa presidencial em mais de 5,3 bilhões de pesos (R$ 7 milhões aproximadamente). O órgão afirma também que a Federação Colombiana de Educadores (Fecode) fez doações para a campanha, algo que é proibido pela lei eleitoral do país. Petro contesta a legalidade dessas investigações.

Segundo a Constituição colombiana, a única instituição que pode abrir uma investigação contra um presidente da República é a Comissão de Investigação e Acusação da Câmara dos Deputados. O CNE é um órgão administrativo e pode investigar campanhas eleitorais. No entanto, o resultado dessas investigações não pode recair sobre um presidente em exercício, mas sobre o partido político do mandatário e organizadores da campanha.

“Querem dizer aos colombianos que o presidente violou a lei, e não a violou, para produzir um processo político de impeachment do presidente na Comissão da Câmara. Muito dinheiro está sendo perdido com isso. Eles estão reclamando da Venezuela? Na Colômbia, avança um golpe de Estado contra o presidente”, afirmou Petro em pronunciamento.

A investigação se dá em torno da Sociedade Aérea de Ibagué (SADI), que teria recebido 4 bilhões de pesos (R$ 5,3 milhões), da União Sindical Obrera (USO), por 600 milhões de pesos (R$ 800 mil), e mais 500 milhões (R$ 660 mil) da Federação Colombiana de Educadores (Fecode).

Petro já havia se defendido e afirmou que despesas feitas após a eleição foram incluídas na investigação como sendo parte da campanha. “Você pode observar que as doações a partidos se tornaram irregulares mesmo quando são permitidas por lei e que supostas despesas após o término da campanha eleitoral são apresentadas como se estivessem dentro da campanha”, disse o mandatário colombiano.

Mas se a investigação sobre a campanha eleitoral busca cozinhar em banho-maria uma tentativa de cassar o presidente, a última semana foi marcada também por uma ação direta para desestabilizar o mandato de Petro. O governo enfrentou uma greve de caminhoneiros, que foi coordenada por donos de empresas, contra o aumento do preço do diesel em 2.000 pesos (R$ 2,64 na cotação atual).

Depois de quatro dias de negociação, o governo concordou em aumentar o preço do diesel em somente 800 pesos (R$ 1,06). Petro conseguiu, por meio de uma negociação direta com os motoristas, colocar fim a uma greve em um tempo recorde para o histórico recente do país. Em 2016, uma paralisação de caminhoneiros durou 40 dias e teve 2 mortos e 100 feridos. Já em 2019, uma greve geral durou três meses, levou a 80 mortes e desestabilizou o governo do direitista Ivan Duque.

Petro também comparou a sua situação com a do ex-presidente chileno Salvador Allende, que enfrentou em 1972 uma greve patronal que paralisou caminhoneiros e prejudicou o abastecimento no país.

A paralisação de caminhoneiros colombianos já havia sido ensaiada há um mês, no estado de Cauca, no sul do país. Em menor escala, caminhoneiros pediam melhores condições nas rodovias e paralisaram a estrada panamericana para tentar ganhar apoio, mas foram desmobilizados.

Segundo o cientista político colombiano Alberto Villa, as paralisações têm como pano de fundo uma posição contra o projeto político de Gustavo Petro.

“A Colômbia tem uma história muito particular com a disputa de poder que sempre foi monopolizada por grupos ligados à direita. O presidente tenta colocar reformas que são contrárias aos interesses desses grupos e isso gera um grande tensionamento nesses setores, que passam a se organizar de diferentes maneiras. Tanto a greve dos caminhoneiros quanto a investigação no CNE fazem parte desse contexto”, disse ao Brasil de Fato.

Investigação imparcial?

De acordo com Villa, há outro fator que coloca em xeque as investigações do CNE sobre o financiamento de campanha. A apuração é conduzida por dois magistrados do CNE que são próximos ao ex-presidente Álvaro Uribe. Benjamin Ortiz é um deles e foi indicado pelo Partido Liberal, grupo de centro-direita da Colômbia.

O outro é o juiz Álvaro Hernán Prada, que tem uma relação mais próxima a Uribe. Além de ter sido congressista pelo Centro Democrático, partido do ex-presidente, o magistrado é acusado de ser cúmplice de suborno em processos penais juntamente com Uribe. Os dois estão sendo investigados de maneira conjunta.

Petro contestou a abertura das investigações no CNE e a imparcialidade de Prada. “Este homem simplesmente não tem autoridade para me julgar, porque se considera meu inimigo político”, afirmou.

Para Villa, o CNE, além de não ter bases legais para investigar um presidente, ainda interfere no clima político do país.

“Isso cria um ambiente de tensão política, porque afeta as pesquisas de opinião, afeta a percepção da população em troca de uma pressão política. É mais um lawfare latinoamericano, como o que passou Dilma [Rousseff] no Brasil e Cristina Kirchner na Argentina. Uma ação judicial que acaba tendo uma roupagem de legalidade”, afirmou.

Acusações de Petro

Desde que assumiu em 2022, Petro já denunciou diversas vezes tentativas de golpe ou desestabilização de seu governo. Em março de 2023, John Marulanda, ex-diretor da Associação de Oficiais Reformados das Forças Militares da Colômbia, disse em uma entrevista que faria “de tudo para destituir um sujeito que foi guerrilheiro” e insinuou que o país deveria seguir o exemplo do Peru, onde o então presidente Pedro Castillo fora afastado do poder.

Petro respondeu: chamou o caso de tentativa de golpe de Estado e pediu investigação.

Em junho, Petro exigiu a renúncia de sua então chefe de Gabinete, Laura Sarabia, e do embaixador colombiano na Venezuela, Armando Benedetti, em meio a ameaças trocadas por ambos que envolviam supostas escutas telefônicas, roubo de dólares e doações de campanha. O presidente colombiano chamou o episódio de “golpe suave para interromper a luta contra a impunidade”.

No mesmo mês, intelectuais e líderes políticos de 20 países assinaram uma carta denunciando a tentativa de congressistas de sabotar o governo barrando reformas propostas pelo presidente, como a da saúde, a trabalhista e a da previdência. Eles também classificaram esse movimento como “golpe suave”. Petro havia rompido com três partidos de direita que compunham sua coalizão após enfrentar essas travas no Congresso. A decisão levou a uma reformulação ministerial e perda de interlocução com setores de centro e de direita no Legislativo. O presidente, então, convocou manifestações em apoio às reformas e uma “mobilização permanente” da sociedade.

Em fevereiro de 2024, o presidente disse que o Ministério Público do país tentava derrubar seu governo “pelas vias judiciais”. Naquele período, ele e o procurador-geral colombiano, Francisco Barbosa, estavam travando uma batalha judicial que envolvia acusações contra o então ministro das Relações Exteriores, Alvaro Leyva, por cancelar uma licitação para escolher a empresa que emitiria os passaportes colombianos, e a própria investigação contra as doações da Fecode.

Edição: Nicolau Soares

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