A liberdade sexual em “Hit Me Hard and Soft” de Billie Eilish, por Bruno Alcebino da Silva

Este ensaio pretende explorar como Eilish utiliza sua música para discutir a liberdade sexual, relacionando-a com Marcuse e Freud

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A liberdade sexual em “Hit Me Hard and Soft” de Billie Eilish

por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

Billie Eilish, a artista prodígio que emergiu no cenário musical como um furacão, continua a surpreender com seu terceiro álbum, “Hit Me Hard and Soft”. Este trabalho não só destaca seu crescimento pessoal e artístico, mas também celebra abertamente a liberdade sexual, um tema central que reverbera em suas letras e melodias. É uma obra que pulsa com a crueza e a sinceridade de quem decidiu deixar para trás qualquer vestígio de personagem. Billie, agora mais autêntica e desinibida, explora o desejo e a paixão sob uma ótica que é ao mesmo tempo vulnerável e poderosa.

Este ensaio pretende explorar como Eilish utiliza sua música para discutir a liberdade sexual, relacionando-a com as teorias de Herbert Marcuse e Sigmund Freud, além de dialogar com os pensamentos de Nancy Fraser e Judith Butler sobre a construção social da sexualidade.

O álbum inicia sua jornada com “Skinny”, uma faixa melancólica que expõe as pressões estéticas da indústria do entretenimento. Billie lamenta a superficialidade das aparências com sua voz característica, que mistura sussurros e tons tristonhos, criando uma atmosfera de introspecção profunda. “People say I look happy/Just because I got skinny”, canta ela, desmontando o mito de que a conformidade física traz felicidade.

Logo em seguida, “Lunch” irrompe com uma vibração totalmente distinta. A canção é um hino despretensioso e provocativo sobre o prazer e a liberdade sexual, onde Billie compara o ato de se deliciar com mulheres a um almoço apetitoso. Os gemidos que encerram a faixa adicionam um toque de audácia e autenticidade, marcando uma das passagens mais memoráveis do álbum. Aqui, Billie celebra o desejo lésbico de forma explícita, oferecendo uma representação poderosa e necessária para muitas jovens.

Esta narrativa de dualidade — o soco forte e depois o toque suave — é o que dá ao álbum seu título evocativo. A transição de “Skinny” para “Lunch” exemplifica essa dinâmica, mostrando como Billie navega entre a vulnerabilidade e a confiança.

À medida que o álbum avança, Billie continua a explorar o amor e a dor com a mesma intensidade. Em “The Greatest”, ela questiona a validade de seus esforços românticos, enquanto “Birds of a Feather” pinta um retrato apaixonado de um amor que ela deseja viver até o fim dos tempos. Essas faixas ressoam com a angústia e a esperança que permeiam muitos dos trabalhos anteriores de Billie, mas agora com uma maturidade e uma clareza renovadas.

A faixa final “Blue”, uma das composições marcantes do álbum mergulha em uma jornada de autorreflexão e autodescoberta, permeada por uma melodia etérea e letras que ecoam temas recorrentes ao longo do álbum. A frase “I’m trying my best”, que ressoa também em “The Greatest”, torna-se um mantra, uma expressão da luta constante da artista para encontrar seu lugar no mundo, para entender suas próprias emoções e experiências.

Além disso, a música revela uma teia intrincada de referências cruzadas com outras faixas do álbum. Versos como “Don’t know what’s in store, open up the door”, “In the back of my mind” e “I’m still overseas” evocam memórias líricas de composições anteriores, como “Chihiro”, “Wildflower” e “Bittersuite”, criando uma narrativa coesa que se desdobra ao longo do disco.

Musicalmente, “Hit Me Hard and Soft” é uma tapeçaria rica de melodias e distorções, fiel ao estilo não linear que Billie e Finneas (seu irmão e produtor) cultivaram. A produção sofisticada desafia as convenções da música pop, oferecendo surpresas auditivas que mantêm os ouvintes constantemente atentos e envolvidos. Esta ousadia sonora reflete a evolução artística de Billie, que não teme experimentar e inovar.

Liricamente, Billie se afasta da narrativa heteronormativa dominante, oferecendo uma voz autêntica e representativa para a comunidade LGBTQIA+. Sua coragem em abordar abertamente sua sexualidade e desejos é um marco importante, proporcionando uma representatividade raramente vista na música pop mainstream.

Este álbum, em última análise, é um testemunho da jornada pessoal e artística de Billie Eilish. Ele celebra a liberdade, a descoberta e o poder de ser verdadeira consigo mesma. Cada faixa é um capítulo dessa narrativa rica e multifacetada, convidando os ouvintes a explorar a profundidade das emoções e experiências que compõem o mosaico da vida de Billie. Com “Hit Me Hard and Soft”, Billie Eilish nos oferece uma obra-prima poética e visceral, um reflexo brilhante e audaz de sua alma.

A perspectiva de Freud e Marcuse

O psicanalista Sigmund Freud, em sua obra Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), propôs que a sexualidade humana é inerentemente fluida e multifacetada. Freud argumenta que o desenvolvimento da sexualidade não é linear e que as pulsões sexuais podem se manifestar de diversas maneiras ao longo da vida. Billie Eilish, ao falar abertamente sobre sua atração por mulheres, exemplifica esta fluidez sexual, desafiando as normas heteronormativas que tradicionalmente dominam a sociedade.

O filósofo frankfurtiano Herbert Marcuse, em Eros e Civilização (1955), expande as ideias freudianas, sugerindo que a repressão sexual é um instrumento de controle social. Marcuse propõe a liberação das pulsões eróticas como um caminho para a verdadeira liberdade e individualidade. A música de Eilish, particularmente em seu novo álbum, pode ser vista como um ato de resistência contra essa repressão. Ao cantar sobre seus desejos e experiências de maneira tão explícita, ela reivindica sua autonomia sexual e desafia as normas repressivas da sociedade contemporânea.

Nancy Fraser e Judith Butler: desconstruindo a sexualidade

A filósofa americana Nancy Fraser, em seus estudos sobre justiça e reconhecimento (1997), destaca a importância de se dar voz às experiências marginalizadas. Billie Eilish, ao abordar abertamente sua sexualidade, proporciona uma plataforma para a visibilidade lésbica no mainstream da música pop. Ela não apenas desafia a invisibilidade das experiências queer, mas também convida seus ouvintes a refletirem sobre suas próprias noções de sexualidade e identidade.

A teórica Judith Butler, em Problemas de Gênero (1990), argumenta que o gênero é uma performance, uma construção social repetitiva. Butler sugere que a subversão das normas de gênero e sexualidade pode desestabilizar as estruturas de poder estabelecidas. Eilish, com sua apresentação visual andrógina e suas letras explícitas sobre o desejo lésbico, encarna esta subversão. Ela não apenas desafia as expectativas de gênero, mas também redefine o que significa ser uma artista pop feminina no século XXI.

A subversão pop

O novo álbum de Billie Eilish, é um testemunho poderoso de liberdade sexual e autoaceitação. Através de suas letras audaciosas e melancólicas, Eilish convida seus ouvintes a refletirem sobre suas próprias sexualidades e a questionarem as normas repressivas que a sociedade impõe. Utilizando as lentes teóricas de Freud, Marcuse, Fraser e Butler, podemos ver como Eilish não apenas celebra a liberdade sexual, mas também desafia as estruturas de poder que buscam controlar e definir a expressão sexual.

Em um mundo onde a repressão sexual ainda é uma realidade para muitos, a obra de Billie Eilish é um farol de esperança e um chamado à ação. Sua música nos lembra da importância da autenticidade, da visibilidade e da resistência.

Referências bibliográficas:

BUTLER, Judith: Gender Trouble: feminism and the fusion of identity. New York, Routledge, Champman & Hall, 1990.

FRASER, Nancy. Justice Interruptus: Critical Reflections on the “PostsocialistCondition. New York: Routledge, 1997.

FREUD, Sigmund. Trois essais sur la théorie de la sexualité. Paris, Gallimard, 1987 (1905).

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: LTC – livros técnicos e científicos editora S.A, 1999 (1955).

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