Na reta final das eleições, deep fakes e a reação da imprensa, por Marisa von Bülow, Eliara Santana e Thayla Souza

O fundamental é entender que esse vídeo é parte de uma estratégia coordenada de construção de um caos informacional

do Observatório das Eleições

Na reta final das eleições, deep fakes e a reação da imprensa

por Marisa von Bülow, Eliara Santana e Thayla Souza

Na semana que passou, a viralização do trecho de uma reportagem do Jornal Nacional com dados recentes da pesquisa Ipec causou grande furor e aumentou ainda mais a tensão eleitoral da reta final. A reportagem mostrava, pela voz do âncora William Bonner, que o candidato Jair Bolsonaro estava à frente do candidato Lula. Mas o vídeo era falso, e as vozes dos apresentadores Bonner e Renata Vasconcellos haviam sido adulteradas para apresentar dados falsos da também falsa pesquisa eleitoral. O potencial de estrago em termos de desinformação era grande, mas parece que os efeitos foram contrários – o vídeo gerou fortes reações negativas de amplos setores políticos e da imprensa.

Há polêmica se o vídeo é mesmo um exemplo de deep fake ou se seria apenas shallow fake (uma versão menos sofisticada), mas, no fundo, isso não é o importante. O fundamental é entender que esse vídeo é parte de uma estratégia coordenada de construção de um caos informacional, que tem no anonimato e na capilaridade das redes sociais seus principais trunfos, e que vai ser ainda mais agressiva à medida que chegamos perto do dia da eleição.

Para entender melhor qual foi o impacto da repercussão do vídeo, fizemos uma análise do debate sobre le no Twitter, entre os dias 19 e 20 de setembro. Devido à presença dos principais atores do mundo da política e da mídia, o Twitter é uma plataforma que permite tomar o pulso dos debates e das narrativas utilizadas. E também dos silêncios.

Apesar de os internautas no Twitter terem marcado as contas do presidente Bolsonaro e de seus filhos em várias das mensagens da nossa base, nosso monitoramento mostra que não houve uma participação expressiva desses atores no debate. A conta oficial de Carlos Bolsonaro no Twitter, por exemplo, não publicou comentários sobre o tema (até o momento de fechamento deste artigo). No dia 20 de setembro, Flávio Bolsonaro bateu na tecla da fraude nas pesquisas, tuitando:

O ex-presidiário não enche um botequim, mas para o DataFolha e o Ibope (Ipec) o ladrão está liderando em todos os cenários.

A verdadeira pesquisa é o DATAPOVO! Essa não falhou em 2018 e não vai falhar em 2022!!

1º turno!!!! https://t.co/saI2w3kV7Z

Por outro lado, alguns defensores do presidente e candidato se mobilizaram publicando respostas na página do Jornal Nacional no Twitter. Duas foram as narrativas mais comuns. A primeira buscou atacar a credibilidade da Rede Globo de forma geral, sem entrar no mérito do caso específico: Deepfake é o que a Globo demonstra todos os dias, não precisam adulterar nada, tuitou um apoiador do presidente. A segunda narrativa buscou aprofundar ainda mais o clima de desconfiança ao jogar as suspeitas da autoria do vídeo para os apoiadores ou para a própria campanha de Lula.

A imprensa contra-ataca

O debate no Twitter foi dominado por mensagens críticas à desinformação, vinculando a deep fake diretamente à campanha bolsonarista. O grafo apresentado abaixo traz a visualização do comportamento dos atores, a partir do reencaminhamento de mensagens entre eles. Os maiores nós e de cor mais forte são aqueles responsáveis pelas postagens de maior disseminação na plataforma.

As cinco contas que tiveram suas mensagens mais reencaminhadas na rede são todas de jornalistas ou de organizações da mídia. O maior cluster se organiza em torno à conta do próprio Jornal Nacional, graças à ampla repercussão da publicação do vídeo desmentindo a deep fake, reencaminhada mais de 7 mil vezes. No dia 19 de setembro, o Jornal Nacional trouxe uma nota/matéria de mais de dois minutos que apontou o dedo e identificou a principal estratégia do bolsonarismo: a produção reiterada de fake news. Na matéria, William Bonner e Renata Vasconcellos enfatizaram que o vídeo fake que estava circulando tinha o objetivo claro de desinformar os eleitores e que era uma arma nova na guerra travada na internet nestas eleições. Foi de fato uma reação bem forte, que marcou um importante posicionamento do jornal, que não mediu palavras para apontar os responsáveis e ligar a produção de fake news a Jair Bolsonaro.

A publicação da resposta do Jornal Nacional repercutiu em destaque pelos usuários, sendo o conteúdo de maior replicação na plataforma durante o período monitorado. Outros atores da imprensa também foram centrais na rede mapeada, como as contas da Revista Fórum, do Intercept e de jornalistas como Vera Magalhães e Leandro Demori.

De forma geral, esses atores foram altamente críticos ao uso de estratégias de desinformação e mostraram preocupação com os possíveis impactos desse tipo de iniciativa. O tom das mensagens foi de alerta e preocupação com a integridade do processo eleitoral. A @revistaforum (438,1 mil seguidores) associou diretamente a utilização de deepfake à estratégia da campanha de Jair Bolsonaro, inclusive utilizando a expressão “fraude bolsonarista”. Segundo o site WFS News, que faz o monitoramento dos temas em destaque no Twitter (os chamados trending topics), a publicação da Revista Fórum, que aparece no nosso grafo, foi uma das mais populares.

Rede de Retuítes sobre a Deep Fake do Jornal Nacional (19 e 20 de setembro)

De fato, nem a escolha do conteúdo (o foco em pesquisas eleitorais) e nem dos atores (os âncoras do Jornal Nacional) foram aleatórias. O objetivo central da estratégia do caos informacional é semear desconfiança com relação ao processo eleitoral como um todo, seja lançando dúvidas sobre a lisura dos institutos de pesquisa, seja questionando a confiabilidade das urnas, da imprensa ou das autoridades eleitorais. Não importa tanto se os interlocutores acreditam ou não piamente no conteúdo encaminhado, contanto que se consiga semear a dúvida e causar controvérsia. Também não importa se o conteúdo é coerente com outras mensagens. Importa menos o teor, e mais o sentido político da mensagem. Paradoxalmente, a deep fake que se utilizou do Jornal Nacional é perfeitamente compatível com mensagens que questionam a lisura dos principais institutos de pesquisa e da Rede Globo. 

O que seria extremamente positivo e saudável – sem questionamento e crítica não há debate democrático – transforma-se em uma manipulação perversa, que dá margem não só ao crescimento da desconfiança, mas também à apatia política. Se o processo é corrompido, por que votar? E em quem, afinal, podemos acreditar?

Nota metodológica: A coleta de dados foi realizada entre os dias 19 e 20 de setembro de 2022. Foram coletadas publicações contendo o termo “deep fake” (e variações) em associação com o Jornal Nacional e seus respectivos âncoras. A extração das publicações se deu por meio da API oficial do Twitter. A base de dados contém 30.936 entradas, entre postagens únicas (1.267) e replicações de conteúdos sobre o tema.

Observatório das Eleições

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