O ridículo de minimizar a influência do petróleo no impeachment, por Luis Nassif

De repente, tornou-se de bom tom enquadrar as hipóteses no campo das teorias conspiratórias

Desde o impeachment, depois de mais de uma década de jornalismo de esgoto, parte da mídia decidiu retomar o modelo do liberal britânico, liberal nos costumes, conservador na economia, e dominando a temática das altas discussões europeias. E, numa reedição do pacto políticos dos anos 90, abrindo algum espaço para colunistas progressistas, mas que vêem o Brasil através das lentes britânicas.

Mostre indignação contida com mortes de lideranças camponesas e indígenas, assim como faria um liberal britânico. Mas não ouse defender o MST e formas de organização dos camponeses. Critique a concentração de renda, mas não ouse defender políticas fiscais ou econômicas que, reduzindo a concentração de renda, colidam com a ideologia de mercado. Ataque a especulação urbana, mas evite condenar a prisão de lideranças do MTSTC. Alerte para o fim do emprego, mas não defenda sindicatos e outras formas de organização dos trabalhadores que, segundo todos os estudos dos progressistas do norte, seriam fundamentais para reduzir o nível de corrosão dos direitos sociais básicos. Tudo isso ficou demodée.

Principalmente, esqueça a polarização política do período anterior, no qual a mídia ocupou papel de destaque como arauto da quebra dos princípios constitucionais e legais. Quando quiser lembrar a polarização, estabeleça um paralelismo qualquer da direita com a esquerda, como se a polarização anterior fosse de responsabilidade similar das duas, e a mídia apenas um espectador passivo.

Um dos temas preferidos para mostrar como somos britânicos modernos, antenados com os novos tempos, tem sido ironizar alguns dos temas que estavam no centro da polarização no período anterior. É o caso da influência norte-americana na Lava Jato e no impeachment, a partir do interesse no pré-sal.

De repente, tornou-se de bom tom enquadrar as hipóteses no campo das teorias conspiratórias. Quer ser um progressista moderno? Quando ouvir falar de influência americana na Lava Jato, faça um muxoxo, um ar blasé e decrete: “É ridículo”.

Décadas de trabalhos de grandes especialistas, como Moniz Bandeira ou José Luiz Fiori, décadas de estudos da geopolítica de segurança dos Estados Unidos, tudo é jogado no balaio das “teorias conspiratórias” e tratados com desdém, porque são temas “velhos”.

É o caso de um artigo recente, obra de um competente colunista de temas internacionais, em que aconselha que “para evitar o ridículo, a esquerda nacionalista terá de inventar outro motivo além do petróleo para explicar o intervencionismo norte-americano”.

Qual o motivo para tanta certeza, além da necessidade óbvia se distanciar da esquerda nacionalista? Ora, o advento da indústria do xisto americana. Segundo o colunista, o xisto decretou o fim da era do petróleo, logo a hipótese da intervenção americana – ocorrida antes da era do xisto! – seria uma tese ridícula.

Se é para malhar a “esquerda nacionalista”, poderia aproveitar o tema pré-sal para críticas consistentes contra o abandono das políticas de biocombustíveis, depois das descobertas do pré-sal. Mas ignorar retroativamente a importância do pré-sal e a vulnerabilidades energética norte-americana nos 2.010 é demais.

Em março de 2011, Dilma recebeu o presidente americano Barack Obama para um diálogo estratégico sobre energia. Assinado por ambos, o Diálogo Estratégico sobre Política Energética e a criação do Grupo Binacional de Trabalho Energético tinha como ponto central a próxima transformação do Brasil em um dos maiores produtores de petróleo do mundo, especialmente depois das descobertas do pré-sal.

Em março de 2009, durante visita a São Paulo, o Secretário de Estado Assistente para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, já declarava: “Estamos bastante interessados no petróleo e no gás brasileiro… é óbvio que quando o Brasil começar a explorar suas reservas e conhecer sua magnitude… nós estaremos muito interessados em continuar as conversações”.

A possibilidade de um fornecedor estável serviria para amenizar os riscos políticos sempre presentes no Oriente Médio e na Venezuela. Nem se entrou a fundo na questão do etanol, devido às tarifas americanas sobre a importação de etanol brasileiro.

Em 2008, data das primeiras descobertas do pré-sal, o xisto nem era realidade nos Estados Unidos. Mas a dependência do petróleo importado era assunto de tal relevância que levou o presidente Barack Obama a centrar toda a política pública, de recuperação da economia americana, no desenvolvimento de alternativas para o petróleo importado. Em 2013, depois da implantação do programa de Barack Obama, ainda havia dúvidas sobre o potencial do xisto, especialmente devido aos custos e problemas ambientais.

Mais que isso, os Estados Unidos permanecem grandes importadores de petróleo pesado. A Agência Internacional de Energia estima que, em 2030, as importações brutas de petróleo pesado pelos EUA sejam apenas um terço mais baixas do que em 2010.

Ou seja, no período mais candente de atuação da Lava Jato e das manifestações de rua – estimuladas por grupos diretamente formados nas escolas dos irmãos Kock, petroleiros -, o pré-sal estava no centro das atenções mundiais e, particularmente do Departamento de Estado norte-americano, um país cujo grosso das importações vinham de duas regiões conturbadas: Venezuela e Oriente Médio.

Ridículo é não explicar a razão de o pré-sal, sendo tão desinteressante, ter transformado a Petrobras em uma das empresas mais valiosas do planeta. Sua destruição não se deve a nenhum erro de visão estratégica, mas à sua utilização como barganha política, pelo governo Lula, sua desmoralização internacional pela Lava Jato e, principalmente, a certeza de que uma das primeiras medidas do pós-impeachment seria revogar a Lei da Partilha, e abortar as estratégias de crescimento da Petrobras.

Aliás, sugere-se a todos os bravos colunistas, que acham que conspiração da CIA é conto da Carochinha, que expliquem as espionagens da NSA, os alertas de Snowden, a parceria entre Departamento de Justiça e Lava Jato, os telegramas da Wikileaks sobre mudanças na lei do petróleo.

A situação do xisto evoluiu de lá para cá. Mas ainda hoje, sequer a Agência Internacional de Energia tem segurança sobre os rumos da indústria, em um mundo carente de energia, por um lado, e sujeito a restrições ambientais, por outro. Não há sequer garantias de que o notável crescimento da produção de xisto americano se mantenha.

O xisto é ameaçado por questão sociais e ambientais, com o nível de queima na Bacia de Permiano, as dificuldades de acesso a financiamentos acessíveis por parte de operadores.

A própria ONU já alertou para os possíveis efeitos da exploração de xisto para as metas ambientais.

Os volumes crescentes de comércio de combustíveis e os riscos geopolíticos crescentes acendem luz amarela sobre o fornecimento de petróleo. Até 2040, diz a Agência Internacional de Energia, quase 26 mb / d de petróleo passarão pelo Estreito de Malaca no cenário das políticas declaradas e cerca de 20 mb / d pelo Estreito de Ormuz. Qualquer impedimento às remessas pode restringir materialmente os mercados, segundo a Agência Internacional de Energia.

Em pleno 2019, é uma situação tão instável, que levou a AIE a traçar dois cenários totalmente distintos, um com base no quadro atual, outro na hipótese de acirramento das restrições ambientais. No primeiro caso, há um crescimento contínuo na demanda até pelo menos 2040.

Em todos os cenários, há o crescimento da população urbana da África, promovendo aumento no consumo global de energia.

Por tudo isso, diz a AIE,

“O uso de óleo em carros de passeio atinge o pico no final da década de 2020 e, durante a década de 2030, a demanda aumenta em apenas 0,1 mb / d em média a cada ano. (Mas) não há um pico definitivo no uso de petróleo em geral, pois há aumentos contínuos em petroquímicos, caminhões e nos setores de transporte e aviação”.

Há enormes alterações na civilização do petróleo, sim. Decretar o fim da era do petróleo e a inutilidade das descobertas do pré-sal, a partir de uma leve menção ao xisto, é um livre-pensar sem sentido. E tratar como teoria conspiratória o papel dos EUA no golpe, a partir dos interesses no pré-sal, um desrespeito a todos os estudiosos que se dedicam ao tema.

Há que se pesar melhor as palavras e os conceitos.

 

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Osório Silva Barbosa Sobrinho
    http://osoriobarbosa.com.br/index.php/ideia/curisidades/item/1574-dialogo-melio-por-tucidides

    Diálogo Mélio, por Tucídides.

    Em 416 a.C, durante a Guerra do Peloponeso, a ilha de Melos, recusou-se a aderir à confederação ateniense, como fizeram outras ilhas e por isso foi atacada pelo exército ateniense, depois de sitiada foi obrigada a se render. Todos os adultos do sexo masculino foram condenados à morte.

    Vejamos:
    “85. “já que nossas propostas não serão feitas diante do povo, para evitar que a maioria se deixe levar pelo efeito de um discurso seguido, ouvindo rapidamente argumentos sedutores sem poder replicar (percebemos que nos colocais diante de poucas pessoas com esta intenção), adotai, então, vós que estais sentados aqui, um procedimento ainda mais seguro: examinai cada tópico isoladamente, evitai, vós também, o sistema de um discurso seguido e, em relação às nossas afirmações que não vos pareçam satisfatórias, replicai imediatamente após haver formado o vosso julgamento. Dizei-nos primeiro se nossa proposta vos convém

    86. Os representantes dos mélios responderam: “A conveniência de podermos esclarecer-nos calmamente uns aos outros entre nós não inspira qualquer crítica, mas estes atos de guerra, presentes e não futuros, divergem manifestamente de vossa sugestão. Vemos, com efeito, que viestes para serdes vós mesmos os juízes do que devemos dizer, e o resultado do debate é evidente: se vencermos na discussão por ser justa a nossa causa, e então nos recusarmos a ceder, será a guerra para nós; se nos deixarmos convencer, será a servidão”.

    87. Atenienses: “Ora: se fordes levantar suspeitas, por conjecturas, a propósito do que poderá acontecer no futuro, ou se tendes outro propósito além de deliberar sobre a salvação de vossa cidade à luz dos fatos evidentes diante de vossos olhos, pararemos; se, ao contrário, este último é o vosso objetivo, falaremos”.

    88. Mélios: “É natural e perdoável em homens em nossa posição recorrer a muitos argumentos e suposições. Seja como for, o objetivo da presente reunião é a nossa salvação, e a discussão, se quiserdes, deverá prosseguir da maneira que propusestes”.

    89. Atenienses: “De nossa parte, então, não usaremos frases bonitas, dizendo que exercemos o direito de dominar porque derrotamos os persas434~ ou que estamos vindo contra vós porque fomos ofendidos, apresentando num longo discurso argumentos nada convincentes; não julgamos conveniente, tampouco, que afirmeis que não vos juntastes a nós na guerra por serdes colonos dos lacedemônios, ou que desejeis convencer-nos de que não nos ofendestes de forma alguma. Preferimos pensar que esperais obter o possível diante de nossos e vossos sentimentos reais, pois deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem”.

    90. Mélios: “De qualquer modo acreditamos ser conveniente (somos compelidos a falar em conveniência, pois estabelecestes o critério de deixar de lado o direito para falar de vantagens) que não elimineis o princípio do bem comum; deveis proporcionar sempre àqueles que estão em perigo o respeito normal aos seus direitos, pois ainda que seus argumentos não sejam ótimos, poderão ser de alguma utilidade para convencer-vos. Isto não vos interessa menos que a nós, poisse alguma vez sofrerdes um revés, incorrereis num castigo mais severo, pois alegarão contra vós o exemplo que vós mesmos destes”.

    91. Atenienses: “Quanto a nós e ao nosso império, ainda que ele deva cessar de existir não olhamos para esse ç aqueles que exercem o império sobre outros, como os lacedemônios também fazem (nosso debate agora não é sobre os lacedemônios), que agem com mais crueldade em relação aos vencidos; são povos dominados capazes de atacar e vencer os seus senhores se tiverem uma oportunidade. Deixai-nos correr o risco de agir assim. Mostraremos claramente que é para o beneficio de nosso império, e também para a salvação de vossa cidade, que estamos aqui dirigindo-vos a palavra, pois nosso desejo é manter o domínio sobre vós sem problemas para nós, e ver-vos a salvo para a vantagem de ambos os lados”.

    92. Mélios: “Mas que vantagem poderemos ter em ser escravos, em comparação com a vossa em dominar-nos?”

    93. Atenienses: “Ser-vos-ia vantajoso submeter-vos antes de terdes sofrido os mais terríveis males, e nós ganharíamos por não termos de vos destruir”.

    94. Mélios: “Então vós não consentiríeis em deixar-nos tranqüilos e em sermos amigos em vez de inimigos, sem nos aliarmos a qualquer dos lados?”

    95. Atenienses: “Não, pois vossa hostilidade não nos prejudicaria tanto quanto vossa amizade; com efeito, aos olhos de nossos súditos esta seria uma prova de nossa fraqueza, enquanto o vosso ódio é uma demonstração de nossa força”.

    96. Mélios . “A noção de vossos súditos quanto ao que é normal os leva a pôr na mesma categoria aqueles que nada significam para vós e aqueles que, sendo vossos próprios colonos na maioria dos casos, e em outros, súditos revoltados, foram reduzido à submissão?”

    97. Atenienses: “Quanto a pretensões a direitos, pensam que elas não faltam em qualquer dos dois casos, mas pensam também que aqueles que preservam a sua liberdade a devem à sua força e que não os atacamos por medo. Assim, para nada dizer quanto ao fato de aumentarmos o nosso império, trar-nos-íeis segurança graças à vossa submissão, especialmente se, como ilhéus e mais fracos que outros ilhéus, falhásseis na tentativa de mostrar-vos superiores aos senhores dos mares”.

    98. Mélios: “Mas não vedes segurança na outra alternativa?435 Aqui também nos cumpre, do mesmo modo que nos forçastes a abandonar a idéia de qualquer apelo à justiça e a tentar persuadir-nos de que devemos ater-nos aos vossos interesses, dizer-vos o que nos é vantajoso e tentar persuadir-vos a aceitá-lo, se coincidentemente isto também vos for vantajoso. Como não tornaríeis vossos inimigos todos os neutros atuais, logo que eles tivessem conhecimento de nosso caso e chegassem à conclusão de que algum dia iríeis também atacá-los? Que estais fazendo nestas circunstâncias senão fortalecer os vossos inimigos atuais e atrair a hostilidade de outros que jamais teriam pensado em vir a ser vossos inimigos, mudando-lhes os sentimentos atuais?”

    99. Atenienses: “Não, pois não consideramos mais perigosos aqueles que, morando em algum lugar no continente e sendo homens livres, não se apressam em tomar precauções contra nós, e sim os ilhéus, livres de qualquer dominação, como vós, bem como aqueles já impacientes com a necessidade de submissão ao nosso império. Estes são os que mais provavelmente se deixarão levar por um comportamento irracional a correr perigos imprevisíveis, arrastando-nos com eles aos mesmos

    100. Mélios: “Certamente, então, se vós e vossos súditos correis um risco tão grande, vós para não perderdes o vosso império, e eles, que já são escravos, para se livrarem dele, para nós, que ainda mantemos a nossa liberdade, seria o cúmulo da degradação e covardia se não recorrêssemos a qualquer meio antes de nos submetermos à escravidão”.

    101. Atenienses: “Não, se deliberardes sensatamente; não se trata para vós de um confronto em igualdade de condições para decidir quem é mais corajoso, para escapar a uma humilhação; vossa decisão é mais quanto à própria salvação, evitando oferecer resistência diante de quem é muito mais forte”.

    102. Mélios: “Sabemos que a sorte na guerra é sujeita freqüentemente a imprevistos, independentemente do número dos combatentes. Para nós, ceder imediatamente é perder toda a esperança, mas agindo ainda podemos esperar manter-nos de pé”.

    103. Atenienses: “A esperança é um estimulante para o perigo, e para aqueles que dispõem de outros recursos, embora possa prejudicá-los ela não os leva à ruína, mas para quem arrisca tudo num só lance — a esperança é pródiga por natureza — seu verdadeiro caráter só é percebido quando o desastre já aconteceu; quando finalmente se revela a sua precariedade, ela não oferece à sua vítima qualquer oportunidade para precaver-se após essa revelação. É isto que vós, fracos como sois e sós num dos pratos da balança, deveis evitar; não imiteis a maioria que, quando ainda é possível a salvação por meios humanos disponíveis, logo que a desgraça chega e lhe fogem todas as esperanças reais se entrega às irreais — vaticínios, oráculos e outras semelhantes — que se juntam a tais esperanças para levar os homens à ruína”.

    104. Mélios: “Nós também— não duvideis— achamos difícil lutar contra a vossa força e contra a sorte (salvo se ela for imparcial); apesar disto confiamos, com vistas à sorte, em que graças ao favor divino não estaremos em desvantagem, pois somos homens pios enfrentando homens injustos; quanto à força, confiamos em que a aliança lacedemônia nos socorrerá no que for necessário, pois ela terá de ajudar-nos, se não por outras razões, por nossas afinidades étnicas e por uma questão de honra. Logo, nossa confiança não é totalmente irracional”.

    105. Atenienses: “Quanto à benevolência divina, esperamos que ela também não nos falte. Realmente, em nossas ações não nos estamos afastando da reverência humana diante das divindades ou do que ela aconselha no trato com as mesmas. Dos deuses nós supomos e dos homens sabemos que, por uma imposição de sua própria natureza, sempre que podem eles mandam. Em nosso caso, portanto, não impusemos esta lei nem fomos os primeiros a aplicar os seus preceitos; encontramo-la vigente e ela vigorará para sempre depois de nós; pomo­la em prática, então, convencidos de que vós e os outros, se detentores da mesma força nossa, agiríeis da mesma forma. Logo, no tocante ao favor divino é compreensível que não receemos estar em desvantagem. Quanto à vossa opinião a respeito dos lacedemônios e à vossa firme confiança em que, por uma questão de honra, eles certamente virão socorrer-vos, embora apreciando a vossa ingenuidade nós não invejamos a vossa insensatez. Devemos reconhecer que, quando se trata deles mesmos e das instituições locais, eles praticam a virtude ao máximo; sua conduta em relação aos outros, porém, embora seja possível falar longamente sobre o seu procedimento diremos apenas, resumindo o essencial, que nenhum povo, entre todos aqueles com os quais convivemos, considera de maneira mais ostensiva bom o que lhe agrada e justo o que serve aos seus interesses. Ora: tal atitude não é favorável à vossa esperança irracional de ser salvos por eles agora”.

    106. Mélios: “Mas exatamente nisto encontramos as razões mais fortes de confiança: em seu próprio interesse os lacedemônios não quererão trair os mélios, seus colonos, para não incorrerem na desconfiança de todos os helenos agora simpatizantes deles, além de ao mesmo tempo ser úteis aos seus inimigos”.

    107. Atenienses: “Não percebeis, então, que o interesse próprio anda lado a lado com a segurança, enquanto é perigoso cultivar a justiça e a honra?” (Em geral os lacedemônios sé atrevem o mínimo possível a enfrentar este perigo.

    108. Mélios: “Cremos que mesmo tais perigos eles estariam dispostos a correr por nossa causa, e que se considerariam menos expostos a eles do que se os corressem por outros, pois estamos de certo modo perto do Peloponeso e isto lhes facilita os meios de agir, enquanto as afinidades étnicas nos tornam mais confiáveis que outros”.

    109. Atenienses: “Mas a homens prestes a empenhar-se em combate, o que lhes inspira confiança não é obviamente a boa vontade dos que lhes pedem ajuda, e sim a nítida superioridade em forças que eles possam ter (a isto os lacedemônios estão mais atentos que quaisquer outros). Seja como for, eles confiam tão pouco em seus próprios recursos que sempre se associam com numerosos aliados quando vão atacar os seus vizinhos; logo, não é provável que eles embarquem para uma ilha enquanto dominarmos os mares”.

    110. Mélios: “Mas eles poderiam mandar outros; além disto, o mar de Creta é vasto e portanto a captura de uma frota inimiga pelos senhores do mar será mais difícil do que a travessia em segurança por quem quiser passar despercebido. Se a tentativa falhar eles poderão voltar-se contra o vosso território e contra o resto de vossos aliados que Brasidas não conseguiu atacar; neste caso teríeis de esforçar-vos não por conquistar um território que nunca vos pertenceu, mas por preservar a vossa própria aliança e até a vossa própria terra”.

    111. Atenienses: “Alguma dessas hipóteses poderia materializar-se, mas elas não seriam novidade para nós, e não ignorais que jamais os atenienses levantaram um cerco sequer por medo de qualquer outro povo. Não podemos deixar de observar, a esta altura, que depois de dizer-nos que deliberaríeis sobre a vossa própria salvação, não apresentastes nesta já longa discussão uma única idéia aproveitável por homens que esperam salvar-se. Ao contrário, os fundamentos mais sólidos para vossa confiança se limitam a meras esperanças, relativas ao futuro, enquanto vossos recursos presentes, comparados com aqueles já preparados contra vós, são insuficientes para justificar qualquer expectativa de sucesso. Demonstrareis uma disposição de espírito muito irracional se somente após deixar-nos ir embora chegardes a uma decisão mais sensata. Não deveis refugiar-vos nesse sentimento que leva frenqüentemente os homens à ruína quando se vêem diante de situações perigosas claramente visíveis e aparentemente humilhantes: o temor da humilhação. Muitos homens, com efeito, embora ainda possam prever os perigos para os quais estão deslizando, são dominados pela força de uma palavra enganadora — a chamada humilhação — até que, vítimas de uma palavra, afundam realmente, por sua própria atitude, em calamidades irreversíveis e assim incorrem numa humilhação ainda mais vergonhosa, pois se associa à insensatez e não ao infortúnio. Evitareis essa desgraça se deliberardes sabiamente, e não considerardes humilhante reconhecer-vos inferiores à cidade mais poderosa, que vos oferece condições moderadas — tornar-vos seus aliados, conservando o vosso território embora sujeitos ao pagamento de tributos — e, quando vos é dado escolher entre a guerra e a salvação, não vos apegardes obstinadamente à alternativa pior. Aqueles que não cedem diante de seus iguais, que agem como convém em relação aos mais fortes, e são moderados diante dos mais fracos, procedem corretamente. Refleti uma vez mais, então, após a nossa partida; atentai muitas vezes, durante vossas deliberações, para o fato de que está em jogo a salvação de vossa pátria, vossa única pátria, e de que de uma única decisão, boa ou má, dependerá o seu destino”.

    112. Em seguida os atenienses se retiraram das negociações; os mélios, ficando sós, tomaram uma decisão condizente com os princípios defendidos antes e responderam o seguinte: “Nossa opinião, atenienses, não é outra senão a que tínhamos desde o início, e não iremos num instante privar de sua liberdade uma cidade habitada há setecentos anos; confiando na boa sorte que, com o favor divino, a preservou até agora, e na ajuda dos homens, principalmente dos lacedemônios, tentaremos salvar-nos. Propomo-vos ser vossos amigos, sem ser inimigos de qualquer lado; retirai-vos de nosso território após concluirmos um tratado que seja conveniente para ambas as partes”.

    113. Assim responderam os mélios; os atenienses, encerrando então as negociações, disseram: “A julgar pelo resultado de vossas deliberações, parece-nos que sois os únicos a considerar os eventos futuros mais certos que os presentes diante de vossos olhos; vossos desejos vos fazem vero irreal como se já estivesse acontecendo. Estais arriscando tudo ao depositar vossa confiança nos lacedemônios, na sorte e em esperanças, e perdereis tudo”.

    114. Os emissários atenienses regressaram ao local onde estavam as tropas, e como os mélios não deram ouvidos a coisa alguma, seus generais iniciaram imediatamente as hostilidades e levantaram uma muralha em torno de Melos, distribuindo as obras entre as tropas das várias cidades. Em seguida, deixando alguns de seus soldados e dos de seus aliados para ficarem de guarda por terra e por mar, partiram com o grosso de suas tropas; as que permaneceram lá mantinham a cidade sitiada.”

    Fonte: Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, tradução de Mário da Gama Kury, UnB, Brasília: 182, p. 282/287.

    1. A midia perdeu o privilégio de interlocução social….não há um simples jornal de bairro que não seja pertence a grandes grupos economicos ou a serviço do rentismo………burrice é não alardear isso ao povo……..

  2. Ao ver, ouvir e ler sobre o Pré-Sal, pus a mão na boca: “Meu Deus! E agora? Sem a bomba, sem sequer um foguete, com Forças Armadas desarmadas e nenhuma chance de se armar… nem brasileses há – só brasileiros, no sentido lato da palavra”. Esperei por um milagre. Que não aconteceu; e sim o óbvio: o ladrão veio pegar o que acha que é dele.

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