Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O terrorista tabajara, bolsonarismo e a quebra do elo geracional, por Wilson Ferreira

O caso do idoso Tiü França não é um simples exemplar de “envenenamento” ou “contaminação” pelo bolsonarismo. É mais complexo que isso.

O terrorista tabajara, bolsonarismo e a quebra do elo geracional

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Depois dos “300 de Brasília” da Sara Winter disparar rojões contra o STF, em 2020, agora temos um homem-bomba que tentou disparar contra o Supremo, mas explodiu contra si mesmo. “Mais um ataque contra a Democracia”, é a voz unânime por todo espectro político (com diferentes tons, da indignação ao cinismo). Golpe Tabajara? O terrorismo de fogos de artifício teve o timming (dia 13, G20 etc.) e a ambiguidade (foi ato político ou suicídio?) suficientes para manter a narrativa da “corda esticada”: aprisionar a esquerda dentro do horizonte binário – ou a democracia liberal burguesa ou… o fascismo. O caso do idoso Tiü França não é um simples exemplar de “envenenamento” ou “contaminação” pelo bolsonarismo. Revela um fenômeno mais complexo do que o chamado “pobre de direita”: revela o drama da quebra do elo geracional.

“Mais um atentado contra a Democracia brasileira!”. Por todo o espectro político, da esquerda à direita, é essa a perplexidade – está claro que em diferentes tons de sinceridade, da indignação ao cinismo. Principalmente daqueles que insuflaram as depredações em Brasília no conhecido “8/1, a Invasão do Capitólio Brasileiro”.   

O que começou com as nuances de sinceridade, terminou com diferentes sentimentos diante do episódio do bolsonarista que se auto-explodiu diante da estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes, diante do STF: vai da perplexidade e medo a irritação e desabafo – para o bolsonarismo imerso na agenda política da anistia (principalmente de Bolsonaro), o suicida que tinha um plano de matar o ministro Alexandre de Moraes foi a pá de cal em qualquer esperança de ver o capitão da reserva candidato em 2026.

“Tenho medo de ir dormir na Democracia e acordar na ditadura”, tuitou alguém na bolha progressista na madrugada do 7 de setembro de 2021, o ápice da “Operação 7 de Setembro” na qual o País viveu sob o medo da possibilidade de um autogolpe de Estado de Bolsonaro (ou o “fechamento do regime”), através de uma marcha sobre Brasília comandada pelos inacreditáveis líderes Zé Trovão, o líder caminhoneiro, o cantor José Reis e o humorista Batoré…

 Sabemos que tanto na política quanto na guerra, o medo (Hobbes) e a arte do engano (Sun Tzu) são duas estratégias decisivas – ambas criam a paralisia estratégica do inimigo.

O medo sempre foi a mais potente força aglutinadora e de submissão política. Embora a raiva seja politicamente mais potente do que o medo (p. ex. canalizar o ódio contra inimigos externos de um grupo), é o segundo tipo de emoção que domina o discurso político, principalmente na era da propaganda de massas. O medo acaba submetendo as massas a qualquer plot político.

A Operação 7 de Setembro de 2021 foi o início dessa ameaça imaginária de um iminente golpe de Estado e, mais tarde, o “Capitólio brasileiro” o estado da arte da produção do medo – ao vivo o País acompanhou, pela TV, uma suposta tentativa de golpe de Estado.

A partir dessa superprodução televisiva, a “corda continuou a ser esticada”: de um lado, a continuação das ameaças nas redes da malta bolsonarista, com ameaças contra desde o Xandão até a qualquer desafeto político, de raça ou de gênero; do outro, o misto de lentidão, leniência e pusilanimidade da Justiça, seja prendendo apenas peixinhos (deixando os tubarões soltos), seja deixando o maior de todos, Bolsonaro, livre, andando pelo País para fazer as articulações políticas em ano eleitoral.

O plot da “Democracia em perigo”

O freio de mão puxado da Justiça (desde as denúncias da repórter Patrícia Campos da Folha, nas eleições de 2018, revelando o esquema empresarial da campanha de Bolsonaro de produção de fake news e que a Justiça Eleitoral nada fez) e do PGR sempre pareceu calculado, como se quisessem manter contínuo o clima de ansiedade e tensão: há ameaças de golpe, que podem vir de qualquer lugar, a qualquer momento.

Ou seja, manter sempre em cartaz o plot da “Democracia em perigo”. Como se quisesse reforçar para a esquerda a fatalidade do horizonte binário de escolha: ou a democracia liberal burguesa ou… o fascismo. Não há saída – foi assim também com a ascensão de Hitler e Mussolini. A esquerda acreditava que a democracia liberal conteria o fascismo. Mas… a história todos conhecem.

Tiü França, o “homem-bomba” que supostamente queria matar Alexandre de Morais munido de rojões e “bombas potentes” compradas em uma loja de fogos em Brasília, é talvez o paroxismo dessa agenda do medo, sempre alimentada para tomar a pauta política nacional. 

A própria mídia progressista tratou de fazer o restante do serviço de associar o ato de Tiü França ao medo do ataque a Democracia.

Associações com a memória do caso da Bomba do Rio Centro na ditadura militar ou com o próprio 8/1, como informa a manchete hiperbólica do site do PT: “Em novo 8/1, bolsonarista tenta explodir STF”.

No máximo, o “homem-bomba” repetiu como farsa a patética performance dos “300 de Brasília” liderados pela ensandecida ex-feminista Sara Winter, em 2020, ao apontar rojões e disparar contra o STF, durante a noite.

E o pior é que agora ainda sobrou para o icônico palhaço do crime. O suposto bolsonarista suicida estaria vestido de Coringa – tudo porque trajava uma roupa com estampa de naipes de baralho…

Nada a ver com o Coringa – jamais o gênio cínico do crime explodiria junto com uma bomba, como num desenho animado. No máximo, o Tiü França, como bom bolsonarista, deveria ser um entusiasta da legalização de jogos e cassinos no Brasil.

Tudo isso para manter a esquerda prisioneira nessa paralisia estratégica (achar natural e inevitável a política de coalização tutelada pelo Centrão e a banca da Faria Lima ou… o fascismo), o freio de mão puxado da Justiça mantém o moral elevado do Exército Psíquico de Reserva.

O Exército Psíquico de Reserva

Por Exército Psíquico de Reserva entendemos como um exército de zumbis (o Brasil Profundo) que sempre está à disposição à espera de cripto-comandos ou a oferta de significantes políticos (slogans, líderes políticos, “mitos” etc.) para aglutinar ressentimento e ódio, matéria-prima da alt-right desde o laboratório do Brexit de 2016.  

Assim como os alucinados do 8/1 que acreditaram serem protagonistas de um evento patriótico, Tiü França é mais um desses zumbis que recebeu algum tipo de cripto-comando imaginário para sair de sua cidade Rio do Sul (SC) para ficar três meses em Brasília planejando a logística de um “atentado terrorista” com fogos de artifício.

Que a grande mídia (para sustentar a narrativa sobre perigosos terroristas que ameaçam a nossa democracia) descreveu como um terrorista que carrega “bombas”, “artefatos” etc. A imprecisão retórica é importante para fazer a imaginação do distinto público fazer o resto do trabalho.

Um atentado Tabajara? Sim! Mas amplificado pela grande mídia para gerar três efeitos, portanto:

(a) Manter o Exército Psíquico de Reserva com o moral alto e em atividade – nas redes extremistas, Tiü França é um herói, mártir, ou coisa que o valha. Enquanto a extrema-direita parlamentar sustenta que não foi ação política, apenas um suicídio de alguém perturbado por um divórcio;

(b) Mantém a “corda esticada”, isto é, perpetua o medo que faz a esquerda ficar atrelada à democracia liberal, mesmo que neste sistema a extrema-direita (ou os “moderados” do Centrão) prospere. Impulsionada pela omissão da Justiça Eleitoral – vide o caso de Pablo Marçal e o de Tarcísio, o Moderado, anunciando a ligação de Boulos ao PCC numa coletiva em pleno dia de eleição em São Paulo. 

(c) Mantém a ficção de que realmente exista uma democracia liberal no Brasil, e não um sistema político tutelado pelo PMiG (Partido Militar Golpista) que realmente deu um golpe militar, porém híbrido com a vitória do candidato manchuriano Bolsonaro, em 2018. Conquistando a máquina do Estado… enquanto Lula ficou apenas com o governo.

Tiü França e a quebra o elo geracional

O caso do “homem-bomba” Tiü França apenas levantou novamente uma questão que é fundamental para entender a importância desse Exército Psíquico de Reserva no crescimento da extrema-direita: por que a atração dos idosos pelo bolsonarismo? Ou mais: por que os transtornos mentais são sempre aderentes à extrema-direita? 

Segundo dados do Ministério Público, o perfil da lista de 667 fanáticos detidos naquele dia, 84,5% eram nascidos entre 1960 e 1990 e 64,3% nasceram entre 1960 e 1980. Tiü França tinha 59 anos.

O mais impressionante é que a idade média das mulheres que participaram do 8/1 era de 49 anos e dos homens de 44 anos.

Por tudo que tem sido levantado sobre a vida de Tiü França, ele é mais um exemplo de como a força da extrema-direita vem desse encontro fatal entre a linha biográfica e os significantes políticos.

Continue lendo no Cinegnose.

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