Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Os militares e o projeto nacional desenvolvimentista

Por Ion de Andrade

Ou a quem dará a sua entrevista exclusiva o almirante Othon quando sair das masmorras de Curitiba?

A guerra fria produziu uma polarização mundial pela qual a adesão dos países a um dos dois lados em disputa era uma obrigação. Não havia espaço para posições “independentes”, sobretudo naquilo que se convencionou considerar como área de influência das grandes potências. Nessa divisão geopolítica o Brasil e a América Latina eram parte, entre os anos 60 e 80, da metade americana do mundo. Naquela época a aliança política pró-americana que sustentava o governo contava com o protagonismo estratégico dos militares leais ao mundo americano.

Esse consenso, capaz de derrubar governos nos anos 60 e 70, incrivelmente não durou muito. Já no governo Geisel eclodiu uma fratura de natureza nacionalista resultando no rompimento do tratado militar com os EUA. O Brasil foi também o primeiro país do mundo a reconhecer o governo comunista de Angola em 1975 e nessa mesma leva de iniciativas um acordo de cooperação na área de energia nuclear foi firmado com a Alemanha, acordo este que deu origem às usinas nucleares brasileiras. Para além do bem e do mal, o mundo multipolar que conhecemos hoje ia nascendo no interior mesmo da ordem americana.

Reconheçamos que, reinando absolutos, os militares não somente não destruíram a Petrobrás como deixaram uma infraestrutura com desdobramentos atuais importantes no plano da defesa e da alta tecnologia. São exemplos a nossa indústria nuclear e a aeroespacial, pois a Embraer e o programa espacial brasileiro nasceram sob os auspícios da Aeronáutica.

Se esse legado militar pode ser dignamente integrado ao Brasil contemporâneo, o braço civil da aliança que deu suporte a 64 teve evolução bem menos honrosa. Agrupado em torno de algumas famílias bilionárias da mídia, permaneceu inteiramente fiel à velha americanofilia. Esse braço civil pode ser responsabilizado pela condução política de um sem número de áreas, através da Arena e de seus sucedâneos. O seu maior legado foi ter conseguido a proeza inapagável de converter um país rico e fértil como o Brasil numa pátria de famélicos e miseráveis. Sua adesão de fachada à democracia poderia fazer crer aos incautos que jamais apoiou o regime militar. Recentemente algumas emissoras, preocupadas com o distanciamento político que vêm experimentando dos militares, vêm plantando programas de humor e outros onde as lutas dos anos 60/80 vêm à baila. Essas iniciativas, que pela crítica à ditadura, poderiam parecer cheias de espírito democrático, visam, na verdade, através da exploração de um tema doloroso para a nação, impedir ou atrasar a reconciliação nacional necessária ao enfrentamento dos desafios atuais.

O projeto nacional desenvolvimentista do qual tomam parte diversos partidos do campo democrático, inclui também as megaempresas nacionais e o complexo industrial de defesa, um legado tecnológico atualíssimo, estratégico e, sim, originado, em boa parte, do regime militar.

A prisão do Almirante Othon, respeitadíssimo no mundo da ciência, (para evitar que acertasse suas repostas ao juiz Moro com os seus asseclas…), põe em evidência o fato óbvio de que, para além de políticos comprometidos com o projeto nacional desenvolvimentista e megaempresários, temos agora preso um desses personagens que representa o ciclo de desenvolvimento tecnológico gestado, por motivação nacionalista, no contexto do regime militar. Todos supostamente corruptos, incluindo-se entre os presos alguns corruptos de verdade que legitimam às prisões, sem julgamento, inclusive daqueles que serão inocentados.

Ao que parece, além dos doleiros, os que podem ser presos sem julgamento no Brasil de hoje por agentes públicos que viajam regularmente à América para pedir ajuda, são os que se alimentam de algum grau de nacionalismo ou o viabilizam. Qualquer autoridade pública que pense num Brasil grande, autônomo e com voz própria no cenário internacional parece que corre o risco de ser desonrado em praça pública sem julgamento, principalmente se tiver ousado estar à frente, como o almirante Othon, de uma estatal estratégica.

Quantos serão os manifestantes de 16 de agosto que aceitarão o convite das forças políticas que apoiam, sob o manto da luta contra a corrupção, a desmoralização do país e o enfraquecimento do patrimônio econômico do Brasil cujo resultado produz convergência completa com os interesses geoestratégicos dos EUA? Será que terão coragem, com o pai da tecnologia nuclear brasileira engaiolado em Curitiba, de pedir uma intervenção militar contra um governo que, apesar dos problemas, vem tentando, por lealdade ao Brasil, assegurar o desenvolvimento desse legado estratégico?

Penso que o não protagonismo dos militares nessa crise contemporânea se deve também ao fato de que estão enxergando, e muito bem, o que querem os golpistas. Pode ser até que sejam conservadores em sua maioria, mas tudo leva a crer que não aderem ao entreguismo ou o seu legado industrial não existiria. O que pensam os militares realmente da proposta de José Serra de secundarizar o papel da Petrobrás no pré-sal, quando estão construindo submarinos nucleares para defendê-lo? Acham ótima?

A afirmação do Ministro da Defesa Jaques Wagner de que nos segredos nucleares a PF não põe a mão me fez lembrar as escaramuças do Brasil dos anos 30, mas pela primeira vez um representante das Forças Armadas advertiu à Lava Jato para a existência de uma linha vermelha. Cabe imaginar o que ocorreria se a PF tentasse. Encontraria os fuzileiros navais em armas em torno da Eletronuclear ou do estaleiro da marinha a defender o direito sagrado do Brasil à sua autodefesa? Estamos nos anos 30.

O governo atual é parte do projeto nacional desenvolvimentista, os militares o defendem e parece que começaram a pagar por isto e as megaempresas nacionais, detentoras de tecnologia e experiência internacional ataram o seu destino a ele.

Mais do que o poder político, o que está em jogo hoje é o futuro da nação. O Itamaraty, aliás, deveria posicionar-se em defesa da Odebrecht nos países em que as investigações para a sua destruição estão em curso. É preciso avisar a esses governos que atrás daquela empresa está o Brasil, que nós já entendemos o jogo e sabemos retaliar.

O que me atiça a curiosidade hoje é a quem o Almirante Othon vai dar a sua entrevista exclusiva quando for liberado das masmorras de Curitiba.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

20 Comentários

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  1. “Penso que o não protagonismo

    “Penso que o não protagonismo dos militares nessa crise contemporânea se deve também ao fato de que estão enxergando, e muito bem, o que querem os golpistas. “

    SEMPRE QUE OS MILITARES, desde a sua formação moderna fizeram o jogo da horrível classe do senhorio da Casa Grande, ficaram eles, os militares, com as mãos cheias de sangue e o senhorio da Casa Grande com as mãos cheias de dinheiro e títulos de ostentação que tanto prezam. Foi assim com Canudos e Contestado; foi assim em algumas das rebeliões tenentistas. Foi assim em 1964. O tiro de Vargas pode ter sido a esmo; mas a profecia que em si encerrou foi magnânima: tivesse o poder em 1954 passado às mãos de Carlos Lacerda e sua claque de… (com o perdão do termo) de fdp, e eles teriam destruído tudo do Nacional-Desenvolvimentismo em troca de espelhinhos. Os militares, que sujaram as mãos de sangue de inocentes, mais uma vez – ou nem tantos – vindo dez anos depois, numa outra conjuntura, não só salvaram muito daquele projeto como até criaram alguma coisa nova. E passaram a sofrer hostilidades veementementes, justo quando apontam para a retomada da grandiosidade do país. E, neste caso, tendo que lidar com a insurreição de um monte de gente de bem, mas completamente sem noção dos obcuros e subterrâneos jogos de poder, fazendo tantas vítimas inocentes.

    Acho eu que eles aprenderam a lição: com o senhorio eternamente escravagista nacional não se brinca. Abriu a guarda, e ele, o senhorio, transforma as Forças Armadas em pistoleiros, voltando-lhes à condição de capitães-do-mato, que de fato é o que sempre acharam devem ser o militar e o servidor público em geral.

    1. Boa José Bispo. Rusumiste

      Boa José Bispo. Rusumiste bem, mas tem alguns militares espiroquetas de pijamas que não enxergam isso. Eles são eleitores da BB, borrelia Blossonaro. Quem não os conhece poderão conhecê-los nas avenidas chics no dia 26 de agosto. Estarão com camisas amarelas da CBF ou com camisas pretas cantando o hino nacional dizendo-se patriotas.

  2. Como estrategistas, sabem os

    Como estrategistas, sabem os militares que amigo fraco é aquele que concorda com tudo…

    Já a elite não entende essas coisas…

  3. AO MOVIMENTO DE INGÊNUOS DO

    AO MOVIMENTO DE INGÊNUOS DO DIA 26 DE AGOSTO…

    “Já no governo Geisel eclodiu uma fratura de natureza nacionalista resultando no rompimento do tratado militar com os EUA. …um acordo de cooperação na área de energia nuclear foi firmado com a Alemanha, acordo este que deu origem às usinas nucleares brasileiras. …

    Se esse legado militar pode ser dignamente integrado ao Brasil contemporâneo, o braço civil da aliança que deu suporte a 64 teve evolução bem menos honrosa. Agrupado em torno de algumas famílias bilionárias da mídia, permaneceu inteiramente fiel à velha americanofilia. …

    A afirmação do Ministro da Defesa Jaques Wagner de que nos segredos nucleares a PF não põe a mão … pela primeira vez um representante das Forças Armadas advertiu à Lava Jato para a existência de uma linha vermelha. Cabe imaginar o que ocorreria se a PF tentasse. … O governo atual é parte do projeto nacional desenvolvimentista, os militares o defendem e parece que começaram a pagar por isto e as megaempresas nacionais, detentoras de tecnologia e experiência internacional ataram o seu destino a ele. …

    Mais do que o poder político, o que está em jogo hoje é o futuro da nação. O Itamaraty, …, deveria posicionar-se em defesa da Odebrecht nos países em que as investigações para a sua destruição estão em curso. É preciso avisar a esses governos que atrás daquela empresa está o Brasil, que nós já entendemos o jogo e sabemos retaliar.

    O que me atiça a curiosidade hoje é a quem o Almirante Othon vai dar a sua entrevista exclusiva quando for liberado das masmorras de Curitiba.” …É PRECISO DESENHAR?

  4. Enquanto isso no Planalto….

    …podemos observar a movimentação da dinamica equipe do atual governo!

    Eduardo Cunha, inacreditavelmente, agiu como um Presidente da Republica deveria fazer, defendendo-se e atacando os excessos que estão ocorrendo! Se é culpado ou não por corrupção é outro assunto!

    1. Não seja tão mordaz…

      você não vê que em baixo do tapete tem um monte de coisas?  Também não percebe que no campo fora da foto há dois mercadozos com vassoura nas mãos?  Meu caro, o pior cego é o que não tem olhos para ver.

  5. jornal

    `Ou a quem dará a sua entrevista exclusiva o almirante Othon quando sair das masmorras de Curitiba?`

    Melhor faria se a desse para o

    Esse jornal tem credibilidade, ao contrário de outros que não servem nem para embrulhar peixe.

    Passou da hora dos entes públicos pararem de acender velas para defunto ruim e abandonarem o PIG (porca imprensa gatuna).

  6. Só assim, talvez, as

    Só assim, talvez, as borrelias amestradas do dia 26 de agosto entendem o que é o nacionalismo, e porque, não somos entreguistas americanófilos. 

  7. Força, bravo Almirante.

    Força, bravo Almirante. Talvêz agora as borrelias conhecerão o brasileiríssimo Almirante Othon. Mas se ficarem no JN morrerão na caverna batendo suas panelas.

  8. Nossos FNs não estrão sós

    Nossos FNs não estarão sós.

    Ao seu lado haverão Patriotas Brasileiros cerrando fileiras contra esta malta de traidores do País que o querem destruir para impor a ditadura farsesca midiático judiciária.

    Não passarão!

    Vida longa Almte. Othon Pinheiro da Silva, um Patriota Brasileiro desenvolvimentista!

     

  9. Em relação à entrevista,

    Em relação à entrevista, acredito que a maioria dos milicos de alta patente, gostaria que a entrevesta fosse concedida no iFHC.

    Esse milicos, não sei porque, adoram o FHC, mesmo o ex presidente tendo sucateados as FAs,e tripudiado a tropa dizendo que soldado brasileiro não saber marchar.

    Segundo FHC a tropa não marcha, e sim samba.

  10. O nacional-desenvolvimentismo ficou no passado

    Texto interessante esse. Emotivo e delirante, imagina até submarinos nucleares defendendo o pré-sal e tira não sei de onde essa ideia de que a operação lava-jato quer fechar a Eletronuclear e o estaleiro da Odebrecht. Mas deixa nas entrelinhas um apelo para nova intervenção militar. Note que os militares são incensados enquanto os civis são cobertos de ingnomínia, como se não houvesse ligação nenhuma entre os primeiros e os segundos entre 1964 e 1985. Para bom entendedor, meia palavra basta.

    De resto, o modelo nacional-desenvolvimentista está completamente esgotado. Foi lançado por Vargas, continuado por Kubitchek, e os militares levaram-no ao auge nos anos setenta e ao esgotamento nos anos oitenta, quando atolamos em um pântano de estagnação com inflação, do qual só saímos com o Plano Real. Ressuscitar o modelo nacional-desenvolvimentista na época atual é pura sandice. Políticas industriais draconianas custeadas com endividamento e emissão de moeda podiam fazer algum sentido 60 anos atrás, quando tínhamos uma indústria incipiente e baixa carga tributária, mas na época atual, o único efeito será pulverizar todo o incremento do padrão de vida dos brasileiros desde o primeiro governo Lula. Surtos de desenvolvimento obtidos no passado sob os auspícios do nacional-desenvolvimentismo, como nos anos JK ou no “milagre” dos militares, proporcionaram um incremento no padrão de vida da população por causa da abundância de empregos, mas logo foram anulados pela inflação e pelo endividamento que veio em seguida. No governo Lula, pela primeira vez e nossa História, o povo experimentou um consistente incremento em seu padrão de vida puxado não pelo aumento do PIB, mas pela estabilidade da economia, que permitiu a expansão do crédito e o aumento do consumo. Tudo isso vai pelo espaço se voltar a moda dos bancos estatais emitindo moeda sem lastro para custear obras caríssimas e superfaturadas, que é precisamente o que Dilma tem feito.

    O nacional-desenvolvimentismo deu alguns frutos bons, como a EMBRAER, mas muitos frutos podres, como a nossa indústria naval que após vários surtos de crescimento, jamais conseguiu sustentar-se sem as encomendas das estatais pagando pelo navio o dobro do preço. Tudo o que de bom ou de ruim esse modelo poderia dar, já deu. Acabou. O que funciona na época atual são conglomerados privados produzindo para o mercado globalizado, como as grandes empresas chinesas, coreanas e de Singapura. Esses são os verdadeiros países emergentes. que estão tirando suas populações da miséria. Enquanto ficamos olhando para o passado, lá fora o mundo avança sem nós.

    1. Acho que você confundiu duas

      Acho que você confundiu duas coisas completamente distintas. O que se esgotou foi o processo de industrialização por substituição de importações. Isso em nada tem a ver com o um projeto de desenvolvimento nacionalista, embora historicamente este tenha utilizado o primeiro em coisa de 50 a 60 anos durante o século XX. O primeiro se trata de uma cirunstância econômica e o segundo é um projeto de nação, muito além das ações cicunstanciais da economia nacional e mundial.

      1. É apenas um aspecto da questão

        A substituição de importações é apenas um dos ditames do nacional-desenvolvimentismo. Eu acredito que o modelo como um todo está esgotado. O aspecto mais danoso é a emissão de títulos (moeda sem lastro) pelos bancos estatais como o BNDES para emprestar a juros subsidiados ao séquito de empresários amigos-do-rei, enquanto os demais têm que arcar com os juros altíssimos dos bancos privados. Esse modelo suga a poupança do país e cria uma nefasta aliança entre o Estado e os empresários amigos, que ficam totalmente desobrigados a concorrer no mercado.

  11. Provando do próprio remedio

    Para os militares, o PSDB é um partido santo, e Aécio Neves é um sacerdote, da perfeição. Então é bom, estes casos porque só vendo para crer.

    Quem sabe estes excessos da Lava Jato não os convencem de que o país precisa urgentemente de uma terceira via, pois a direita incentiva o desmonte do Estado; e a esquerda o tolera “republicanamente”, como se não dissesse respeito a ela. 

  12. E…………………..

     “Quantos serão os manifestantes de 16 de agosto que aceitarão o convite das forças políticas que apoiam, sob o manto da luta contra a corrupção, a desmoralização do país e o enfraquecimento do patrimônio econômico do Brasil cujo resultado produz convergência completa com os interesses geoestratégicos dos EUA? “

    A pergunta procede e é mais que oportuna, pois este midiotas não passam de traidores da Pátria, cujos interesses, alinhados ao interesse do império, ou a soldo deles, me faz sentir vergonha de viver em uma mesma época que eles.

    Quero ver os militares nacionalistas (cujo termo hoje parece palavrão para alguns), e também os inativos tomarem atitudes sérias contra este ataque a segurança nacional, pelos que se dizem arautos da justiça e dos bons constumes!

    Estão e a serviço de llobys estrangeiros que não é de hoje, querem nos ver no atraso tecnologico em várias áreas, e dependentes deles.

    Vergonha sinto por eles !!!!!!!!!!!!!!

    Mas…., o BRASIL  é maior que eles !!!!!!!!!!!!

  13. Lindo texto, mas dificil de

    Lindo texto, mas dificil de crer nele quando diz que militares são patriotas acima de tudo.

    Creio que muitos são cegos e amestrados, isso sim. Ainda possuem aquele ranço direitista.

    Um oficial da aeronáutica, cohecido meu, fez claramente campanha para Aécio Neves no facebook e foi alegremente integrar o “coxinhaço” de 15 de Março, sem falar que é um adimirador do Brilhante Ulstra e do Revoltados Online.

    Outro, major do Exército, é capaz de dizer em uma aula de MBA, que o “Lulinha é dono da Friboi”.

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