A Origem do Covid-19 e a Teoria da Conspiração, por José Eduardo Bicudo

A Origem do Covid-19 e a Teoria da Conspiração

por José Eduardo Bicudo

O artigo reproduzido pelo GGN (3/5/20 ainda no Brasil e já 4/5/20 na Austrália, por causa da diferença de fuso horário) a partir de reportagem (4/5/20) estampada na primeira página do tablóide australiano The Daily Telegraph, sob o título, em português, “China escondeu evidências da pandemia em ataque à transparência internacional”, merece algumas considerações.

O artigo original do The Daily Telegraph, de autoria de Sharri Markson, faz referências a uma série de insinuações de que o Covid-19 poderia ter escapado do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), na China.  Tais insinuações já haviam ganhado alguma notoriedade no mês de fevereiro passado, quando a pandemia avançava em direção ao Ocidente.

Em 17 de março passado, no entanto, um grupo de cientistas de universidades dos EUA, Reino Unido e Austrália publicou na prestigiosa revista científica Nature Medicine um artigo, tendo como base uma análise comparativa de dados genômicos, a partir da qual se descartou a possibilidade de que o vírus causador do Covid-19, isto é, o SARS-CoV-2, tenha sido resultado de manipulações em laboratório.

Por que o tema da origem do Covid-19 retorna neste momento? Há algumas pistas. Uma delas diz respeito ao fato de que o governo federal dos EUA, comandado por Donald Trump, vem lidando muito mal com a pandemia desde que o Covid-19 atingiu o território norte-americano. O negacionismo de Trump e a sua recorrente má vontade em relação à ciência, além de suas constantes bravatas, no final das contas, vêm lhe custando caro e têm repercutido de modo bastante negativo junto a uma parcela significativa da população norte-americana, com fortes chances de comprometer suas pretensões de se reeleger presidente.

Diante desse fato negativo, Trump recorre, fomentado pelo incansável Steve Bannon, a teorias da conspiracão, dizendo que a China é a grande responsável por esse “Chernobyl biológico” e que, portanto, deve ser denunciada por crime premeditado. Ao invés de juntar esforços globais para enfrentar a pandemia, o governo Trump continua interessado em se engajar em mais uma guerra propagandista sem qualquer base científica.

No domingo passado, Mike Pompeo, Secretário de Estado do governo Trump afirmou, de acordo com o respeitado jornal australiano The Sydney Morning Herald, na sua edição de 4/5/20, que há “enormes evidências” de que o Covid-19 surgiu a partir do IVW, sem, no entanto, apresentar qualquer evidência que pudesse fundamentar sua afirmação.

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, por outro lado, veio rápido a público desmentir, na própria segunda-feira passada, as alegações de que o Covid-19 teria escapado do IVW, conforme insinua a reportagem do The Daily Telegraph, a qual, por sua vez, cita ainda a renomada instituição australiana de pesquisa científica e industrial, a CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation), onde cientistas chineses ligados ao IVW teriam sido treinados. Morrison enfatizou ainda que a CSIRO é extremamente cuidadosa ao firmar parcerias científicas com qualquer país que seja. A CSIRO também emitiu nota afirmando que não possui, no momento, nenhum projeto científico em andamento com o IVW e que todos os projetos científicos em parceria com aquele insituto, no passado, inclusive aqueles relacionados a outros tipos de coronavírus, foram realizados respeitando as mais estritas normas de biossegurança e em conformidade com a legislação vigente.

Para reforçar mais ainda o fato de que a reportagem publicada no The Daily Telegraph se trata, na realidade, de matéria requentada, dando, portanto, margem às mais variadas interpretações, o renomado jornalista australiano Paul Barry, no seu programa Media Watch (uma espécie de observatório da imprensa) do dia 4/5/20, na cadeia de TV australiana ABC, destrinchou ponto por ponto as inconsistências contidas na reportagem do The Daily Telegraph.

Por fim, é importante ressaltar que o The Daily Telegraph pertence a Rupert Murdoch, conhecido por seu vínculo com causas notadamente retrógradas e também dono de vários tablóides, espalhados por vários países, famosos por veicularem matérias que em geral contêm meias-verdades, dissemeninam dúvidas de modo malicioso e dão margem a todo tipo de interpretação, inclusive fomentando teorias da conspiração tão a gosto de Trump e seus seguidores.

José Eduardo Bicudo – Professor titular aposentado da Universidade de São Paulo e professor honorário da Universidade de Wollongong, Austrália

Redação

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  • Dois problemas das teorias das conspirações :
    1 Existem conspirações
    2 Eles se fecham em si mesma
    - um estudo diz que o vírus e natural e ...
    - os caras estão comprados ...

  • Se fosse o caso de levantar suspeitas, com base em "convicções" e não em provas, como prefere o MPF brasileiro, os primeiros objetos de suspeição seriam aqueles países com histórico de uso de armas de destruição em massa contra populações civis indefesas, de uso práticas de pirataria e de mentiras como instrumentos de política de Estado, com histórico de políticas de Estado voltadas à prática de atos terroristas e que patrocinam laboratórios de estudos de patógenos para utilização em guerra biológica fechados por motivos de desrespeito às normas de segurança internacionais.
    Seguindo esses critérios, quais países seriam eleitos como alvo de suspeição?
    Só tem um. Estamos falando do Estado neo pentecostal fundamentalista, sionista, terrorista, genocida que até poucas décadas atrás se apresentava ao mundo como uma grande nação defensora de valores como "liberdade" e "democracia", que se chamava Estados Unidos da América. E muitos chegaram a acreditar nessa propaganda falaciosa.

  • Dois problemas das teorias das conspirações :
    1 Existem conspirações
    2 Eles se fecham em si mesma
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  • Bastou um final de semana. Na semana passada na Europa, de 0 a 10 graus, eram mortes, caixões, tragédia. Nesta semana, de 10 a 20 graus, é normalidade, férias, ruas e praias. Sumiram corpos, sumiram caixões, sumiram hospitais, sumiram histerias, sumiu a tragédia. OMS indica Suécia como exemplo. Sem histeria ou isolamento. O Povo nas ruas, algo impraticável com baixas temperaturas do rigoroso Inverno Europeu. Ou pode ser apenas uma visão a respeito do mesmo problema.

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