A Orquima, os Klabin e os fundadores do estado de Israel, por Luis Nassif

Nos anos 60, Israel decidiu profissionalizar a Klabin. Foi conversar com Walther Moreira Salles, a quem tinha respeito absoluto

Figura 1Da direita para a esquerda;  Amaral Peixoto (4ª); Joseph Blumenfeld (5º); Alzira Amaral Peixoto (6º); Kurt Weil (8º) e Franzio Salles(9º).

Está firme no Rio de Janeiro, cuidando de sua ONG voltada para o meio-ambiente, a testemunha de uma das mais audaciosas experiências tecnológicas brasileiras. Trata-se de Israel Klabin, último sobrevivente –porque bem mais moço—da tentativa de consolidação da Orquima, como uma indústria química de ponta no Brasil.

Na Segunda Guerra houve o êxodo judeu da Europa. Os Estados Unidos foram extraordinariamente beneficiados pelos cérebros que foram atrás de um porto seguro. No Brasil, a migração de judeus se deveu a alguns abnegados, entre os quais um diplomata intelectualizado de nome João Guimarães Rosa.

Wolf Klabin, o patriarca da família, era casado com a filha de Arthur Haas, empresário francês cuja casa era frequentada por Guimarães Rosa. O pai de Haas tinha sido intendente do exército francês na revolução napoleônica. Francês de nascimento, com a anexação de sua cidade à Alemanha, Haas tentou se radicar na Rússia. Acabou vindo para o Brasil, onde ajudou na construção de Belo Horizonte. Mas sempre manteve relações próximas com as lideranças judaicas no mundo.

Quando estourou a Segunda Guerra, Augusto Frederico Schmidit, o poeta empresário, de grande influência no governo JK, conseguiu atrair alguns químicos de altíssima categoria, judeus alemães e belgas, alguns recém-saídos de campos de concentração. O mais ilustre era o químico Kurt Weill.

Por insistência de Getúlio Vargas, Klabin acabou se associando à Orquima. As ligações de Getúlio com os Klabin eram antigas. Nas negociações com Franklin Delano Roosevelt, que resultaram na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), entrou um acordo paralelo que garantiu à Klabin o fornecimento de placas de aço (cuja produção era quase privativa do exército americano) que permitiram a construção da Klabin Paraná.

Wolf conseguiu atrair para o Brasil Joseph Blumenfeld um dos judeus mais ilustres do século, concunhado de Chaim Weizmann, primeiro presidente do estado de Israel.

Blumfeld era a grande figura internacional da química atômica e teve papel fundamental na criação do Estado de Israel, graças a uma barganha com a Inglaterra, consubstanciada na chamada “promessa Balfour”. Na Primeira Guerra, Rod Balfour prometeu o apoio inglês ao acordo de divisão do território palestino em troca da produção de acetona sintética, fundamental para o esforço de guerra inglês. Junto com os químicos da Orquima, Blumenfeld desenvolveu uma tecnologia de extração do tório das areias monazíticas.

Dois fatos concorreram para a Orquima não dar certo. O primeiro, a forte reação nacionalista contra a venda das areias monazíticas. O segundo, o fato da tecnologia do urânio ter saído vitoriosa sobre a do tório.

Com o tempo, a Orquima – que iniciou suas atividades produzindo cafeína – acabou absorvida pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, presidida pelo engenheiro Álvaro Alberto.

Nos anos seguintes, a casa de Wolf Klabin receberia conspiradores e lideranças judaicas da fase inicial do Estado de Israel, de Golda Méier e Pinhas Safir, político influente de Israel.

Uma política racional poderia ter atraído para o Brasil um contingente enorme de cérebros judeus expulsos pelo nazismo. Mas ficou-se apenas nessa experiência.

Israel acabou indo fazendo mestrado em Matemática e Física. Depois, fez pós-graduação em Ciências Sociais na França e planejou ter vida acadêmica.

Quando seu tio Horácio Lafer tornou-se Ministro das Relações Exteriores, Israel anunciou sua intenção de não trabalhar na empresa da família. Acabou sendo colocado na Comissão Mista-Brasil-Estados Unidos, chefiada pelo engenheiro Ary Torres. Seus dois chefes eram Roberto Campos e o geólogo Glycon de Paiva.

Nos anos 60, Israel decidiu profissionalizar a Klabin. Foi conversar com Walther Moreira Salles, a quem tinha respeito absoluto. Walther indicou-lhe dois dos melhores profissionais do Unibanco para a tarefa: Júlio Vianna e o futuro presidente do Banco Central, Francisco Gros.

O diagnóstico preparado concluiu que a empresa deveria se tornar uma S/A mas sob controle familiar. O novo nome foi Indústria Klabin do Paraná e Celulose S/A.

O Unibanco ajudou a IKPC a virar empresa aberta, e definiu a organização da estrutura e a profissionalização.

A rede de relações dos Klabin se estendeu também aos Estados Unidos. Nos anos 40, Wolf se tornou grande amigo do embaixador americano Adolfo Berle Jr., professor de Columbia, presidente do Partido Liberal, e com grandes ligações com a ala mais avançada dos democratas. Berle foi embaixador no Brasil no final do governo Vargas, grande defensor da tentativa brasileira de ser autossuficiente no refino de petróleo.

Foi um dos cérebros do New Deal e, desde cedo, tornou-se um adversário dos grandes cartéis que se formavam. Além disso, era anticomunista ferrenho, tendo sido um dos responsáveis pela invasão da Baia dos Porcos.

Berle se tornou o maior amigo de Wolf por várias razoes. Uma das quais é porque, através dos seus serviços de inteligência, havia elaborado  o Livro Negro, o registro sobre os colaboracionistas alemães na América do Sul.

Israel foi criado com os filhos de Berle Jr. Coube a Berle escrever o discurso de posse de John Kennedy, no qual foi lançada a tese da reformulação da política externa americana com a América Latina, em resposta às pressões da OPA (Operação Pan Americana, organizada por Augusto Frederico Schmidit no governo JK).

Em seguida, Kennedy promoveu uma espécie de upgrade dos Latin American Desks, os escritórios de representação que haviam sido relegados a papel meramente burocrático.

O passo seguinte de Kennedy foi constituir um Conselho dos Nove Sábios, um dos quais o economista Rosenstein-Rodan, do MIT, professor de Israel. Do lado brasileiro, um dos nove era Rômulo de Almeida, o homem que desenhou a Petrobrás, na condição de assessor econômico de Getúlio Vargas. Outro integrante era Arthur Schlesinger Jr.

Israel se integrou ao grupo e passou a frequentar a Casa Branca. Na época, o embaixador brasileiro em Washington era Roberto Campos, e o representante brasileiro no FMI Alexandre Kafka.

O grupo começou a trabalhar país por país. Quem comandava o projeto da Aliança para o Progresso era um porto-riquenho. A cabeça jurídica era William Rogers, do reputado escritório de advocacia Arnold & Porter.

Quando Kennedy morreu, Israel permaneceu amigo da família, especialmente de Ted Kennedy. Quando Jânio assumiu, a pedido do governo brasileiro organizou um encontro com Ted, que compareceu acompanhado de professores de Harvard.

Foi um fracasso completo. Jânio agiu com brutalidade sem tamanho com seu chanceler Afonso Arinos, colocado para fora da sala, porque o presidente não queria nenhuma autoridade do seu governo presente. Aliás, o próprio Walther me disse ter ficado surpreso com a maneira com que Jânio tratava seu chanceler. No encontro, ficou dando ordens a Israel, que se limitou a intermediar a conversa. Na saída, a comitiva americana ficou com a nítida impressão de que Jânio era louco.

Dali seguiram para Pernambuco, onde foram conhecer Julião, o líder das Ligas Camponesas.

 

 

Luis Nassif

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