A pistolagem de um ex-juiz na terra do necrojornalismo, por Gustavo Conde

Moro é o princípio de tudo. Como diz Lula, não é Moro que é filho de Bolsonaro, mas Bolsonaro que é filho de Moro.

Ilustração: Carvall

A pistolagem de um ex-juiz na terra do necrojornalismo, por Gustavo Conde

O risco como sempre é o nosso necrojornalismo. Ele tem a tendência estrutural irresistível de fomentar a manutenção de governos de extrema-direita.

Hoje, eles já ameaçam ‘esquecer’ a demissão de Moro para voltar a dar sustentação ao governo Bolsonaro.

Era esperado, sem dúvida.

No entanto, o cenário, desta vez, é levemente diferente.

A saída de Sergio Moro desobriga a Rede Globo na arte de fomentar a manutenção da tutela por Bolsonaro.

Moro é o princípio de tudo. Como diz Lula, não é Moro que é filho de Bolsonaro, mas Bolsonaro que é filho de Moro.

E a perda do ‘pai’ costuma causar danos, ainda que seja o destino mais previsível de toda a nossa experiência simbólica – que também é política.

Bolsonaro está órfão.

Por outro lado, os militares já o rejeitaram uma vez e não terão problemas em rejeitar outra.

O discurso já está até pronto: ‘a gente tentou protegê-lo, mas ele não seguiu nossas orientações’.

O que iremos testemunhar agora no horizonte sempre sombrio de nosso necrojornalismo é um movimento de calmaria, atravessado pela ferida da ‘perda’ do filho pródigo – porque esta imprensa venal e oportunista também perdeu o seu juiz favorito, outrora confortavelmente instalado nas fendas do poder.

Globo, a mãe de Sergio Moro – e portanto, avó de Bolsonaro (desculpem, não resisti) -, terá de proteger seu rebento mimado, agora que ele perdeu a cobertura estatal.

E, para proteger Moro, ela terá obrigatoriamente de atacar Bolsonaro.

É um dilema. A pobre emissora está na posição desagradável de mais uma vez ter de tomar o protagonismo dos rumos políticos do país.

Não sejamos hipócritas: impeachment, neste país, só acontece com a autorização editorial expressa da Rede Globo.

Estamos, pois, diante de um cenário ainda bastante complexo, mas com dois elementos de distensão: a saída de Moro liberou a Globo para agir novamente.

Moro libertou a Globo.

Resta combinar com os russos, na roleta-russa de seis balas que é o Brasil pandêmico.

Tudo, a rigor, desmorona: acordo Boeing-Embraer, projeto neoliberal de Guedes, expectativa de retomada econômica, discurso anticorrupção, privatização da Petrobras e sintagmas afins.

O Brasil é um território de guerra devastado, destruído pela Lava Jato e pelo necrojornalismo.

O sistema – que ‘pensa’ e ‘opera’ acima do impressionismo editorial das mídias corporativas – vai ‘buscar’ a reorganização diante desta catástrofe.

A decisão editorial da Globo em derrubar Bolsonaro, portanto, também não é oriunda de um ‘livre-arbítrio editorial’ forjado em reuniões de executivos com os filhos de Roberto Marinho.

Todos eles trafegam tão à deriva quanto os próprios pais e o empresariado subdesenvolvido brasileiro.

Em português corrente: a decisão de derrubar Bolsonaro será ‘sistêmica’, não subjetiva.

E esse cenário já apareceu, com o golpe de misericórdia de Moro, o pai – também sistêmico – da destruição generalizada do país.

Portanto, haverá duas pressões em curso: a tendência à ‘normalização’, calcada em pressupostos tão erráticos quanto temerários dos ‘gênios’ da comunicação política infiltrados na imprensa, e a tendência à ‘explosão’ (ao fim do ciclo Bolsonaro), regida por forças que extrapolam o desejo e a estratégia.

É a luta pela sobrevivência política desesperada versus a História.

Em tempos de pandemia, em que um vírus dá uma surra diária em nosso paradigma anticivilizatório de turno, não fica muito difícil supor quem logrará êxito.

 

Redação

5 Comentários

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  1. Você tá dando à Globo um poder que ela perdeu há muito tempo. Apesar de esforço hercúleo, ela não impediu do Lula e da Dilma serem eleitos 2 vezes, cada um deles, nem conseguiu impichar o Temer.
    A Globo vive do passado.

    1. Lembre se de que a lava jato materializa o regime de exceção a ditadura informal que permitiu os sucessivos golpes e a Globo faz parte desse processo, sempre foi assim, desde sua fundação.

  2. De fato, tudo é questão de sobrevivência. A Globo, ainda que tenha perdido força para os novos meios de comunicação (e restrições impostas pelo atual governo), continua sendo muito forte.
    De toda sorte, independentemente do que venha a ocorrer, é nítido que os dois elementos diretamente envolvidos perderam força.
    Moro, o dissimulado, tenta servir ao seu criador, utilizando-se do mesmo modus operandis de sempre: gravações seletivas. Já não é visto com os mesmos olhos pelos seus seguidores, muitos dos quais já percebem sua covardia intrínseca à personalidade.
    O Mito, por sua vez, não consegue (e não conseguirá) implantar sua “nova política”. Está
    à deriva, sem um porto seguro para atracar seu barco e tendo que lidar com um problema pessoal: fechar o cerco contra as inúmeras investigações que se aproxima do seio familiar.
    Ambos representam, atualmente, meros fantoches nas mãos do stablishment.
    E a mudança???
    Bem!
    Penso que não partirá da boa vontade de nossas instituições. É mais fácil vir da pressão do Coronavirus sob a ideologia excludente imposta à sociedade moderna.
    Aguardemos!

  3. De fato, tudo é questão de sobrevivência. A Globo, ainda que tenha perdido poder para os novos meios de comunicação (e restrições impostas pelo atual governo), continua sendo muito forte.
    De toda sorte, independentemente do que venha a ocorrer, é nítido que os dois elementos diretamente envolvidos perderam força.
    Moro, o dissimulado, tenta servir ao seu criador, utilizando-se do mesmo modus operandis de sempre: gravações seletivas. Já não é visto com os mesmos olhos pelos seus seguidores, muitos dos quais já percebem sua covardia intrínseca à personalidade.
    O Mito, por sua vez, não consegue (e não conseguirá) implantar sua “nova política”. Está
    à deriva, sem um porto seguro para atracar seu barco e tendo que lidar com um problema pessoal: fechar o cerco contra as inúmeras investigações que se aproxima do seio familiar.
    Ambos representam, atualmente, meros fantoches nas mãos do stablishment.
    E a mudança???
    Bem!
    Penso que não partirá da boa vontade de nossas instituições. É mais fácil vir da pressão do Coronavirus sob a ideologia excludente imposta à sociedade moderna.
    Aguardemos!

  4. Enquanto esses cafajestes mamões das chupetas públicas ficam atirando bosta no ventilador um do outro, as pessoas estão morrendo à mingua e de fome tb

    Ratos

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