A solução é respeitar o art. 3º da Constituição Cidadã, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A incivilidade do bolsonarismo é manifesto. O tirano brasileiro está destruindo todas as instituições públicas que permitiriam ao Estado realizar sua missão.

A solução é respeitar o art. 3º da Constituição Cidadã

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Duas notícias chamaram muita atenção nos últimos dias. A primeira é a redução da expectativa do crescimento econômico brasileiro para 2019. A segunda é o fantástico desempenho dos bancos no mesmo período.

O desempenho pífio da economia real e o magnífico crescimento do setor bancário não constituem um paradoxo econômico. Na verdade, uma coisa está intimamente ligada à outra. O que une as duas pontas dessa realidade é o endividamento dos Estados e da União.

Não é difícil entender a relação entre a economia real e a economia financeira. Quanto mais o Estado ficar endividado será melhor para os banqueiros. Todavia, quanto mais juros o Estado for obrigado a pagar aos Bancos menos dinheiro sobrará para realizar despesas com programas sociais e para investir na infraestrutura do país. Ao interromper a realização de obras públicas o Estado contribui para o aumento do desemprego, dificultando assim a retomada da economia real e aumentando as possibilidades de lucro dos banqueiros.

Esse fenômeno foi descrito de maneira bastante eloquente por Wolfgang Streeck:

“O nexo político entre o endividamento do Estado e a distribuição de riqueza só se torna patente quando o financiamento das dívidas dos Estados no período de viragem neoliberal é encarado como consequência de uma tributação demasiado baixa das camadas da população que possuem patrimônio. Quanto menos o sistema fiscal exigir da propriedade dos mais abastados e dos seus herdeiros, em prol da comunidade, tanto mais desigual será a distribuição da riqueza, o que se manifesta, entre outras coisas, numa taxa de poupança mais elevada na faixa superior da sociedade. Sendo assim, aqueles a quem a política fiscal do Estado permite criar um excesso de capital privado começam a debater-se com o problema de encontrar possibilidades de investimento para o mesmo – pelo que a figura do rentista de Keynes que, na realidade, deveria ter sido vítima de uma eutanásia política (Keynes 1967 [1936], cap. 24), regressa, em força, à economia. O rentista, na sua procura de possibilidades de investimento seguro para as suas poupanças, considera muito bem-vindos os Estados que dependem de financiamentos do crédito – sobretudo também devido ao seu sucesso na resistência aos impostos: a pobreza do Estado não só constitui a sua riqueza, como também lhe proporciona uma oportunidade ideal para investir a riqueza de forma a obter lucro.” (Tempo Comprado – a crise adiada do capitalismo democrático, Wolfgang Streeck, Conjuntura Actual Editora, Coimbra-Portugal, 2013, p. 124)

O Estado não foi criado para atender apenas os interesses dos rentistas. Ele tem uma missão civilizatória. No Brasil essa missão foi definida de maneira expressa pelo art. 3º, da CF/88: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Mas à medida que os rentistas capturam o Estado [isso pode ocorrer através de uma eleição ou de um golpe de estado como o que ocorreu em 2016] os interesses privados dos rentistas dominam totalmente a agenda pública e a sociedade civil se torna uma sociedade incivil.

A incivilidade do bolsonarismo é manifesto. O tirano brasileiro está destruindo todas as instituições públicas que permitiriam ao Estado realizar sua missão. Para a felicidade dos banqueiros e dos rentistas o art. 3º, da CF/88 foi brutalmente revogado “com o Supremo com tudo”. Abandonada à própria sorte, desempregada e faminta uma parcela crescente da população brasileira só poderá escolher morrer em conflito com a polícia ou morrer silenciosamente por causa da fome ou em virtude da ausência de atendimento médico.

O sucesso dos banqueiros e rentistas está acarretando o fracasso do Brasil. É preciso frisar que isso não é acidental. Ele é um programa de governo coerente e imposto de maneira impiedosa por um Ministro da Economia que odeia as empregadas domésticas. Elas não podem viajar para a Disney. Os filhos delas não devem ter direito a estudar em universidades públicas. O combate à pobreza foi abandonado. Apenas os lucros dos banqueiros são levados em consideração pelo Estado brasileiro.

No Brasil a eutanásia dos rentistas foi adiada para que o extermínio dos índios possa ser realizado. Não por acaso os Bancos são os maiores interessados na incorporação das terras indígenas ao ciclo de produção capitalista. A exploração da madeira, da mineração e da agricultura nas florestas conservadas pelos índios representam “… uma oportunidade ideal para investir a riqueza de forma a obter lucro.”

O aumento vertiginoso do excesso de liquidez dos Bancos prepara o massacre dos índios. Não por acaso eles já começaram a ser acusados de serem comunistas. Num contexto de desemprego, desespero, desesperança e empobrecimento de contingentes crescentes da população, não há espaço para solidariedade social.

E para piorar, a imprensa parece apostar na tragédia. Os jornalões, revistinhas e redes mafiosas de TV se recusam a criticar o neoliberalismo internacional e o seu subproduto local (o bolsonarismo) que está a transformar dezenas de milhões de brasileiros empobrecidos em inimigos mortais de alguns milhares de indígenas. Quando não há justiça social, nem crescimento econômico, nem emprego, nem políticas públicas que ajudem os mais pobres a escapar da miséria o crescimento do racismo se torna a única válvula de escape que paradoxalmente aumentará a pressão sobre os grupos sociais marginalizados pelos banqueiros e fragilizados com ajuda do Estado.

Não há solução para a crise brasileira dentro dos limites do neoliberalismo ou do bolsonarismo. A destruição de um deve necessariamente levar à substituição do outro. Caso contrário, além de parar de se desenvolver o Brasil passará por um processo de involução ainda maior do que aquele que nós já estamos vendo. É por isso que eu discordo dos analistas e dos líderes políticos que tentam evitar o acirramento da polarização ou construir uma alternativa eleitoral que leve Sérgio Moro ou Luciano Huck à presidência. Ambos estão comprometidos com o neoliberalismo. Portanto, inexiste qualquer diferença qualitativa entre eles e Jair Bolsonaro.

Huck e Moro podem perfeitamente continuar realizando os sonhos dos banqueiros garantindo o aumento dos lucros mediante genocídios mais ou menos programados. O pesadelo que ambos representarão para a população empobrecida e para os índios não será diferente daquele que já está sendo construído por Bolsonaro. A direita e a extrema direita brasileira radicalizaram em 2016. Esse não é o momento para a esquerda abaixar a guarda e abandonar totalmente os princípios civilizatórios inscritos no art. 3º, da CF/88.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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