A utopia bolsonarista não vê a desigualdade como problema e nem dá solução, por Renato Bazan

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A utopia bolsonarista não vê a desigualdade como problema e nem dá solução

por Renato Bazan

A ONG internacional Oxfam lançou nesta segunda-feira (26) o seu relatório anual de análise da desigualdade social no Brasil. É uma peça essencial para contar a narrativa dos nossos tempos: depois de 15 anos de ventos favoráveis para os mais pobres e periféricos, a maré aponta violenta para o desfiladeiro.

São números inquestionáveis de um cenário de concentração de renda: os 10% mais ricos tiveram um aumento de 6% nos salários, a metade mais pobre teve uma retração de 3,5%; o rendimento médio do topo foi de R$ R$ 9.519,10 em 2017, o da base, R$ 787,69; o número de pessoas oficialmente “pobres” (que vivem com menos de 1 dólar por dia) foi de 13 milhões para 15 milhões; o desemprego foi de 11,5% para 12,7%.

Isso apenas em um ano.

Empregador e empregado sempre tiveram uma relação tumultuosa no Brasil, mas uma característica do governo Temer foi seu projeto para transformar o mercado de trabalho em uma selva, onde vale a lei do mais forte. Por isso tentaram estrangular financeiramente a Justiça do Trabalho, e por isso aprovaram a Lei da Terceirização mais agressiva do planeta. Por isso Bolsonaro chegou perto de extinguir o Ministério do Trabalho na semana passada.

Neste quesito, Bolsonaro e Temer são idênticos – ambos desprezam soluções econômicas que mantenham o equilíbrio entre as partes do contra-cheque. A ajuda de especialistas é dispensada em assuntos de interesse social, junto com as vozes dos representantes da parte mais fraca. Dá-se os ombros às convenções internacionais e à própria Constituição se há dinheiro para ser feito.

É impossível ler o relatório da Oxfam e não enxergar nele uma revanche sobre a CLT, como se esse mesmo patronato que pagou milhões de reais no WhatsApp cobrasse uma dívida contraída na era Vargas. O aumento da desigualdade é obra de gente que vociferou contra a PEC das Domésticas, em um passado recente, e que talvez ressinta a Lei Áurea, num passado remoto. Criam uma oposição imaginária entre direitos sociais e crescimento econômico que não é reconhecida nem pelos seus pares ao redor do mundo.

Evidentemente, essa oposição não é verdadeira. Governos que priorizam direitos sociais criam ondas de benefícios que acabam enriquecendo até mesmo quem se imagina prejudicado. A política de valorização do Salário Mínimo instituída por Lula foi um exemplo clássico disso: com o aumento real ao longo dos anos, a população mais pobre foi sendo incluída nos mercados consumidores, seja pelas maiores remunerações, seja pelos benefícios atrelados a ele (como Bolsa Família e aposentadoria).

Ao aumentar o valor do Salário Mínimo e favorecer a formalização dos empregos, o que o PT promoveu foi um crescimento inédito nas pequenas cidades brasileiras, a maioria em termos territoriais. Isso, por sua vez, disparou uma onda que acabou chegando no empresariado. Até mesmo mercados historicamente elitizados, como a indústria cultural e o de cosméticos, aproveitaram um momento de magnífica lucratividade.

A viseira ideológica ultra-liberal de Temer e Bolsonaro não os permite enxergar a realidade desses números. Ambos usam a retração de 2014 para justificar seus ataques a Lula e Dilma – “quebraram o Brasil”, “tiram a liberdade do empresário para investir”, “criam estatal como cabide de empregos”. Nesta grita, dinamitam junto a ideia de que é possível o convívio harmonioso com diferentes classes sociais.

A má-fé no trato desta questão é estridente. Michel Temer, por exemplo, chegou a citar a Espanha como um exemplo a ser seguido – logo ela, que chegou a uma taxa de desemprego de 18,4% em 2017 depois de acabar com suas proteções trabalhistas. Elogiou inúmeras vezes Mauricio Macri, presidente da Argentina, onde os arrochos do governo levaram a um aumento de pobres e miseráveis (32,9% em um ano!).

Agora Bolsonaro olha o Chile de Pinochet com os mesmos olhos. Não enxerga nem o aumento vertiginoso da pobreza daquela época, nem a ditadura sanguinária que levou a ele.

Não é necessário nenhum gênio da economia para perceber que isso não beneficia ninguém, nem mesmo os porcos que chafurdam no autoritarismo. Se há algo que o último governo militar ensinou ao Brasil, é que crescimento sem distribuição não funciona – em primeiro lugar, é preciso respeitar as pessoas para encontrar soluções. É algo que o clã Bolsonaro jamais entenderá.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Lojistas cobrando a
    Lojistas cobrando a conta…..

    A reforma da previdência fica na conta dos abutres, dito “mercado”, mas essa parece que poucos querem entregar………

    O testa de ferro do Mefistófeles, parte interessada, vai tentar aprova-la a todo custo, mas esse é o primeiro tosco desse governo bisonho a cair …

  2. Economia ou humanidade

    Entranho como usamos a palavra ‘humanidade’ para referirmo-nos a algo nobre, elevado que nos reporta a sentimentos como bondade, solidariedade, piedade e altruísmo. Na prática vemos a humanidade caminhar ao lado da crueldade, da indiferença, da intolerância e do egoísmo.

    A desigualdade é resultado disso e não de políticas econômicas. Nenhum ser humano, no sentido romântico dado à palavra, tomaria de sã consciência e com paz consigo mesmo medidas que excluem, reduzem e maltratam outros seres humanos em nome dos interesses de uma minoria de privilegiados. Ninguem, digno do adjetivo humano, privaria seus semelhantes da oportunidade de uma vida digna em nome de uma teoria econômica que, comprovadamente, mata seus semelhantes menos favorecidos e mais vulneráveis.

    A questao aqui não é a Economica é a índole e o caráter das pessoas. Infelizmente.  

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