Antonio Delfim Netto: O fim do capitalismo…

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

O fim do capitalismo…

Por Antonio Delfim Netto

O ilustre professor Wolfgang Streeck, atualmente no Instituto Max Plank, foi entrevistado (por e-mail) pela competente jornalista Vanessa Jurgenfeld, do Valor. O resultado foi publicado numa brilhante página deste jornal no dia 26 de dezembro.

Streeck é um sociólogo, historiador e economista (melhor apetrechado, na mesma ordem, nas três disciplinas) que sofreu grande influência do pensamento de Karl Polanyi. Trata-se do gigante historiador-economista húngaro, que publicou, em 1944, o hoje clássico “A Grande Transformação” – ele e Simmel – “A Filosofia da Moeda” – foram a sensação dos seminários do professor Heraldo Barbuy na FEA-USP, em 1949).

Nele se descreve a expansão da economia de livre mercado (no período 1830-1930), que ao mesmo tempo em que tornava a produção mais eficiente, gestava a “mercadização” da terra, do trabalho e da moeda, criando tensões sociais que acabaram impondo a volta do Estado, em 1930, para resolver a crise produzida pelo “laissez-faire”.

Sociedade civilizada depende do jogo entre urna e mercado

Fundamental é sua correta insistência “que toda economia é embebida nas relações sociais”. “A Grande Transformação” é obra datada, mas sua articulação sobre as consequências da irrestrita mercadização da “terra, do trabalho e da moeda” mostra os inconvenientes desse processo, os limites dos mercados completamente desregulados e explica por que eles são momentos de exceção na história do homem.

Para o professor Streeck, “o capitalismo democrático do pós-guerra está claramente desaparecendo desde o fim dos anos 70” e “há a questão da sua futura viabilidade enquanto modo de produção e enquanto sociedade. Se por uma sociedade capitalista queremos dizer a capacidade de extrair bens e benefícios coletivos ‘da ordem do egoísmo’ – o mercado -, podemos já estar vendo o seu falecimento”.

Na entrevista, ele afirma: 1) “o capitalismo como tal sempre foi uma ordem social fundamentalmente instável. E, também, sempre foi contestado” (o que é verdade); 2) “Extrair bens coletivos da busca privada por interesses materiais particularistas exigia instituições políticas complexas que o capitalismo foi e é incapaz de criar” (a história mostra que é meia verdade, veja o item 4 abaixo); 3) “O capitalismo precisa de adversários fortes o suficiente para civilizá-lo” (o que é verdade. O grande adversário foi criado pela organização política do “trabalho” que recusou sua completa “mercadização” e inventou o sufrágio universal, o mais poderoso instrumento civilizador dos mercados); 4) “Hoje em dia, nossas sociedades podem ter perdido a capacidade de conter e controlar os mercados e, assim, tornar o capitalismo socialmente aceitável” (há uma contradição, pois no item 2 se afirma que elas nunca tiveram); e, finalmente,

5) “Parece que os agentes políticos atualmente estão ficando sem solução em vários fronts” (mas, se não for a política, quem nos salvará?).

Mais desconcertantes são as conclusões finais do professor Streeck, que aumentam a probabilidade de não existir qualquer solução. Já que o capitalismo sobreviveu até aqui, diante de todas as suas “contradições”, a arguta e provocadora entrevistadora lhe perguntou: “Nem mesmo há movimentos revolucionários capazes de fazer frente ao capitalismo”?

Ao que ele respondeu: “No que se refere às revoluções, elas são difíceis de serem organizadas mundialmente. Vejo muito descontentamento social que, entretanto é improvável que seja capaz de consertar (sic) ou derrubar (sic) o capitalismo. E não se esqueça de que consertos pró-capitalistas nem sempre são agradáveis. Tivemos uma série deles na primeira metade do século XX e, como no Chile, na segunda metade”. “Eles incluíram guerras, regimes ditatoriais e muita destruição e devastação (e os do pró-socialismo o que produziram, pergunto eu?).”

Termina enigmático: “Vamos ver que medidas virão a seguir, quando o dinheiro dos bancos centrais enfim tiver se tornado demasiado tóxico”…

Streeck deixa no ar (ainda que rejeite explicitamente) a mesma e melancólica conclusão de todos os que preveem (ou desejam?) o “fim do capitalismo”. O “caos” será superado por um misterioso caminho “não político”: um ente metafísico estabelecerá a “ordem”, que proporcionará a todos a “liberdade”, a “igualdade” e a “eficiência” produtiva…

O problema é que a evidência histórica mostra que esses três objetivos não são inteiramente conciliáveis e que só podem ser perseguidos por movimentos políticos de “catraca”: a melhora de um (liberdade, igualdade, eficiência) não pode ser feita à custa da piora dos outros, mas pelo aperfeiçoamento institucional que os combine num nível superior.

Esse é o papel do jogo entre a urna (cujo funcionamento depende das instituições que regulam o voto, do nível da educação da sociedade e do reconhecimento dos limites dos recursos físicos) e o mercado (cujo bom funcionamento exige um Estado regulador constitucionalmente limitado).

É assim que nos aproximaremos da sociedade civilizada, sem “curto-circuitos” que sempre a atrasaram e terminaram mal, porque têm o endereço errado: exterminar esse camaleão adaptativo cheio de problemas, que chamamos de “capitalismo”…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. Nosso AA já tinha cantado essa bola

    Qual é a tese central de seu novo livro sobre os mercados e a globalização?

    André Araújo: Tento mostrar como o processo de substituição dos Estados pelos mercados levou os países em desenvolvimento a um impasse no crescimento, criando uma inédita estagnação da economia, concentração de renda, miséria e exclusão social.

    Leiam a imperdível entrevista dele sobre seu livro:

     “As origens ideológicas do Plano Real

    1.  
      Realmente Assis Ribeiro,

       

      Realmente Assis Ribeiro, excelente entrevista. Que de resto, aguça o interesse pela leitura do livro do AA.

      Orlando

  2. Bancos Centrais tóxicos

    Não acho tão enigmática a previsão do ilustre professor. O dolar vale hoje 2,5% do que valia na década de 70, quando o governo americano acabou com a paridade ouro estabelecida em Bretton Woods.  Se Washington tivesse que cumprir o acordo, estaria cem vezes mais quebrado que a Grécia. Ou seja, a pujança econômica americana parece fruto do papel que o dolar tem como moeda internacional. Mas surgiu o euro, os Brics estão querendo um sistema próprio, os russos só querem ouro e os chineses chegam por todos os lados. Creio que o capitalismo, com os vícios financeiros que adquiriu, realmente está numa encruzilhada.

    1. Coisa de louco!

      Quando de Gaulle falou que queria a parte dele (da França) em ouro (da suas reservas em dolar) a casa caiu!

      Mui malandramente Nixon (de quem eu, nem o Westmoreland, não compraria um carro usado) denunciou o acordo, antes que virasse  moda e todos aqueles que tem verdinhas debaixo do colchão imitasse o frances!

      Dai nasce um dos maiores (senão o maior) problemas econômicos atuais: os déficits gêmeos estadunidenses.

      E fica uma para qualquer neoliberal pensar: austeridade é bom, na casa dos outros!

      Agora o Prof. Delfim ficar dando mais volta do que ele dava quando ocupava a cadeira de ministro do por que essa ingrata da inflação  insistia em subir para justificar a perenidade de um sistema que carrega em seu bojo todo aparato de autodestruição é indigno!

  3. O “moinho satanico” (Owen) ao

    O “moinho satanico” (Owen) ao qual Polanyi se refere está aí. Mas a “sociação” e o impulso á socialbilidade do qual Simmel fala estão muito prejudicados. O que se vê é o aumento da boçalidade e do autismo devido á difusão das ideologias antissociais ao longo de décadas de simplificação neoliberal.

    Ao longo dos séculos XIX e XX o proceso de “proletarizção” destruiu os laços de sociablidade tradicionais que eram reconstruídos de modo transformado no ambiente urbano industrial.

    Hoje esse processo talvez esteja esgotado. Num cenário de fragmentação extrema do quadro de referencias individuais e coletivas émuito difícil encontrar algo que contraste essa desintegração social. E é exatamente no momento em que se nota uma desintegração do sistema econômico que a urgência por encontrá-lo é maior, o que torna o quadro mais dramático.

    Não acho promissor, analogamente à desregulação econômica, quando os cartéis da comunicação social atuem sem limites na direção da desintegração social e do amesquinhamento permanente do debate público. Pois é isso que está acontecendo: com a maior difusão dessa ideologias antissociais inspiradas em um “liberalismo” de pé quebrado, o que se está perdendo é a noção de República. Eu chamo isso de republicídio.

  4. Fim do capitalismo?

    Estamos em uma situação clássica onde o nível de desenvolvimento das forças produtivas se rebelam com as relações de produção (o fantasma do Karl Marx não deixa de atormentar). Não acredito de que os sinos dobraram para o capitalismo (embora não seja amante desse sistema), e que, sim, uma nova virada interna ao capitalismo terá de vir à luz do dia.

    Da mesma forma que a crise de trinta gerou historicamente o Estado do Bem-Estar e, no aspecto teórico, a Macroeconomia, nos encontramos em um momento onde os paradigmas políticos e teóricos dos Séculos XIX e XX esgotaram sua capacidade prática. A informática e o concatenamento globalizado e territorializado da produção, além de diversas inovações organizacionais da produção em APLs, cadeias de valor e redes de atores, reclamam por uma inovação institucional e teórica.

    E da mesma forma que as soluções práticas e teóricas já estavam à disposição, mesmo que de forma embrionária, uma olhada na realidade atual nos permite apontar para a solução da atual crise política e teórica. Na verdade, a saída para a atual crise do capitalismo requer uma reorganização completa do capital, superando fragmentações promovidas pelo neoliberalismo, que veio substituir por algum tempo a camisa de força sistêmica que o Estado de Bem-Estar tinha gerado ao longo de suas décadas de sucesso (grandes conglomerados em uma única empresa; a intervenção ubíqua do Estado na economia); essa superação do Estado de Bem-Estar promoveu então, novos espaços de liberdade que gerou um dinamismo frenético por quase três décadas, por meio de políticas de desestatização e desregulamentação. Mas que, no final das contas, encontra-se hoje esgotado.

    O que a realidade mostra é a importância da construção de sistemas produtivos integrados (mas em redes de empresas ao invés de em uma única empresa só), organizando territórios produtivos, mas relacionados com as cadeias globais. Nesse contexto, teríamos também uma nova abordagem do Estado, superando o Estado máximo-provedor e o Estado mínimo-regulador. No seu lugar teríamos o Estado orquestrador-facilitador, que incentivaria pelos diversos meios (correntes e por criar) da política econômica e de regulação a cooperação interempresarial territorializada, concatenada nas cadeias globais de valor.

    No plano teórico, temos de dar a luz ao bebê já crescido no ventre dos acontecimentos e do desenvolvimento teórico, que é a MESOECONOMIA. Esse termo já é utilizado mesmo que ainda de forma embrionária, e essa nova disciplina teria por escopo entender as leis que regem o comportamento dos sistemas produtivos integrados e de seus mercados globais e regionais, sistemas esses que concatenam cadeias inteiras de atividades econômicas.

    Os conceitos de cadeia de valor, análise insumo-produto, economia institucional, custos de transação, Teoria dos Jogos, entre outros, que estão perdidos nos espaços entre o micro e o macro, já são germes de um novo bloco teórico a se consolidar e que deverá dar novas orientações para a política econômica.

    Enquanto isso, sobretudo em nossos desertor intelectuais, continuamos a assistir a luta de gladiadores entre keynesianistas e monetaristas, entre socialistas e liberais, programa esse já tão cansativo e insosso quanto as inúmeras repetições do BBB…

     

  5. Fim do capitalismo?

    Estamos em uma situação clássica onde o nível de desenvolvimento das forças produtivas se rebelam com as relações de produção (o fantasma do Karl Marx não deixa de atormentar). Não acredito de que os sinos dobraram para o capitalismo (embora não seja amante desse sistema), e que, sim, uma nova virada interna ao capitalismo terá de vir à luz do dia.

    Da mesma forma que a crise de trinta gerou historicamente o Estado do Bem-Estar e, no aspecto teórico, a Macroeconomia, nos encontramos em um momento onde os paradigmas políticos e teóricos dos Séculos XIX e XX esgotaram sua capacidade prática. A informática e o concatenamento globalizado e territorializado da produção, além de diversas inovações organizacionais da produção em APLs, cadeias de valor e redes de atores, reclamam por uma inovação institucional e teórica.

    E da mesma forma que as soluções práticas e teóricas já estavam à disposição, mesmo que de forma embrionária, uma olhada na realidade atual nos permite apontar para a solução da atual crise política e teórica. Na verdade, a saída para a atual crise do capitalismo requer uma reorganização completa do capital, superando fragmentações promovidas pelo neoliberalismo, que veio substituir por algum tempo a camisa de força sistêmica que o Estado de Bem-Estar tinha gerado ao longo de suas décadas de sucesso (grandes conglomerados em uma única empresa; a intervenção ubíqua do Estado na economia); essa superação do Estado de Bem-Estar promoveu então, novos espaços de liberdade que gerou um dinamismo frenético por quase três décadas, por meio de políticas de desestatização e desregulamentação. Mas que, no final das contas, encontra-se hoje esgotado.

    O que a realidade mostra é a importância da construção de sistemas produtivos integrados (mas em redes de empresas ao invés de em uma única empresa só), organizando territórios produtivos, mas relacionados com as cadeias globais. Nesse contexto, teríamos também uma nova abordagem do Estado, superando o Estado máximo-provedor e o Estado mínimo-regulador. No seu lugar teríamos o Estado orquestrador-facilitador, que incentivaria pelos diversos meios (correntes e por criar) da política econômica e de regulação a cooperação interempresarial territorializada, concatenada nas cadeias globais de valor.

    No plano teórico, temos de dar a luz ao bebê já crescido no ventre dos acontecimentos e do desenvolvimento teórico, que é a MESOECONOMIA. Esse termo já é utilizado mesmo que ainda de forma embrionária, e essa nova disciplina teria por escopo entender as leis que regem o comportamento dos sistemas produtivos integrados e de seus mercados globais e regionais, sistemas esses que concatenam cadeias inteiras de atividades econômicas.

    Os conceitos de cadeia de valor, análise insumo-produto, economia institucional, custos de transação, Teoria dos Jogos, entre outros, que estão perdidos nos espaços entre o micro e o macro, já são germes de um novo bloco teórico a se consolidar e que deverá dar novas orientações para a política econômica.

    Enquanto isso, sobretudo em nossos desertor intelectuais, continuamos a assistir a luta de gladiadores entre keynesianistas e monetaristas, entre socialistas e liberais, programa esse já tão cansativo e insosso quanto as inúmeras repetições do BBB…

     

  6. Caro Nassif e demais
    Não

    Caro Nassif e demais

    Não estamos no fim do capitalismo, mas nas mudanças de regras do capitalismo.

    Há um novo modelo em construção.

    O Richa, Cunha, Renan que o diga.

    Não vai sobrar pedra sobre pedra.

    Saudações

     

  7. Delfim e suas limitações teóricas e pessoais

    Não estudar dá nisso, a perenização da burrice.

    No Logos Babilônico do Heródoto, 3000 anos atrás, está o pacto que os humanos civilizados aceitam para deixar a barbárie usando um instrumento imaginário, o dinheiro, como ferramenta deste acordo.

    Em cima do uso do dinheiro, as práticas comerciais aperfeiçoaram um sistema em que a economia podia produzir o seu máximo – O Capitalismo.

    Para que este sistema maximizador não criasse privilégios nefastos, foi introduzido regras de higienização nele.

    Estas regras foram quebradas unilateralmente por uma casta oportunista que desvirtuou este sistema e o cooptou em benefício próprio. Quando um perde outro ganha.

    Reclamar que ele não funciona agora para a populalção em geral é chover no molhado

    Percebam que o que eu falo não foi tocado pelo articulista, nem pelos colegas comentaristas aqui do blog e não será rebatido por ninguém.

    Os que estão levando vantagem não vão fazer marola ou sair da moita, se fosse eu, ficava na espreita, quieto e faturando também hehehehe

     

  8. Delfim e suas lições sofísticas

    Ao dizer que a organização política do “trabalho” inventou o sufrágio universal, sendo este o mais poderoso instrumento civilizador dos mercados, é de de uma sofística exemplar…tremenda desconversa, pois, como qualquer um pode perceber, o sufrágio universal, além de não ser tão universal assim, é coordenado por uma ordem política manipulada pela pressão econômica, de forma que o trabalho não tem expressão nas eleições gerais, pois o poder econômico compra eleitores, votos, todo o processo, elege quem quer e faz as leis que necessita para manter a fraude democrática de pé – de pé só para os tolos.

    O voto não é remédio.

    O que fez a democracia capitalista não soçobrar diante da sanha de seus financistas foi a Guerra Fria, a existência de um bloco de oposição forte, controlado pela então União Soviética. 

    Quando o bloco virou pó, o velho capitalismo de sempre afiou suas garras, e o que temos hoje são democracias que o dinheiro comprou e uma enorme desigualdade de renda entre os cidadãos que integram nações cada vez mais combalidas, sob o domínio das corporações financeiras.

    Delfim, vá ser sofista assim nos anos 70…

  9. delfim civilizado.
    sabe que

    delfim civilizado.

    sabe que errou.

    portanto, tem experiencia para saber que da

    barbárie não sai nada que preste. .

  10. a era do conhecimento

    um ente metafísico estabelecerá a “ordem”, que proporcionará a todos a “liberdade”, a “igualdade” e a “eficiência” produtiva…

    Cito essa pequena peça da entrevista com o único propósito de excuí-la das considerações seguintes.

    A história mundial depois desde o século XVIII tem se constituído de desdobramentos da Revolução Científica, defensavelmente o maior evento da História. Tal revolução levou ao Iluminismo, pai de todas as ideologias, incluindo o republicanismo filosoficamenre democrático das revoluções francesa e americana, o fascismo, o nazismo e o comunismo. Levou também ao capitalismo, que por sua vez gerou a maior onda de prosperidade jamais vista, por meio de sucessivas revoluções tecnológicas e industriais. A primeira revolução industrial, cujo emblema é James Watt, logrou o domínio inicial da energia para mecanizar a produção e o transporte de vários bens, o que deu fim à escravidão. As sucessivas revoluções técnicas levaram à automatização de toda a atividade industrial e nas últimas décadas também à trivialização do processamento e transmissão da informação. O trabalho humano manual já foi quase abolido e o mesmo está em vias de ocorrer com grande parte do trabalho no setor de serviços. Os economistas são uma classe de profissionais especializados em ignorar a essência dessa evolução.

    Na era do conhecimento, o fundamento de qualquer sociedade bem sucedida é o preparo da sua população em… conhecimento. Claramente, indicadores numéricos simplistas nem sempre são esclarecedores, mas gostaria de apontar que há uma correlação perfeita entre o sucesso econômico de uma sociedade moderna e o número de ganhadores do Nobel (exceto Nobel da Paz, de Literatura e…. de Economia).

    Na era do conhecimento, até mesmo recursos naturais são em grande parte uma entidade de caráter cultural. Por serem ricos em petróleo, os americanos criaram a era do petróleo. O Brasil tem 90% das reservas mundiais de nióbio, mas este elemento ainda tem pouquíssima relevância na vida moderna. Por ser rica nos elementos chamados Terras Raras, a China os vem transformando em produtos essenciais à alta tecnologia.

    O principal elemento limitador da capacidade produtiva das sociedades capitalistas tem sido a escassez de energia. Isto porque elas permaneceram por tempo excessivamente longo presas à energia barata baseada no carbono mineral. A energia nuclear tem sido subutilizada porque gera temor no público. O gargalo de energia está sendo superado por técnicas diversas. Uma delas é a de exploração de novas fontes de carbono mineral para produção de combustíveis. Mas essa alternativa não será durável porque não evita a geração de gases de efeito estufa. A atmosfera não tem capacidade para absorver mais dióxido de carbono e o destino da maior parte do carbono mineral do mundo é permanecer enterrado. Mas o uso de energias renováveis e limpas, conjugado ao invevitável uso da energia obtida por fissão nuclear, no médio prazo reduzirá enormemente o uso do carbono mineral, nas suas diversas formas. Além do mais, a maioria dos produtos tradicionais será substituída por outros cuja produção e operação demandem menos energia. Essa iminente revolução também será principalmente técnica, e por isso seu principal recurso natural serão pessoas bem educadas. 

    A financeirização da economia é uma decorrência meio natural da economia baseada no conhecimento. Isso porque o fundamental para os países dominantes é a posse do conhecimento, o bem realmente precioso do nosso tempo. Os bens e serviços de alto teor tecnológico geram resultados financeiros muito superiores aos demais bens, hoje englobados no termo commodities. Independentemente de onde os produtos de alta tecnologia sejam produzidos, o maior retorno fica com as sociedades que desenvolvem a sua técnica. Altamente capitalizadas pela renumeração da técnica, o mais conveniente para as sociedades tecnológicas é a liberação desse capital para ser aplicado onde os custos ambientais e de uso de mão de obra pouco qualificada sejam menores. O notebook Dell no qual redijo este texto contém compoentes produzidos em dezenas de países ao largo do mundo, finalmente ajuntadas para formar o produto final. Sua comercialização é feita pela internet e dispensa lojas. Termos tais como capitães da indústria hoje fazem parte apenas da mente de pessoas que não ainda não entenderam as mudanças. A lógica enonômica de toda essa complexidade é a redução do custo com que se consegue entregar o produto ao consumidor. E essa é a única lógica do capitalista. 

    O capitalismo é essencialmente injusto. Justiça não faz parte da lógica econômica capitalista. E há agravantes. Com o avanço da tecnologia, o poder de barganha dos trabalhadores pouco qualificados se reduz continuamente, principalmente em um mundo ainda demograficamente dominado por países com farta oferta desses profissionais. Para esses países, tentar escapar da liberalização do capital por meio de medidas políticas quase sempre é um tiro no pé, pois os capitalistas optam por deslocar seu capital para ambientes mais receptivos. 

    As conclusões que essa análise reconhecidamente simplificada nos permitem são:

    a) o único caminho capaz de gerar riqueza e bem estar em um país é a educação adequada de toda a sua população; quanto melhor e mais inclusiva for a educação, melhor os resultados;

    b) o controle efetivo do uso e movimentação do capital só será conseguido com a redução das desigualdades regionais. Enquanto houver África, Índia e América Latina (uso os termos não no significado geográfico, e sim no sentido socioeconômico), o capital continuará sendo o senhor político do mundo.

     

        

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