Apreciação cambial, regressão tecnológica e queda da poupança agregada no Brasil, por Paulo Gala

Teriam essas dinâmicas impactos na poupança agregada de um país? Sim: em países emergentes o grosso da poupança doméstica é formado por lucro da empresas.

Apreciação cambial, regressão tecnológica e queda da poupança agregada no Brasil

por Paulo Gala

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A taxa de câmbio ou relação de preços entre bens transacionáveis e não transacionáveis sinaliza para uma economia caminhos para expansão ou contração. Se o preço dos transacionáveis está elevado em relação aos não transacionáveis, a economia tende a se direcionar para produzir esse tipo de bem. Basicamente bens industriais e complexos ou, dependendo das vantagens comparativas existentes, também commodities. Se os preços de bens não transacionáveis começam a subir, a economia se redireciona para produzir esse tipo de bem ou serviço; destaque aqui para real estate e serviços não sofisticados (varejo, shopping centers, restaurantes, etc…).

O setor de bens transacionáveis sofre duplamente nesse caso: por um lado o preço dos transacionáveis cai domesticamente e por outro o custo de produção dos transacionáveis aumenta dado que os custos de trabalho (não transacionáveis) sobem. A rentabilidade para produção de bens transacionáveis cai muito e a produção começa a parar (desindustrialização no limite). A vantagem do setor de bens não transacionáveis é que pode seguir aumentando preços (inflação de serviços) por não enfrentar a concorrência do mercado mundial (mecanismo Balassa-Samuelson).

Teriam essas dinâmicas impactos na poupança agregada de um país? Sim: em países emergentes o grosso da poupança doméstica é formado por lucro da empresas. Na medida em que o setor industrial e de bens transacionáveis da economia começa a regredir por conta da apreciação cambial há queda generalizada de lucratividade nesse setor. Para que os lucros agregados e a poupança não caiam é necessário que a lucratividade do setor de bens não transacionáveis permaneça elevada e continue se expandindo com margens elevadas, o que é possível mas difícil dado o menor potencial de economias de escala nesse setor. Via de regra expansões excessivamente dependentes do setor de não transacionáveis acabam resultando em inflação e déficit externo (uso de “poupança externa”). Fica mais fácil entender o raciocínio pensando numa expansão puxada pelo setor de transacionáveis não commodities; nesse caso as economias de escala são abundantes, então a expansão gera forte aumento de lucros no setor, não há pressão inflacionária e não há pressão externa (no limite pode se produzir um superávit em conta corrente). Duas observações sobre esse tipo de dinâmica: i)o comportamento da poupança nesse tipo de análise depende fundamentalmente da lucratividade das empresas, aumentos de salários resultam em aumentos de consumo, especialmente para baixos níveis de renda como se observou no Brasil dos últimos anos, ii) trajetórias de crescimento puxadas pelo setor de bens transacionáveis ou não transacionáveis impactam no nível de poupança agregada e a dinâmica tecnológica; o câmbio afeta a taxa de poupança e a produtividade.

No Brasil dos últimos anos observamos forte aumento de preços de não transacionáveis em relação a transacionáveis, aumento do custo unitário do trabalho (salario/produtividade), queda da indústria e expansão dos serviços, ampliação do déficit em conta corrente, crise cambial, destruição de complexidade econômica e queda de produtividade agregada. Boom de consumo de bens importados baseado em expansão de credito e boom de commodities. Expansão dos investimentos no setor imobiliário e infra-estrutura num primeiro momento, seguida de forte reversão e queda. Queda geral da lucratividade das empresas, especialmente no setor de bens transacionáveis e queda da poupança agregada. O Brasil respondeu ao aumento relativo de preços de não transacionáveis seguindo a dinâmica descrita acima, especialmente a partir de 2010. Houve substituição de poupança interna pela externa para financiar consumo e regressão tecnológica.

ver Sobrevalorização cambial no Brasil dos últimos 10 anosa Economia da bolhaa regressão tecnologica da economia brasileiraa exaustao do ciclo CCC no Brasil

Brasil_ECI

Redação

4 Comentários

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  1. Eu pessoalmente sempre achei um erro o Real valorizado ao ponto da obsessão para conter a inflação. O país desembarcou da economia industrial sem colocar nada no lugar ao longo de décadas de chantagem do financismo desbragado.

    O próprio PT, PT, PT sucumbiu desde os primeiros dias do pagliocci, desperdiçando a chance de fazer o ajuste logo nos primeiros dias de governo, mas, preferiu dar uma de “very serious” (como o Paul Krugman vem chamando).

    De todas as boçalnarices desse bando de desvairados, essa aí eu nem comento, prefiro apontar o torra-torra de reservas cambiais que o “Foro de São Paulo” acumulou e eles estão queimando como adolescentes que recebem uma herança.

    1. Lucinei (segunda-feira, 02/03/2020 às 09:37),
      Este artigo do Paulo Gala, parece ser antigo. Ele recrimina a sobrevalorização do real. Ele está certo, mas há que ponderar as várias circunstâncias. Uma bastante esquecida é que inflação alta derruba governos democráticos com mais facilidade do que inflação baixa. E é importante também observar que a formação de reservas é mais fácil de ser feita com o real valorizado. Também a troca da dívida externa por dívida interna tem um custo menor se feita com o real valorizado.
      Assim, primeiro não se pode esquecer que a valorização ao combater a inflação garante mais governabilidade. Na democracia a valorização da moeda é quase uma consequência. Se atualmente Paulo Guedes conseguir uma maior desvalorização sem que haja quebra do processo democrático será um feito extraordinário.
      O problema é que mais à frente a valorização volta à medida que a economia do pais começa a crescer e se torna atrativa para o investidor externo. Então o verdadeiro problema é o câmbio livre que não permite que o real se desvalorize por um longo tempo (Uns 30 anos).
      Assim concordo com o seu primeiro parágrafo. Não faço a crítica que você fez ao PT no segundo parágrafo, pois as circunstâncias não permitiam que o governo de Lula permanecesse com o real desvalorizado. E não entendi o que você quis dizer com “boçalnarices desse bando de desvairados”. E nem a frase que se segue em que você diz: “essa aí eu nem comento”. “Essa aí” deve ser uma boçalnarices, mas eu fiquei sem entender a que você se refere.
      Aliás, o torra-torra de reservas cambiais não é errado se se imagina que com mais reservas o real fica mais valorizado e com menos reservas o real fica mais desvalorizado. Então para quem como eu e também para quem como você no seu primeiro parágrafo achou um erro a valorização do real no primeiro governo de Lula, o torra-torra de reservas cambiais não é ruim. Até porque comprou com um real valorizado e está vendendo com o real desvalorizado o que significa redução forte da dívida pública bruta.
      Clever Mendes de Oliveira
      BH, 02/03/2019

      1. As “boçalnarices” são as que surgem diariamente, não só do zero um, mas de todo o bando, incluindo os ministros, incluindo o tchutchuca dos banqueiros falando de empregadas domésticas.

        O Bresser Pereira há muito que vem falando que o dólar em torno de R$4 seria bom. Nao sei o preço que ele estima hoje em dia.

        Outra coisa é o torra torra de reservas. Não se trata de um jogo natural, como o sol que nasce e se põe. Pelo contrário, é feito por gente, e é dinheiro publico que está sendo manejado. Não pode ser tratado como uma caixa preta. Nesse joguinho aí de cambio e swap tem gente embolsando uma bela bolada e pronto, fica tudo por isso mesmo como se não interessasse a mais ninguém.

  2. Eu pessoalmente sempre achei um erro o Real valorizado ao ponto da obsessão para conter a inflação. O país desembarcou da economia industrial sem colocar nada no lugar ao longo de décadas de chantagem do financismo desbragado.

    O próprio PT, PT, PT sucumbiu desde os primeiros dias do pagliocci, desperdiçando a chance de fazer o ajuste logo nos primeiros dias de governo. Preferiu dar uma de “very serious” (como o Paul Krugman vem chamando)… Não percebeu, o “espertinho”, que olham pra ele e enxergam uma estrela colada na testa: pior, uma foice e um martelo!

    Resumindo, rifaram o pobre “responsável” sem qualquer remorso…

    De todas as boçalnarices desse bando de desvairados, essa aí eu nem comento, prefiro apontar o torra-torra de reservas cambiais que o “Foro de São Paulo” acumulou e eles estão queimando como adolescentes que recebem uma herança.

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