Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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As promessas de Guedes, por Paulo Kliass

A promessa mais recente do superministro foi feita há poucos dias na sede da outrora toda poderosa FIESP, em São Paulo. Como é amplamente sabido, o fenômeno da desindustrialização tem atingido de morte o parque manufatureiro nacional

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

do Vermelho 

As promessas de Guedes

por Paulo Kliass*

A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro em outubro de 2018 pode ser explicada por um conjunto amplo de fatores sociais, políticos e econômicos. Não é intenção deste breve artigo discutir esse processo à exaustão. Porém, é inegável que a aproximação do então deputado federal do PSL com um representante do mundo do financismo tenha facilitado essa trajetória. A partir do momento em que Paulo Guedes mergulha de cabeça na campanha, pouco a pouco começam a serem abertas as portas para que o candidato adentrasse os salões da nata das elites de nosso País.

Em um determinado momento do segundo semestre daquele ano, Bolsonaro assume que não entende nada mesmo de economia e indica o operador do mercado financeiro como o “seu Posto Ipiranga”. Isso significava que, a partir daquele momento, todas as dúvidas relativas à matéria deveriam ser encaminhadas ao seu futuro superministro. Tal qual a peça publicitária da rede distribuidora de combustíveis, Guedes concentraria todas as respostas sobre o futuro da economia em um possível governo do capitão.

Guedes: de assessor a superministro

Com os resultados confirmados no segundo turno das eleições, as expectativas com relação ao desempenho da equipe reunida em torno do poder concentrado em torno do ex assessor de Pinochet começam a fervilhar nas altas esferas do poder econômico. O futuro superministro era bastante conhecido por sua truculência e capacidade de convencimento a respeito de seus projetos e intenções.

A turminha do seleto universo das finanças logo passou a reafirmar seu entusiasmo inicial com a chegada de Guedes ao poder. As previsões a respeito do comportamento de algumas variáveis relevantes para o cenário da macroeconomia são reveladoras a esse respeito. A cada semana, o Banco Central divulga sua pesquisa “Focus”, como tentativa de antecipar algumas tendências da dinâmica da economia. Mas para tanto, são convidados a opinar apenas um seleto grupo de 140 pessoas umbilicalmente vinculadas aos interesses do mercado financeiro. Nenhum economista plebeu, seja pesquisador ou professor universitário, é chamado para fazer parte dessa trupe aristocrática.

As expectativas com relação à capacidade de Paulo Guedes resolver de vez o problema do “não crescimento” da economia guardavam muita semelhança com o momento que se seguiu ao impeachment de Dilma Roussef e à chegada de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda de Temer. Todos sabemos o resultado que veio daquela passagem. Continuidade da recessão e quebra generalizada da capacidade de recuperação das finanças públicas.

PIB: entre a previsão e a torcida

Mas mesmo assim, o otimismo do mercado em relação a Guedes era evidente. Vejamos abaixo o resultado da pesquisa do BC para o quesito “crescimento do PIB em 2020”. Entre o resultado das eleições e o primeiro trimestre do governo, as previsões para o crescimento do PIB de 2020 elevam-se rapidamente. Na sequência, com as dificuldades enfrentadas pela gestão de Bolsonaro, a previsão despenca no segundo semestre do ano passado. E agora volta a subir mais uma vez. Enfim, nada que justifique uma oscilação tão expressiva em intervalos bastante curtos de tempo. Trata-se tão somente de torcida e especulação.

Na verdade, trata-se de uma aposta quase emocional no sucesso de Guedes à frente do comando da economia. Além de seu passado de compromisso explícito com os interesses do financismo, o superministro passou a fazer promessas com relação ao seu projeto de permanência no poder. E como essas declarações se orientavam exatamente pelo cardápio da austeridade fiscal e da ampliação do espaço para a acumulação de capital nos espaços públicos, o clima de festa se generalizou rapidamente no topo de nossa pirâmide da desigualdade.

Logo depois da posse, Guedes dirigiu-se ainda em janeiro a Davos para participar do Fórum Econômico Mundial. No evento, sua fala procurou oferecer um quadro de crise econômica sendo facilmente solucionada ao longo do primeiro ano de governo. Uma loucura! Mas sua promessa foi exatamente essa: zerar o déficit orçamentário em 2019. Afirmava ele para o clube de bilionários e os representantes das megacorporações globais:

(…) “Mais da metade do déficit vamos eliminar com a reforma da Previdência. Temos muitas concessões de petróleo. A outra metade disso, vamos eliminar neste ano com concessões de petróleo e uma lista imensa de privatizações. Então, em termos de dinheiro, vamos zerar o déficit este ano.” (…)

Promessas ou bravatas?

Ora, como qualquer estudante de primeiro ano de economia poderia imaginar, a declaração ficou mesmo em seu tom de bravata. A complexidade do processo econômico e as dificuldades no plano político indicavam que muito dificilmente aquela meta seria atingida. Pois o tempo avançou e os dados oficiais do Ministério da Economia revelam para quem quiser conferir que o ano fiscal de 2019 foi encerrado com um déficit primário da ordem de R$ 62 bilhões.

Guedes também prometeu resolver a questão do desequilíbrio fiscal vendendo todas as empresas estatais do governo federal. Por mais que sejam bastante evidentes as dificuldades de se cumprir tal objetivo, o superministro jamais se cansou de oferecer tal benesse ao capital em diversas oportunidades tal promessa.

(…) “Por mim, acho que devemos privatizar todas as estatais” (…)

Apesar da polêmica decisão do STF liberando a privatização das empresas estatais subsidiárias sem autorização do legislativo, sabemos que o governo tem enfrentado bastante dificuldade para chegar ao cenário maximalista da promessa de Guedes.

No campo da política tributária, o Ministro da Economia também prometeu e não cumpriu. Tendo em vista as esperadas carências de arrecadação provocadas pelo próprio processo recessivo, ele prometeu a restauração de um imposto semelhante à extinta CPMF. Sua promessa era de arrecadar R$ 150 bi por ano com o novo tributo. Como o impacto do mesmo sobre as contas do Tesouro é de grande magnitude, Guedes aceitou cometer um pecadilho e declarou a respeito de sua proposta:

(…) “ [o imposto] é feio, é chato, mas arrecadou bem e por isso durou 13 anos” (…)

A ideia não avançou no interior do governo e o próprio subordinado de Guedes que se ocupava de tais assuntos foi apresentado como boi de piranha para a solução política de tal desentendimento no primeiro escalão. O secretário Marcos Cintra foi exonerado por Bolsonaro e o assunto de uma possível volta da CPMF foi mais uma vez enterrado.

Guedes quer industrializar?

A promessa mais recente do superministro foi feita há poucos dias na sede da outrora toda poderosa FIESP, em São Paulo. Como é amplamente sabido, o fenômeno da desindustrialização tem atingido de morte o parque manufatureiro nacional. Um conjunto de medidas monetárias, fiscais e cambiais levadas a cabo ao longo das últimas 3 décadas têm provocado, de forma crescente e ininterrupta, a perda de capacidade da indústria brasileira.

A abertura comercial irresponsável iniciada por Collor em 1990 teve continuidade plena até os dias de hoje, expondo a indústria brasileira a uma concorrência internacional sem nenhum projeto de preservação e proteção de setores considerados estratégicos. A política monetária de juros elevados e sem controle sobre as práticas de expropriação dos bancos elevaram de forma expressiva os custos financeiros internamente. A política cambial de valorização por longos períodos favoreceu a importação sistemática de bens finais e intermediários. As mudanças foram estruturais e a recuperação da capacidade produtiva interna exige um grande esforço e uma importante concertação nacional em torno de tal estratégia.

Mas isso não impediu de Guedes de ali apresentar, ao lado do presidente da entidade paulista – Paulo Skaf, mais uma de suas promessas.

(…) “Vamos reindustrializar o Brasil” (…)

Todos conhecemos o passado do ministro. Todos conhecemos seus compromissos com o financismo. Todos conhecemos seu encanto com a abertura globalizada sem restrições. Todos conhecemos sua verdadeira aversão a qualquer intenção de política industrial.

Guedes prometeu recuperar o peso da indústria em nosso PIB? Acredite quem quiser.

é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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  1. Como administrador preciso estar atento aos movimentos da economia. Como administrador acredito em evidence based management, ou gerenciamento baseado em evidências. Como deve ser proverbialmente conhecido nem economistas e muito menos administradores têm o poder da premonição. Não conheço disciplina em Ciências Sociais Aplicadas que ensine o esotérico, o domínio do paranormal e muito menos o da clarividência. Logo, estamos presos ao passado para projetar o futuro. Baseamos nossas “previsões” em modelos que se utilizam de dados presentes, suas tendências e variáveis plausíveis que influenciando nas tendências projetadas permitam estabelecer cenários possíveis e prováveis. Ninguém, é bom que se diga, consegue projetar no tempo um determinado valor em casas decimais. Infomoney, ontem: “Relatório Focus, do BC, mostra queda na projeção para a inflação, de 3,25% para 3,22%, e vê PIB encerrando 2020 em 2,23%”. A questão não é a projeção em si, mesmo com uma precisão de centésimos desde que esclareçamos que projeções extrapolam situações,traçam tendências e estimam um resultado, não preveem o futuro. O problema é semântico. Quando o relatório “VÊ” o PIB em dezembro de 2020 com uma precisão de centésimos está alimentando uma falácia. Logo, o problema não mora na sua “acertividade”, mas, na assertividade com que os números são proferidos. Para exemplificar o efeito “torcida” tomemos o relatório do JP Morgan, cujo foco de interesse maior não é o mercado brasileiro de investimentos de risco; o banco, há uma semana, derrubou a expectativa para o crescimento do nosso PIB de 2,0% para 1,9%. Isso abre um buraco de 42 pontos bases ou 17% entre as previsões daqui e de lá.
    Então como vemos, considerando que ambas as previsões tomam dados semelhantes como base, sempre há o fator sensibilidade do analista contribuindo para a formação do número. Logo, trazem em seus componentes algum caráter subjetivo. Mesmo em modelos computadorizados, em algum momento, alguém introduzirá variáveis discricionárias no sistema. Há, portanto, uma variação dos resultados dentre modelos distintos que é ampliada quando a sensibilidade do analista é afetada pela torcida e especulação.
    É aí onde mora o perigo, quando a previsão vira manipulação. Esse perigo é real, decorre duma situação real e seus efeitos serão, como de sempre, sentidos. Tanto no lombo do crédulos, quanto nos demais. O crédulo tomará atitudes de consumo ou investimento baseado no futuro róseo desenhado no conto-do-vigário de Guedes e do mercado. Os demais, na medida do possível, tentarão buscar posições mais seguras, postergando decisões sejam quais forem em nome da auto preservação. Ambas as atitudes são deletérias para a saúde econômica e financeira dos agentes que funcionam na economia real e para a economia do país como um todo. São decisões tomadas em situação ilusória por uns e de incerteza pelos demais. Não há como dar certo. Vai dar ruim, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã.
    Vou repetir novamente, de novo e outra vez o que tenho dito reiteradas vezes, inclusive em diversos outros comentários por aqui: o empresariado brasileiro, os seus executivos, boa parte da dita elite e da classe média vivem uma dissociação cognitiva, sofrem de esquizofrenia com possíveis causas ideológicas que os impede de interpretar fatos. Devem estar em uma longa viagem de ácido que os levou a uma realidade paralela onde o mundo é róseo e o futuro brilhante, acreditando em fadinhas da confiança e outras barbaridades. Para Guedes e os demais predadores que dominam o mercado financeiro ludibriar essa galera tem sido mais fácil do que tirar pirulito de criança. Afinal, o surrupiado infante chora, grita e esperneia pondo a boca no mundo e armando o maior barraco. Já – escolhendo o mais lesado da turma – o industrial brasileiro perde o pirulito e bate palmas para o larápio. Vá entender…

    1. Em complemento: matéria no UOL, de hoje à noite, informa que ato de lançamento do Programa Brasil Mais, foi cancelado de última hora deixando os empresários que formavam enorme fila na entrada do Planalto chupando o dedo.
      O Programa, de coordenação do Ministério da Economia, anunciado com pompa e circunstância terá (ou teria) investimentos em torno de R$ 1 bilhão e, segundo Rêgo Barros, será (ou seria) “o segundo maior programa de produtividade do mundo e o maior programa de transformação digital da América Latina”. Não sei de onde ele tirou essa classificação, mas, em época de industria 4.0 devem haver muitos outros com orçamentos bem maiores que míseros USD 230 milhões prometidos ao Brasil Mais, o qual, pelo ocorrido, deu xabu na plataforma de lançamento.
      Mas, isso é irrelevante ao comentário anterior. O que se destaca é a completa ausência de consideração e respeito com os convidados. São pessoas que vieram de todos os cantos do Brasil para fazer salamaleques ao Presidente e ao Posto Ipiranga e estes os despacharam de volta com uma desculpa esfarrapada apresentada por Rêgo Barros, o porta voz (o que leva qualquer pessoa com o mínimo de brio e de autorrespeito, submeter-se a um vexame diário em nome de alguém como Bolsonaro? Só pode estar pagando promessa).
      Lidando com a finesse característica ao primeiro mandatário e seu superministro, desta vez, além de não ganharem pirulito, levaram um coturnaço nos fundilhos. E, mostrando que são completamente sem noção, irremediavelmente alienados, alguns irritados reclamaram à reportagem que “parte do PIB” (grifo original) estava sendo dispensada, sem explicações.
      Ora bolas, que “parte do PIB” poderia ser, zero vírgula alguma coisa? Para a maioria parece que ainda não caiu a ficha. É ridículo.

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