Atuação de Parlamentares Católicos Em questões Sociais e Institucionais, por Marcos Vinicius de F. Reis

Perante uma sociedade como a nossa, que possui diversos problemas sociais, a Igreja Católica busca ter o reconhecimento institucional de uma iniciativa que tem por finalidade diminuir a pobreza – o que pode lhe trazer vários benefícios.

Foto Observatório do 3o. Setor

Religião e Sociedade na Atualidade

Atuação de Parlamentares Católicos Em questões Sociais e Institucionais

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

Desde o final do século XIX, a Igreja Católica se posicionou a favor da defesa dos direitos sociais das pessoas, além de elaborar a Doutrina Social da Igreja. Nestes documentos, constam o posicionamento do catolicismo acerca de vários assuntos relacionados à temática social. Sua fundamentação consiste na promoção do outro, na recuperação da dignidade da pessoa humana. Ou seja, a Igreja Católica, por meio da ação dos leigos e padres possui a responsabilidade de ajudar a pessoa em sua inserção na sociedade.

Muitos movimentos progressistas católicos ou intelectuais progressistas católicos, a exemplo da Teologia da Libertação e das CEBs, Frei Betto e Leonardo Boff, fundamentam seus pressupostos nesses documentos (até mesmo a participação dessas lideranças em partidos de esquerda, como o PT e o PDT). Dito de outra forma, a temática social, entendida por esses grupos da esquerda católica, seria uma transformação estrutural da sociedade em benefício das camadas pobres. Haveria, portanto, melhor distribuição de renda,  políticas públicas para diminuir as dificuldades das pessoas, avanço nos direitos humanos, dentre outras práticas.

Os setores católicos mais conservadores vêem o social como algo relacionado à caridade ou ao assistencialismo. Os projetos sociais ou de lei defendidos não rompem com os problemas trazidos pelo sistema capitalista ou pela forma de governos dos últimos tempos no país. Ações como cesta básica, esmola e dia de destruição de alimentos são práticas muito comuns nessa tendência católica.

A partir disso, percebemos que boa parte dos projetos de lei propostos pelos deputados vinculados à RCC provém de partidos de esquerda, sobretudo do Partido dos Trabalhadores e do Partido Verde, que, historicamente, defendem os direitos sociais dos trabalhadores. O Deputado Estadual Reinaldo Alguz (PV/SP) elaborou o projeto “Programa Vila Dignidade”, expandido para mais de 63 cidades do estado de São Paulo. Esse projeto prevê a construção de uma vila para 24 moradores, visando a acolher o idoso com renda de menos de dois salários mínimos, com a justificativa de que, com o aumento da expectativa de vida do brasileiro para 72,5 anos, temos um aumento da população idosa no país que precisa de melhores condições de moradia. Assim, a iniciativa busca diminuir os problemas sofridos por pessoas dessa faixa etária.

A Deputada Estadual Maria Tereza Lara (PT/MG), em 2005, elaborou um projeto de lei que cria diretrizes no estado mineiro para o combate ao preconceito racial. Esse projeto prevê a criação de políticas públicas para a superação dos problemas socioeconômicos enfrentados pelos negros mineiros e diminuir a discriminação. Uma das medidas propostas nesse documento seria a conscientização dos negros sobre possíveis doenças que podem contrair e como podem se prevenir. As instituições mineiras de ensino superior precisam realizar pesquisas sobre a temática negra no estado, inserir no currículo dessas universidades e das escolas de ensino médio estudos sobre a saúde dos negros, educação dos negros e aspectos culturais. Haverá visita de profissionais da área de saúde às comunidades negras, entrada gratuita em eventos esportivos, celebração cívica dos principais marcos da história negra no estado, defesa no sistema de cotas, incentivo para empresas que contratarem negros, dentre outras medidas.

Outro projeto desta área foi proposto pelo Deputado Estadual Alessandro Molon (PT/RJ), que propõe a criação do bilhete único nos serviços de transporte coletivo Intermunicipal de passageiros na região metropolitana do Rio de Janeiro. O valor único do bilhete de transportepúblico do Rio de Janeiro faria com que a população economizasse com passagens relativas ao transporte e os usuários poderiam utilizar esse bilhete em um longo prazo de tempo.

Como podemos perceber, os projetos propostos pelos deputados vinculados à RCC na área social remetem a interesses da própria população em geral, o que favorece, por sua vez, à própria Igreja enquanto entidade religiosa e não aos interesses dos carismáticos, especificamente. Esses mandatários elaboraram propostas para beneficiar vários setores sociais, como uma forma de garantir a presença católica neste setor. Em relação aos seus partidos, por estarem inseridos, em sua maioria, em partidos de esquerda que podem defender posições na área social, esses políticos acabam, também, defendendo as orientações dos seus respectivos partidos.

O Deputado Alessandro Molon propôs, em 2005, o projeto que obriga as Organizações Não Governamentais que receberam algum tipo de benefício do Estado do Rio de Janeiro a prestar contas de seu uso, com a justificativa de ter mais transparência dessas instituições sobre como têm usado os recursos públicos em suas atividades diárias e como têm desenvolvidos suas atividades na sociedade.

O Deputado Estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB/SP) propôs, na Assembléia Estadual do Estado de São Paulo, em 2007, um projeto defendendo que os municípios paulistas aplicassem, em educação e saúde, 50% dos impostos de royalties pagos pelas empresas concessionárias produtoras de petróleo e gás natural. O autor alegou que o Estado de São Paulo havia aumentado consideravelmente a produção de petróleo com a descoberta de novas jazidas petróleo e gás natural no litoral do estado. Isso gerou um aumento na arrecadação de impostos sobre essas empresas e os recursos obtidos podem ser destinados a outras áreas sociais.

O deputado federal paulista José Carlos Stangarlini (PSDB/SP) propôs, em 2001, o projeto que prevê que os municípios sejam avisados sobre a liberação de recursos para outras entidades, no prazo máximo de dois dias. O autor propôs esta lei para que os municípios tenham conhecimento, de forma clara e rápida, sobre como tem sido gasto o dinheiro público nas instituição públicas a que os recursos são destinados.

No dia 27 de setembro, seja comemorado o Dia Nacional dos Vicentinos no Brasil. Esta data foi escolhida por ser o dia comemorativo da festa religiosa do beato Padre Antonio Frederico Ozanam, fundador da Associação São Vicente de Paula (Vicentinos). Os Vicentinos constituem uma associação religiosa ligada à Igreja Católica que tem por finalidade ajudar as pessoas de baixa renda. Fundada no século XIX, se espalhou com rapidez por todas as regiões do mundo, constituindo, assim, uma das maiores instituições caritativas católicas. De acordo com os dados emitidos pelo movimento, o Brasil é o maior país vicentino do planeta; aqui, a instituição nasceu em 1872, com a Conferência São José, no Rio de Janeiro. E conta com cerca de 250 mil voluntários, organizados em 20 mil Conferências e 33 Conselhos Metropolitanos. Semanalmente, os vicentinos distribuem mais de 800 mil quilos de alimentos, arrecadados por meio de campanhas junto aos colaboradores, além de remédios, roupas, materiais escolares e utensílios diversos. Com essas doações, a instituição mantém creches, hospitais e orfanatos.

Perante uma sociedade como a nossa, que possui diversos problemas sociais, pouca distribuição de renda e poucos investimentos e projetos nas áreas sociais, a Igreja Católica busca ter o reconhecimento institucional de uma iniciativa que tem por finalidade diminuir a pobreza – o que pode lhe trazer vários benefícios. No campo do marketing, a Igreja pode se utilizar da propaganda para ressaltar o seu compromisso com o social, e ser uma parceira com o Estado no combate às desigualdade sociais do Brasil. Isso lhe renderia uma imagem positiva perante as outras instituições religiosas. Em outras palavras, o reconhecimento público do dia 27 de setembro de todo o ano, mesmo não sendo feriado nacional, legitima a ação dos católicos por meio dos Vicentinos.

Para a Renovação Carismática Católica, é interessante a aprovação deste projeto. Por estar inserida em uma Igreja que possui o status de caritativa, automaticamente, os carismáticos incorporam tal status, e isto pode ser um elemento positivo para a expansão de suas atividades e o desentrave burocrático para futuros projetos que necessitem do aval do Estado.

Outro projeto salienta que o Santo Tomás Moro seria intitulado o patrono dos políticos do Brasil. Para os católicos, tal santo já o responsável pela proteção do exercício das pessoas nos cargos políticos. Canonizado em 1935, Thomás Moro, nascido em Londres no século XV, foi escolhido para tal função por ser um homem de estado, diplomata, escritor, advogado e homem de leis – ocupou vários cargos públicos, dentre eles o de Chanceler do Reino de Henrique VIII da Inglaterra.

Como sabemos, até 1889, a Igreja Católica confundia-se com o governo por meio do regime do padroado. Segundo este tratado, era de responsabilidade das autoridades brasileiras a construção de Igrejas, o pagamento de salários dos padres e bispos, o custeamento de suas viagens e a manutenção de suas igrejas, além disso, as leis deveriam ser regidas pelos ditames católicos. Era de responsabilidade dos clérigos assumirem algumas funções que, hoje, são desempenhadas por servidores públicos, a exemplo da organização das eleições, do censo demográfico, do casamento religioso  (equivalente  ao  casamento  civil),  do  batismo  (equivalente  ao  registro  civil)  e  da organização dos funerais.

Mesmo com o advento da República – quando, oficialmente, há a separação entre a Igreja e o Estado –, a Igreja Católica continuava a receber vários benefícios das autoridades públicas e, também, influenciar nas suas decisões político-administrativas. Apenas no final da década de 1980, com a redemocratização brasileira, a hegemonia católica é ameaçada em âmbito político. Podemos observar isto pela emergência de outros grupos religiosos na arena política, grupos ligados ao movimento gay, feministas, dentre outros, defendendo pautas contrárias àquilo que o catolicismo defende desde a sua criação.

Perante a realidade pluralista e secularizada, a aprovação desse projeto de lei implica na obtenção de um poder simbólico pelos católicos. Ter um santo católico como patrono dos políticos, em geral, no Brasil, implica dizer que o Estado concorda com o modo de fazer política idealizado pela Igreja Católica. A palavra patrono significa protetor, defensor, padroeiro, advogado, aquele que cuida e é responsável por algo. Logo, os políticos brasileiros podem se espelhar neste santo para o exercício de seus mandatos.

Para a Igreja Católica, ter um santo como patrono nacional dos políticos brasileiros representa que tal instituição, outra vez, influencia e decide os rumos que tomará a política do país. As leis, o funcionamento do regime político, a atuação dos mandatários, os investimentos financeiros e tudo aquilo que diz respeito à arena política seguiriam os “conselhos” proferidos pelos católicos. Isto significa também um reconhecimento do Estado que este “jeito” de fazer política, conforme as orientações católicas, é melhor que o dos outros credos religiosos, representando, assim, mesmo que em termos ideológicos, uma supremacia do catolicismo sobre outras correntes religiosas.

Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: [email protected]

 

Redação

2 Comentários

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  1. Bom dia, Marcos! Sou católico e sou progressista, sendo que eu concordo parcialmente com seu texto. De fato, o cristianismo original ensinado por Jesus pregava a solidariedade, e a priorização com os pobres, excluídos e vulneráveis. Desse modo, qualquer político que seja realmente católico, tem a obrigação de agir sob tais valores e objetivos. E, como vivemos em um mundo que adora publicar qualquer falha, erro ou crime protagonizado por católico (especialmente padres), arranhando injustamente a imagem de toda a Igreja com atos cometidos por minorias(…), é importante que católicos notórios realizem atos bons, justos úteis e dignos, que cheguem à imprensa, que chamem a atenção do povo, para consertar a imagem arranhada.

    Porém, desejar que o congresso aprove um patronato católico hoje em dia, parece irreal demais. Vivemos em um momento de clara expansão do protestantismo neo pentecostal. Na verdade, já há hegemonia e supremacia de ideias e valores protestantes sobre os católicos, especialmente na política de Brasília. O presidente é um católico que passa mais tempo em cultos e com evangélicos do que com padres, e isso não tem a ver com a fé dele, mas sim com o público mais influente neste instante(…).

    Tudo indica que é questão de décadas para que o protestantismo neo pentecostal ultrapasse o catolicismo e se torne a maior religião do Brasil em número de fiéis. Nesse movimento, há muita culpa do vaticano e do alto clero, que limita o surgimento de padres ao impor o celibato (existem quantos pastores para cada padre?) e ao impor a exclusividade da celebração de missas para homens (um machismo misógino solidificado por São João Paulo II, que além de diminuir o número de clérigos, ressente muitas mulheres e muitos progressistas, e com razão). Outro grave erro do Vaticano é o modelo de treinamento dado aos padres: Vemos pastores que cantam, emocionam, praticamente atuam e cativam seus fiéis, enquanto o padre é treinado para ser estático, solene, distante, em suma um chato que não empolga ninguém (é coincidência que os poucos padres que são adorados, fazem sucesso e atraem multidões de fieis são justamente os midiáticos simpáticos e alegres como Marcelo Rossi e Fábio de Mello?). Ou o Vaticano adota um novo modelo de padre (mais simpático, carismático e contagiante, formado com muitas aulas de filosofia e teologia, mas também de teatro e de relações públicas) ou continuaremos perdendo fiéis. É preciso entender que a esmagadora maioria das pessoas não está procurando a religião que lhe pareça “a mais verdadeira ou legítima”, mas sim “a que lhe agrade mais vivenciar”.

    Porém, nem tudo é culpa do estilo católico. Não é a toa que entre os políticos católicos ainda achamos muitos nem intencionados que agem efetivamente pelo bem do povo, enquanto entre os políticos protestantes neo pentecostais (me recuso a chamá-los de “evangélicos”, pois todos que creem e vivenciam o Evangelho são evangélicos, de modo que nós católicos somos até mais evangélicos que a maioria deles em nosso valores e ideais(…), é uma questão parecida com o “não chamar estadunidenses de ‘americanos’, pois todos que nascem no continente America são americanos, e eles não podem usurpar esta denominação).

    Veja bem, os valores capitalistas pregam o egoísmo acima de tudo, a ganancia como uma característica nobre e aceitável, o acúmulo desenfreado de riquezas como “recompensa justa”, e as demais pessoas como adversárias a serem batidos. No capitalismo, ficar rico e ostentar é objetivo nobre e justo, enquanto permanecer pobre e humilde é motivo de decepção e fracasso(…). Quando o catolicismo se prende aos valores originais do Evangelho, ele entre em conflito cm os valores que o capitalismo ensina como bom. Um católico praticante com fé verdadeira e que quer enriquecer e prosperar sobre as regras do capitalismo, viverá em crise de consciência(…).

    Pois bem, vivemos em uma sociedade em que décadas e mais décadas de capitalismo selvagem, opressão estatal, opressão por parte dos patrões e injustiça cotidiana moldaram uma nova geração que abraçou completamente os valores capitalistas (até porque, tais valores são a regra máxima na quais estão imersos desde o momento do nascimento). É muito lógico que tal geração, tão afeita ao egoismo, o individualismo, o imediatismo, o pragmatismo e o cinismo, não se interessem pelos valores de solidariedade, fraternidade, desapego, humildade e amor ao próximo que o catolicismo oferece. Então a pessoa vê um pastor que diz que ganhar dinheiro é bom, que todo dinheiro que você ganha é presente abençoado de Deus, que ficar rico e ostentar é louvar a Deus… e as pessoas tendem a abraçar o que lhes agrada e conforta(…).

    Há ainda outros fatores: Como a igreja limita o número de novos padres, ao proibir pessoas casadas e mulheres de celebrarem missa, temos poucos sacerdotes para um país imenso, enquanto qualquer um em qualquer lugar pode abrir sua garagem, tirar o carro, botar umas cadeiras e abri a Igreja Nacional do cheque de Deus. E em cada bairro, há 20 igrejas protestantes perto de cada pessoa, e uma única igreja católica distante com um padre chatíssimo uma vez por semana…

    Imagine a pessoa que mora na favela, e vê os vizinhos e amigos indo frequentar a igreja “crente”, e voltando feliz, enquanto ela tem que andar quilômetros para achar uma igreja católica onde sente sono durante o sermão técnico-filosófico do padre… (e eu sou a favor que o sermão seja técnico e filosófico, ensinando algo de profundo, justo e útil aos fiéis, mas não precisa ser chato, o padre pode ser ensinado a falar com emoção, a dar exemplos divertidos, a resumir a mensagem sem dar voltas e mais voltas repetindo em minúcias o que já foi explicado durante a leitura do Evangelho).

    Vivemos em um mundo injusto, desigual, violento, indiferente e que, ainda por cima, está piorando. Os empregos estáveis estão sumindo e sendo substituídos por pejotização precária ou puro e simples desemprego. A pessoa é explorada, sofre e não tem prespectiva. Então vai em uma igreja neo pentecostal e vê um pastor animando-a, gritando que os fracassos do mundo não importam, pois se tivermos Jesus teremos tudo, e com o Jesus deles, seremos premiados o tempo todo… e assim, temos estes protestantes inocentes e iludidos que veem milagre em qualquer bobagem e comemoram qualquer vitoriazinha medíocre como se fosse presente de Deus(…). O cara continua um derrotado sem futuro, mas passou a crer que é especial e vitorioso(…).

    Além disso, quando você entra em uma igreja dessas, você passa a ser tratado como alguém especial, superior ao resto (pois todo igrejinha medíocre protestante considera ter um pastor que é profeta e considera estar “no caminho certo” e pregar “a verdadeira fé ensinada pelo Cristo”). Quando adotam tal pensamento, por consequência, quem era um zé ninguém derrotado e desprezível, passa a ser um escolhido do próprio Deus e superior. Passa a pensar “os outros podem ter até mais dinheiro e fama do que eu, mas eu fui escolhido por Deus e eles não, eu sou superior a eles, na Verdade…”

    Outro ponto que favorece a cultura neo pentecostal para atrair seguidores é a questão dos valores e da superioridade auto emanada. Não é a toa que protestantes tem tanta fixação na pauta dos valores tradicionais: na verdade, é um diferencial, algo de identidade, de criar valores internos e particulares (pois todo mundo gosta de fazer parte de um grupo fechado e exclusivo, seja de nerds fãs de quadrinhos, seja de torcedores fanáticos de futebol, seja de um grupo elitizado e influente como a maçonaria, seja… de uma igreja fechada aos seus membros que se consideram santos, escolhidos e superiores a todo o resto(…). Então aqui, o protestante passa a fazer parte de um grupinho particular, com valores e simbolismo particulares, e que exclui a todos que estão de fora.

    Há um último grande atrativo típico do neo pentecostalismo oriundo da questão dos valores: Acontece que isto serve não apenas para que eles possam se identificar em uma “família fechada exclusiva e excludente”, mas também serve para que possam taxar os de fora de inferiores, percadores, perdidos (e assim botar vivenciar sem vergonha ou culpa os sentimentos de rivalidade, agressividade e preconceito que todo animal humano carrega instintivamente). Mais que isso, eles podem criar inimigos da fé, e podem sentir ódio, ira por estas pessoas que desobedecem o que que eles consideram o certo. Vai além, e os “crentes” podem culpar, ameaçar, condenar e botar pra fora todo ódio e violência que todo animal humano carrega em si, mas precisa conter e podar por conta das convenções sociais… Imagine pode ter inimigos e poder direcionar neles todas as culpas, todos os sentimentos mesquinhos e nojentos que nosso lado animal infelizmente carrega, e, principalmente, poder fazer isso, sem remorso ou culpa! É por isso que os que se declaram “evangélicos” não gostam do evangelho e o desprezam, pois preferem o antigo testamento e suas guerras santas, seus inimigos humilhados e destrupidos sob o escabelo dos pés(…). Os pentecostais falam pouco em perdão e muito em condenação(…), falam mais de inferno do que de paraíso(…), e falam muito de Jesus, mas vivem colocando nele os atos e palavras de Davi e de Moisés (o guerreiro e o impiedoso). Com a interpretação neo pentecostal da bíblia e do cristianismo, os protestantes ganharam o direito de odiar ao próximo, de não sentir culpa por isso e ainda por cima, serem tidos como justos por conta disso(…). Porque os neo pentecostais se sentem tão representados por gente como Bolsonaro, Witzel e Trump…?

    Só que, estas características que atraem novos seguidores para o protestantismo neo pentecostal, por justamente refletirem e se encaixarem como uma luva nos poderes valores da sociedade capitalista, obviamente não são bons. É uma interpretação do cristianismo tão podre quanto o capitalismo é uma interpretação podre do que deveria ser a civilização humana(…) Mas, como já disse, imagine uma pessoa nascida e criada imersa nos valores deste cruel, inóspito, egoísta, ganancioso, imediatista, individualista e impiedoso mundo capitalista e veja se não é natural e lógico que ela escolha e abrace a religião que abençoará à realidade que ela tem que viver se quer sobreviver… a outra opção é ser um católico que crê em solidariedade e perdão enquanto vai pra guerra de vale tudo no dia a dia do capitalismo, pra morrer de remorso no fim do dia…

    O catolicismo não pode mudar seus valores, simplesmente porque eles estão corretos em essência. Neste ponto, simplesmente não dá pra competir com os protestantes. Porém, é importante que se diga que, se as pessoas não fossem tão ignorantes, iletradas e incapacitadas intelectualmente (não por culpa delas, mas do estado que sucateia o ensino justamente para deixá-las assim), muitas não cairiam na lábia trambiqueira de RR Soares, Edir Macedo, Flordelis, Malafaia, et caterva.

    O que resta ao catolicismo é se atualizar, e corrigir o que pode e deve ser corrigido (criar ordens clericais que permitam o casamento; permitir que mulheres possam fazer tudo que os homens podem fazer, como celebrar missas e sacramentos, e mudar o treinamento de comunicação dos padres, para que sejam menos chatos e distantes, e passem a ser mais carismáticos, próximos, atraentes e divertidos). Isso faria muita diferença. Quanto aos fiéis que conscientemente preferem o jesus capitalista e vingativo do Antigo Testamento (!?), não há muito o que fazer a não ser rezar pela alma deles para quando se encontrarem com o verdadeiro Jesus que adorava perdoar… mas só quem fazia por merecer o perdão…

  2. Parabenizamos ao autor pela qualidade informativa e instrutiva de sua matéria, sobre a teologia católica e sua tradição e experiência em questões sociais e institucionais, em defesa dos mais pobres.
    Na oportunidade, deixamos um lembrete ao autor mas, é possível que até eu tenha entendido diferente, o relato abaixo, do final do 3º parágrafo, que me chamou atenção como cristão católico, por desconhecer esse “dia de destruição de alimentos” citado, pois o que existe de fato, são “dias de distribuição de cestas básicas e de alimentos às populações mais necessitadas, à título de solidariedade humana e cristã”.
    Fica assim, a nossa observação que, se for pertinente, que se faça a devida correção do texto em questão, como segue abaixo, para não confundir ainda mais as pessoas:
    Ações como cesta básica, esmola e “dia de distribuição” de alimentos são práticas muito comuns nessa tendência católica.

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