do ObjETHOS
Conteúdo patrocinado, clickbait e ética jornalística
por Lívia de Souza Vieira*
Era o principal destaque do fim de semana na homepage do Diário Catarinense, um dos maiores veículos jornalísticos de Santa Catarina: “Familiares viajam ao Chile nesta segunda-feira para liberar corpos de catarinenses”. Com o marcador “Tragédia em Santiago” acima do título, a notícia se referia à morte de seis brasileiros por asfixia em um apartamento na capital chilena no último dia 22.
Alguns destaques abaixo na homepage, no canto direito da tela, uma outra notícia me chamou atenção: “Fotos tiradas segundos antes de tragédias que vão te dar arrepio!” (clique na imagem abaixo para ampliar).
Passado o choque inicial pela relação imediata que fiz entre os dois destaques, observei que a segunda notícia era, na verdade, um conteúdo patrocinado, que levava a um site chamado “Desafio Mundial”. No perfil, se definem como um “site criado para os fãs apaixonados pelo esporte mais bonito do mundo. Este é o lugar onde você encontrará as últimas notícias sobre futebol e todos os outros esportes”. As matérias não são assinadas (pelo menos não encontrei assinatura na observação de algumas páginas). Também não consegui entender a relação do esporte com as fotos tiradas segundos antes de tragédias. Cheguei a pensar nas selfies que circularam antes do acidente com o avião da Chapecoense, mas elas não apareceram na “matéria”. O que não chega a ser algo bom, já que há inúmeras fotos de pessoas antes de cometerem suicídio, outros acidentes de avião, etc.
Observando um pouco mais, notei que toda aquela categoria de notícias “Veja também” está relacionada com a empresa Outbrain. “Ajudamos cada usuário a descobrir conteúdo interessante, relevante e confiável onde quer que ele esteja e trazemos marcas, agências e editoras – de todos os tamanhos – para o mercado de conteúdo mais vibrante do mundo”, informam em seu site. Entre os clientes da Outbrain estão grandes publishers como CNN, ABC News, Time e Fortune. No Brasil, observei o plugin da Outbrain nas homepages de O Globo e Gaúcha ZH, em uma rápida pesquisa (veja imagens abaixo e clique para ampliá-las).
Em comum, os destaques da Outbrain têm o que chamamos de clickbait – todo tipo de chamada com viés atrativo e mercadológico, com o intuito de gerar uma proporção ou quantidade maior de cliques. Trata-se, portanto, de um conjunto de estratégias que inflam artificialmente a audiência. Por exemplo, um título que promete mais em relação ao que oferece, sensacionalista ou com conteúdo de baixa qualidade. Em termos éticos, trata-se de uma controvérsia entre a integridade da informação e ampliação artificial do interesse que a notícia deve gerar. Fazer clickbait é uma astúcia que se contrapões ao valor intrínseco da informação.
A estratégia mercadológica é simples: cada clique nos destaques da Outbrain gera receita para o veículo jornalístico. E o fato de ser um conteúdo patrocinado (em inglês o termo mais usado é native advertising) aumenta o potencial do clique, pois não se trata de um banner chamativo que invade a leitura, mas de “uma forma de mídia paga em que o conteúdo comercial é entregue dentro do design e forma do conteúdo editorial, como uma tentativa de recriar a experiência do usuário de ler notícias em vez de anunciar conteúdo” (CONILL, 2016, p. 904).
Como o plugin é de uma empresa terceira, o veículo jornalístico não tem total ingerência sobre ele. A seleção é algorítmica e tem relação com o histórico de navegação de cada pessoa (por isso a Outbrain enfatiza que vende uma experiência personalizada de conteúdo). Isso faz com que a seleção editorial da homepage divida espaço com a seleção de um software que, pelo exemplo que citei no início deste artigo, não tem muitas preocupações éticas.
Mas não sejamos ingênuos: trata-se de uma operação de negócio e as empresas jornalísticas sabem que tipo de conteúdo estão sujeitas a estampar em suas homepages. A meu ver, o problema não é da Outbrain, mas dos veículos que permitem esse tipo de informação em seus sites em troca de aumento de receita. Isso se torna mais grave quando a diferenciação visual entre a notícia jornalística e o conteúdo patrocinado praticamente inexiste, confundindo o leitor. E o saldo dessa operação, no fim das contas, pode ser a perda de credibilidade do veículo jornalístico.
Camuflando igreja como estado
Este é o título do artigo de Raul Conill (2016), em que faz um estudo exploratório dos native ads no jornalismo da Suécia, Espanha, EUA e Reino Unido. Segundo ele, tradicionalmente, os ideais jornalísticos têm como objetivo manter as linhas editoriais independentes das influências comerciais. Isso tem sido historicamente conhecido como a separação entre igreja e estado. “Contudo, a introdução da publicidade nativa nos meios de comunicação de referência provocou uma nova retórica em direção à divisão entre a igreja e o estado”. Em resumo, as fronteiras estão cada vez menos nítidas.
André Santos e Felipe Pontes também afirmam que esses muros estão caindo. Neste artigo em que estudaram iniciativas jornalísticas financiadas por crowdfunding, os autores observam que “o profissional da área acumulou uma nova função – a arrecadação de verba – e precisa atuar nas duas frentes. Assim, a queda do muro nos ajuda a compreender uma tendência das novas organizações e uma mudança na profissão”.
E como nem toda tendência é necessariamente positiva para os rumos da profissão, vale enfatizar as questões éticas que permeiam a queda desse muro. Além do que já mencionamos, é preciso lembrar que o veículo jornalístico empresta sua credibilidade aos sites para os quais linka. No exemplo, o Diário Catarinense comunica a seus leitores que o site Desafio Mundial é confiável. E para o Desafio Mundial, ter como origem de tráfego o Diário Catarinense aumenta sua relevância nos mecanismos de busca, pois o DC tem o que chamamos de autoridade de domínio.
Eu sinceramente não sei se os editores das empresas jornalísticas têm total ciência do risco que assumem ao adotar tais práticas em seus sites, ou se já admitiram que faz parte do jogo e simplesmente fecham os olhos. Em todo caso, recorrer à ética jornalística me parece bastante pertinente, a fim de questionar o que já está dado em termos mercadológicos. Se a credibilidade é um valor cada vez mais importante para o jornalismo contemporâneo, arriscá-la dessa forma é, no mínimo, uma estratégia muito ruim.
*Lívia de Souza Vieira é professora de Jornalismo na Faculdade IELUSC e pesquisadora associada do ObjETHOS
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esses links estão aqui no ggn também :/
Estas “pragas” já dominaram o mundo virtual. Vivemos temos tão aéticos e degradativos. Muito do chamado “marketing digital” na atualidade está conectado com isto e é onde iludem grande parte da juventude a viverem disto. Não tenho dúvidas de que as direitas golpistas conquistaram as mentes de muitos jovens ao unirem este caminho de criar rotas e direcionar as pessoas para notícias, produtos, temas e empacotaram junto com a ilusão do empreendedorismo digital. Por este caminho, empresas como a e-m-p-i-r-i-c-u-s cresceram a iludir e através do terrorismo de suas citações fizeram campanhas e golpes. Não é única. Dia destes um colega falava que seu filho queria ir a SP fazer um curso de R$ 600,00 em um final de semana para aprender como entrar no empreendedorismo digital. Quem estava por trás? A própria que faz propagandas massivas na internet a iludir com os falsos jovens milionários, como fosse algo facilmente replicável. Algoritmos que capturam suas rotas e pregam os ritmos deste mundo.
Muito bom post e muito oportuno também.
Mas, enquanto credibilidade e ética discutem, a gente, vítima dessa disputa, vai se defendendo como pode para conseguir uma leitura limpa.
Navegadores confiáveis e com filtro, pesquisas com buscadores que não rastreiam e adblocks, muitos adblocks e ghosterys da vida.