Dallagnol e o Manual do Inquisidor, por Celeste Silveira

Ao se terminar a leitura do Manual dos Inquisidores, a primeira reação é de perplexidade e de espanto: como é possível tanta desuma­nidade dentro do cristianismo e em nome do cristianismo?

Por Celeste Silveira

No blog Antropofagista

Dallagnol e o Manual do Inquisidor: “Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar ele de joelhos e oferecer redenção”

O escritor Lira Neto, autor das biografias “Getúlio”, “Padre Cícero” e “Maysa”, entre outras obras, disse nesta quinta-feira (28) em sua página no Twitter que a frase atribuída a Deltan Dallagnol na reportagem da Vaza Jato sobre os vazamentos seletivos da força-tarefa à mídia para pressionar investigados parece ter sido inspirada no livro “Manual do Inquisidor”.

“A frase de @deltanmd, ‘Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar ele de joelhos e oferecer redenção’, revelada pelo @TheInterceptBr, parece diretamente inspirada em dois trechos do ‘Manual do Inquisidor’, publicada em 1578”, tuitou Lira.

O escritor citou trechos da obra – escrita por Nicolau Eymerich por volta de 1376, que foi revista e ampliada por Francisco de la Peña em 1578 – que serviu como uma espécie de manual de procedimentos dos tribunais de inquisição da Igreja Católica.

“Se o acusado teimar em negar o crime, deverá o interrogador dizer […] que desagrada o ter que se ver obrigado a deixá-lo apodrecer na prisão, que bem desejava tirar a limpo toda a verdade da sua boca a fim de o poder mandar embora”, tuitou Lira, seguido de um novo tuíte.

“Poderá o Inquisidor valer-se de semelhante manha, com o fim de descobrir a verdade? […] Conquanto uma tal forma de fingimento seja desaprovada por Juliano Clarius e outros jurisconsultos, julgo que dela se poderá usar no tribunal da Inquisição”.

Manual da Inquisição

A edição brasileira do “Manual do Inquisidor” foi prefaciado por Leonardo Boff, que indaga logo no início.

“Ao se terminar a leitura do Manual dos Inquisidores, a primeira reação é de perplexidade e de espanto: como é possível tanta desuma­nidade dentro do cristianismo e em nome do cristianismo?”, pergunta.

Em um texto esclarecedor sobre a obra, Boff diz que os sonhos originais da proposta cristã são de ilimitada generosidade e lança nova indagação ao final.

“Deus é pai com características de mãe; todos são filhos e filhas de Deus; o Verbo ilumina cada pessoa que vem a este mundo; a redenção resgata toda a humanidade; e o arco-íris da benevolência divina cobre todas as ca­beças e o universo inteiro. Como se passa deste sonho para o pesadelo da Inquisição?”

De joelhos

Na conversa divulgada pela Vaza Jato, Dallagnol escreve a um repórter do Estadão vazando um caso da Lava Jato e pergunta se ele tinha interesse em publicar a história.

Depois que a reportagem foi publicada, Dallagnol comenta em chat com procuradores que a estratégia, a partir dessa divulgação, seria dizer ao investigado que ele “perderia tudo” e “colocar ele de joelhos e oferecer redenção”, em tentativa de fazer com que ele delatasse outras pessoas.

 

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Redação

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  1. Anos atrás um leitor de um blog comentou que entre 1993/94 um membro do movimento monarquista, seu colega de trabalho em São Paulo, informara-lhe que Harvard gestara uma “onda” de destabilização para o Brasil com o objetivo de apear as esquerdas do poder.
    Comentando sobre Harvard, Paul Craig Roberts, subsecretario do Tesouro no governo Reagan, disse: «Quando você testemunha o nível de corrupção daquela que se supõe ser uma das melhores universidades dos Estados Unidos, e que está montada na aprovação dos 24 anos de nada mais que mentiras dos últimos três presidentes deste país, os quais são todos responsáveis por ter massacrado e/ou deslocado milhões de pessoas em vários países, não tendo sido responsabilizados por nenhum destes crimes, você não pode evitar a percepção de que para a classe dominante etadunidense e seus lacaios pelo mundo, a VERDADE é coisa que tem que ser evitada a qualquer custo.» Segundo Roberts, «o que assusta nos Estados Unidos e na Europa não é apenas a ingenuidade e a displicência de uma grande porcentagem da população. Aterrorizante mesmo é a disposição da mídia, do governo USA e dos governos nossos lacaios, de mentir e falsificar.» — Saker: «Tio Sam decreta que preto é branco, água é seca e a verdade é mentira. Ele sabe que todo mundo sabe que não é nada disso. E não dá a mínima! Por quê? Porque crê profundamente em quatro coisas fundamentais:
    1 — Pode comprar todos e qualquer um;
    2 — Os que não pode comprar, ele provoca para enlouquecê-lo;
    3 — Os que não enlouqueçam, ele mata;
    4 — Nada pode lhe acontecer. Vive em impunidade total, não importa o que faça.»

    Exemplo; o site italiano PandoraTv.it publicou um trecho de um press-release do Departamento de Estado onde o porta-voz afirma que não é obrigação dos EUA fornecer provas pra acusar a Russia. Uma jornalista interrompe “Mas o Pentagono confirmou estas declarações, portanto deve possuir alguma prova para basear suas acusações, a Russia recusa essas acusações e pede que sejam apresentadas as provas. O governo dos EUA vai mostrar essas provas?”; o porta-voz responde cinicamente “não compete aos governo dos EUA fornecer provas à Russia por suas violações. Não temos dúvida que a Russia invadiu o espaço aéreo da OTAN”; a jornalista insiste “é justo mover acusações sem fornecer alguma prova?”; resposta: “Não são acusações, são fatos”; a jornalista insiste: “baseado em que? Voces podem fornecer foto ou qualquer outra prova?”. Fim do papo. A jornalista ficou sem resposta. Video aqui: http://www.pandoratv.it/?p=6499

    Esse preâmbulo serve para lembrar que Dallagnol e Moro foram treinados em Harvard. Glenn Greenwald apenas confirmou o que muitos sabiam: que eles são uns vaidosos recalcados, covardes, lesa-pátria; gang de delinquentes traidores de baixo nível que se prestaram para o programa “anti-currupição” no Brasil, programado por experts de Harvard. São gente do tipo leva-e-traz. O Dallagnol, membro de uma familia de delinquentes latifundiários, teve a ousadia de afirmar publicamente que o povo estadunidense é superior ao povo brasileiro!! Um cara escroto, impreparado para superar até mesmo um curso Supletivo no colégio Alfredo Pucca foi parar em Harvard! Um mistério; o curso para ele deve ter sido uma variante do vaudeville: substituiram a música com aplicativos tipo Powerpoint.

    E’ improvável que um bunda-suja-evangélico como Deltan Dallagnol leia manuais da Inquisição; isso é de competência dos especialistas de Harvard: conhecer as ininterruptas execuções capitais em praça pública; saber da excitação cruel e o rude enternecimento provocado pela visão quotidiana do patíbulo, importantes elementos de nutrição espiritual com viés moralizante, etc. E’ verdade que as palestras desse evangélico até pode ter alguma afinidade com as “palestras” dos predicadores ambulantes na idade media. Até o nome dele parece vir de alguma pequena cidade medieval (falando nisso lembrei-me do Onyx Lorenzoni que cometeu falcatruas mas teve a sorte de ver sua remição reconhecida — numa boa — pelo inquisidor Marreco de Maringá).

    Se queremos mesmo invocar tempos medievais podemos citar também o Joaquim-dominio-do-fato e colegas do Supremo. Joaquim, Dallagnol, Moro e Erika Meganha, entre outros, lembram um inquisidor do século XV que possuia descomunal confiança em Deus a tal ponto que para ele, se alguém fosse acusado, era culpado, visto que Deus não permitiria que fosse acusado um inocente. E se alguém contestasse a denúncia como sendo fruto de imaginação ele ordenava-lhe a prisão como suspeito. Esse avoengo da Erika ficou conhecido na caça às bruxas da cidade de Arras em 1461. Ele era convicto de poder julgar até mesmo com um simples olhar. Morreu enlouquecido, mas nesse meio tempo muitos morreram queimados ou barbaramente supliciados (no caso da Erika Macarena o Reitor teve melhor sorte porque morreu suicida). O evangélico Deltan, os três irmãos Metralha, o capetão Jair e toda essa gente de merda fazem parte do “povo de Deus”? Será? Quem acha de sim enfrenta um grave dilema: E’ como afirmar a inesistência de Deus (Deus não faz merda). Que dilema.

    No passado um messianismo nacional desvairado servira para justificar a expansão econômica e política dos EUA no mundo. Essa malandragem religiosa vem de longe e continua mais forte que nunca: hoje é parte de um programa politico bem mais articulado, dirigido e bem orientado pelo manicômio da Avenida Pennsylvania, 1600. O analista politico A. J. Bacevich no seu artigo publicado em 2012 – American Empire Project -, lembra que a piração que os estadunidenses conheceram como “mccarthyismo”, reaparecera sob a forma de “boykinismo”. Visto e considerado que os EUA estão do lado de Deus, passou a ser verdade axiomática que Deus retribuirá a deferência; Bacevich cita o general da reserva W.G. “Jerry” Boykin, então vice-presidente executivo do influente Family Research Council, dedicado a promover “a fé, a família e a liberdade”. O fanatismo religioso desse terrorista teológico chamado “Jerry” Boykin é conhecido lá como ”boykinism”. Veja em: http://aep.typepad.com/american_empire_project/2012/09/boykinism.html e aqui: http://www.urbandictionary.com/products.php?term=Boykinism&defid=321427

    Aos muitos evangélicos que seguem o marreco de Maringá, que manifestarm nas ruas pedindo a volta da ditadura militar e votaram no pária Jair Bolsonaro, que enaltece o torturador Brilhante Ustra, eu proponho o artigo publicado em março de 2015 no jornal O Globo, da jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo, Magali do Nascimento Cunha, também evangélica, onde ela narra o que fizeram a Manoel da Conceição Santos, um sobrevivente das lutas camponesas do Nordeste.

    ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM
    Magali Cunha, em O Globo

    Um dos testemunhos mais marcantes de evangélicos brasileiros que sofreram a repressão da ditadura militar é o de Manoel da Conceição Santos. Nascido em 1935, no interior do Maranhão, ele está entre os trabalhadores rurais que sofrem nas mãos dos donos de terras. Tornou-se membro da Igreja Assembleia de Deus, inspirado pela vida comunitária, a solidariedade e a valorização dos pequenos. Logo se tornou professor da Escola Bíblica Dominical e auxiliar do pastor. Também aprendeu com o Movimento de Educação de Base (MEB) sobre o sentido das injustiças que sofria e sobre seus direitos como trabalhador. Por isso, exerceu sua vocação cristã fundando o sindicato dos trabalhadores rurais em Pindaré-Mirim. Manoel se tornou um grande líder camponês do Maranhão.

    Com o golpe civil-militar de 1964 veio a perseguição. Em 1968, policiais chegaram atirando em uma reunião no sindicato e Manoel foi ferido na perna direita. Depois de seis dias na prisão, sem tratamento, parte da perna gangrenou e teve que ser amputada. Sindicalistas e outros militantes levantaram recursos que garantiram o tratamento e a colocação de uma prótese, em São Paulo. Livre, retornou a Pindaré e à causa da justiça. Preso novamente, foi sequestrado por agentes do DOI-CODI e levado para o Rio de Janeiro. Na “antessala do inferno” do quartel da Tijuca (nome dado pelos próprios agentes), a perna mecânica foi arrancada e ele foi colocado nu na “geladeira”, a solitária, onde era tratado literalmente a pão e água e torturado. Entre idas e vindas ao hospital para ser mantido vivo, além das práticas convencionais como choque elétrico, pau de arara e espancamento, o sindicalista pentecostal foi pendurado ao teto e teve o órgão sexual preso por um prego em cima de uma mesa. Manoel só saiu vivo dali para ser julgado, graças à campanha feita no Brasil e no exterior contra o seu sofrimento. Igrejas católicas e evangélicas da Europa e dos Estados Unidos protestaram contra a prisão e desaparecimento do sindicalista, enviando cartas ao Presidente Médici.

    Em 1972, Manoel foi condenado e cumpriu três anos de prisão. Quando libertado, foi hospitalizado em São Paulo, com a ajuda de D. Aloísio Lorscheider, D. Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano Jaime Wright. Por causa da tortura, o homem urinava através de sonda e ficou impotente por anos. Meses depois, a casa onde Manoel estava foi invadida por policiais, que o levaram para o DEOPS, onde sofreu novas torturas. Na ocasião, o Papa Paulo VI enviou telegrama ao Presidente Geisel exigindo a libertação do sindicalista evangélico. No final de 1975, ele foi finalmente solto e teve o exílio como salvação. Retornou ao Brasil com a anistia de 1979. Aos 80 anos, Manoel da Conceição continua dando testemunho de sua vida e de sua fé no Deus da verdade e da justiça.

    Ao assistir às cenas e ler postagens em mídias sociais referentes às manifestações políticas deste 15 de março, não pude deixar de pensar em Manoel da Conceição e nos tantos outros como ele. Cristãos que trazem na pele e na alma marcas da luta pela democracia e pela justiça. Como se sentem ao verem os pedidos por intervenção militar e volta da ditadura que ecoaram clara, nítida e fortemente entre as multidões?

    E a exaltação àqueles que prestam culto a esse terrível passado recente? Imagino que estejam repetindo a oração de Jesus, que também foi torturado: “Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”.

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