De susto em susto: do Black Bloc ao Rolezinho, por Esther Gallego

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Acabamos o ano de 2013 atônitos com o Black Bloc. Começamos 2014 atônitos com os rolezinhos.

Definitivamente, estamos desorientados nesta estranha pós-modernidade, nesta delirante hipermodernidade que traz consigo novas formas de expressão social. Como o Black Bloc, os rolezinhos são fenômenos difusos, agitados, convulsos, que não atendem a parâmetros clássicos, convocados pela rede social, descentralizados, com uma temporalidade muito curta. Episódios jovens que são espectacularizados pela mídia, que desestabilizam a rotina da ordem social e institucional, e deixam aturdida nossa medrosa sociedade, sempre assustada com estes espasmos coletivos.

O desafio, a provocação, são os elementos centrais de ambos. A cidade está confusa, as instituições estão desorientadas porque tudo parece mudar de lugar, de posição, rapidamente. Os jovens da periferia não estão onde deveriam, não se comportam como deveriam!  Caos, Babel! De repente, sem prévio aviso, sem contar com ninguém, sem burocracias, se auto-organizam, segundo suas regras, seus parâmetros, e ai vai o rolezinho. Como isso desconcerta!

Assim com o Black Bloc deslegitimava o monopólio da força do Estado, a autoridade policial, a hierarquia institucional, o poder em termos de imposição, os rolezinhos (com muitas menos pretensões) parecem dizer: “nós decidimos quando, onde e como nos divertir, não precisamos permissão de vocês”.  As velhas formas de fazer as coisas significam cada vez menos.

Não concordo com a ideia de que os rolezinhos aconteçam pela falta de espaços de lazer na periferia. São formas de diversão como outras tantas, não tão inovadoras como parecem, formas de se fazer visível, de estar juntos, de beijar, que têm se transformado em gestos políticos indiscutíveis, em reivindicações sociais de esse direito inalienável, mas cotidianamente alienado no Brasil, de usufruir da cidade.

E aquele outro argumento de que os jovens da periferia estão cegados, ofuscados pelos valores do hiperconsumo? Melhor estariam estudando, se concentrando em questões metafísicas, existenciais! Deixemos a hipocrisia de lado. Todos estamos confinados no hiperconsumo, reproduzindo este sistema, este jogo de cidadãos-consumidores, e, por favor, levante a mão quem passa suas tardes de sábado raciocinando sobre as divergências entre Hegel e Kant e nunca pisou um shopping! Todos somos filhos de este capitalismo monstruoso. Cada um de nós é responsável por esta cidadania tão precária.

Questões sociais, sintomas de uma sociedade que se transforma, mas que carrega consigo o peso de antigas doenças. Jovens que herdam problemas antigos. Os maiores deles, uma estrutural sócio-institucional que tem a violência na sua base fundacional e uma desigualdade insuportável, que nega a voz, que transforma em invisíveis a milhões de pessoas, que as joga nas margens do sistema.

Por que os Black Blocs utilizam a violência como forma expressão? Porque eles aprenderam que, de fato, a violência é uma forma de expressão legitimada em todos os níveis de nossa sociedade, que a violência é uma forma de relação social, é uma forma de fazer política.

Por que estamos alarmados, neuróticos, quando uns adolescentes da periferia decidem ocupar certos espaços urbanos? Porque, segundo nossa obsoleta ordem social, estes espaços não lhes pertencem. O direito à cidade é restrito para eles.

Dois fenômenos desafiadores. Vamos responder a eles refletindo, de forma séria e matura ou reincidindo em debates polarizados que em nada contribuem, enviando a polícia, construindo mais guetos na cidade? 

Esther Solano Gallego: Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. As diferenças entre…

    O que a Prof. Esther esqueceu de mencionar, é que diferentemente dos movimentos de junho/13 e a apropriação daquelas manifestações, “pensadas” reinvindicatórias, por extremistas pagos por partidos sem expressão, para desconstruir a órdem institucional, e semear uma revolta contra o atual governo popular, e o sonho da retomada do poder, pela direita, e estes rolezinhos, é enorme e suas visões, diferem-se nos meios e nos objetivos. Tomara que nenhum grupo radical, infiltre-se entre estes jovens da periferia, que por enquanto, e exceto em casos pontuais, não estão usando de violencia, nem de vandalismos, para dar o seu “recado”.

    1. Faz-me rir a idéia de que o

      Faz-me rir a idéia de que o atual governo federal é popular. Dê uma passadinha na Argentina para ver o que realmente poderia ser chamado de um governo popular, não no sentido de estar bem nas pesquisas mas no de ter apoio popular de verdade, gente na rua carregando bandeiras, “bancando” o governo com corpo e alma. O PT deve ter mais comentadores de blog do que gente disposta a sair nas ruas com bandeiras expressando seu apoio ao projeto nacional. Governo popular… pft.

      Agora, com relação aos black blocs e rolezinhos, acho que a professora acertou a questão: é o medo da multidão auto-organizada. É disso que estão todos com medo. Os jovens já frequentavam estes shoppings, o medo é da convocação de uma multidão, um poder alternativo à polícia e muitas vezes bastante imprevisível. E no Brasil estamos vendo que essa forma de multidão é poderosa, espero que na Copa ela se imponha às vontades de lucro que a FIFA espera impor às custas do povo brasileiro.

  2. A pratica deliberada dos

    A pratica deliberada dos governantes brasileiros tanto Pt como Psdb de classificar de modo generico açao policial como algo nocivo e desde sempre errado ( em nome da demagogia eleitoral /ideologica ) ainda podera nos custar muito caro durante os eventos que serao realizados no pais

    Em nome de uma pratica populista prega-se a condenaçao de açao policial que é legitima pois numa democracia o monopolio da força é do estado e a policia o orgao a executar a repressao , é desnecessario dizer que TODA operaçao para remover  pessoas que tenham se excedido ira ser necessarimaente violenta , nao ha como conter alguem à revelia de sua vontade sem emprego de força fisica e agente quimico

    Excessos devem ser severamente punidos porem classificar açao policial como algo totalitario ou desautorizar de imediato e genericamente a policia é coisa tipica de imbecis que nao entendem que democracia nao envolve somente direitos e sim DEVERES!

    Rolezinho NAO É PROTESTO DE NADA e mesmo que fosse deve ( como todos ) ser acompanhado e devidamente repreendido qualquer excesso por parte dos que os integrem

    As manifestaçoes de rua ocorridas no ano passado tinham proposito generico e como saldo real apenas infernizar a vida de M-I-L-H-O-E-S de outros cidadaos que depois de um dia cansativo no trabalho tiveram cerceados seu direito de ir e vir para nao citar atendimentos medicos e emergenciais 

    Manisfestaçoes sao legitimas e sua regulaçao e ( caso necessario contençao ) tambem sao legitimas

    Enquanto nossos demagogos e liberticidas nao entederem isso sera a lei da selva e só deus sabe o que podera nos aguardar durante os eventos que virao ou mesmo fora deles…

  3. Woodstock nunca mais?

    Falta à juventude espaço para se manifestar e para ver mais gente. O mundo virtual da TV e da telefonia móvel não é suficiente para prender o jovem em casa. O jovem está sufocado pelo espaço e os seus hormônios gritam por companhia de amigos, por paquera, por correr de carro, por testar o seu sexo, por ser um pouco “rebelde”, por mostrar habilidades aos colegas, etc. O comércio se escondeu em shopping Center e o shopping Center se esconde da juventude. Os parques têm grades. As cachoeiras têm dono. A Lei do Silêncio tira o direito de milhares de pessoas que querem manifestar alegria, num barzinho, a se submeter ao “direito” de tranqüilidade de uma única pessoa que ligou para policia. Foi-nos tirado o direito de viver a vida “ao vivo”.

  4. Alshop pressiona governo

    Matéria divulgada pela Associação Brasileira de Shoppings mostra a mais deslavada hipocrisia da classe:

    1. não somos classistas ou racistas.

    2. Sonegamos nossos impostos, mas o governo tem a obrigação de manter essa gente afastada (em lugares que não existem porque, imposto sonegado não paga praças decentes, clubes, teatros?)

    Na matéria abaixo, destaco:

    “pediu ao governo do Estado de São Paulo que promova festas voltadas ao público dos rolezinhos para evitar que os adolescentes se reúnam em grande número nos centros comerciais.” = mantenha essa gente longe de nós

    “A estimativa da Alshop é de perda de 25% do faturamento nos shopping onde houve rolezinhos. Mas a série de protestos de junho, segundo ele, deram muito mais prejuízo.” = vamos ter que demitir se o governo não fizer o que pedimos.

    “O shopping Itaquera, em São Paulo, informou que já investiu 300 mil reais em segurança, treinamento e advogados por causa dos encontros, valor que não estava previsto em seu plano de negócios.” = estão usando o que foi sonegado de ISS?

    Registre-se que a té o momento não foi registrado NENHUM, repito NENHUM furto, roubo ou depredação de patrimônio.

    Mas “essa gente” não se comporta como se deve:  rodar por bom tempo para conseguir uma vaga, submeter-se a pagar preços mais altos sem justificativa plausível, ficar em filas para qualquer coisa (até para pagar!!!) e, supra-sumo, ir até o alimentador (de gado?) pra comer lixo, ficar com o olhar perdido e com uma bandeja na mão e, ao conseguir uma mesa, levantar logo porque a cadeira é dura e desconfortável e tem mais gente com bandeja na mão aguardando o teu lugar.

    Penso que grande parte dessa comoção se deve à total falta de confiança na Policia e sua aceitação como entidade ineficiente.

    Se a polícia fosse de fato preparada, haveria trabalho de inteligência no monitoramento do facebook, etc e faria trabalho de prevenção: pode haver depredação, tumulto, roubo ou só é reunião, direito constitucional garantido?

    Se a polícia fosse de fato preparada, havendo furto, haveria prisão. Largado pela polícia, o logista fecha as porta. Os compradores, vendo a movimentação estranha se comportam como gado e basta um grito mais forte pra estourar a boiada. Os celulares fornecem o espetáculo visual para o JN, que, vamos combinar, é o que realmente interessa.

     

    Shoppings pedem que governo promova festas para público de rolezinhos

    Por Clarice Sá – iG São Paulo |

    22/01/2014 10:18- Atualizada às 22/01/2014 10:39Texto

    Eventos poderão ser patrocinados por varejistas e centros comerciais. Alshop se reunirá com governo federal para pedir que Estados ofereçam alternativa de lazer aos jovens

    O presidente da Associação Brasileira de Shoppings (Alshop), Nabil Sahyoun afirmou na manhã desta quarta-feira (22) que pediu ao governo do Estado de São Paulo que promova festas voltadas ao público dos rolezinhos para evitar que os adolescentes se reúnam em grande número nos centros comerciais.

    Clarice Sá/iGNabil Sahyoun, presidente da Alshop

    O governador Geraldo Alckmin, segundo Sahyoun, se comprometeu em encontro ocorrido nessa terça (21) a fazer em cerca de 15 dias um levantamento de locais que possam abrigar shows para os adolescentes. O presidente da associação se reunirá com o governo federal na próxima quarta-feira (29), em que pedirá que outros governos estaduais sejam orientados a criar opções de lazer para os participantes dos rolezinhos, assim como acordado em São Paulo.

    Para esta reunião, estão confirmados as presenças do secretário geral da presidência, Gilberto Carvalho e a ministra do Turismo, Marta Suplicy. Outros dois ministros – ainda não confirmados – devem participar do encontro.

     

    Ainda nesta manhã, o empresário conversará com o secretário de Promoção da Igualdade Racial do município de São Paulo, Netinho de Paula e também pedirá que sejam oferecidas outras opções de lazer para esses jovens. “É obrigação do governo”, afirmou. Sayhoun disse que a Alshop deve conversar com shoppings e redes varejistas para que patrocinem os eventos caso sejam promovidos pelos governos. Ele também teve encontro com promotores do MInistério Público do Estado de São Paulo sobre a questão. 

     

    O empresário disse ainda que “todos são bem-vindos aos shoppings centers” e negou que haja segregação na tentativa de evitar os rolezinhos. “Shopping não é bandido e adolescente é mocinho, todos podem entrar. Mas eles não podem convocar 10 mil pessoas para entrar no empreendimento ao mesmo tempo. Virão ações contra o empreendimento se alguma fatalidade ocorrer”, disse.

    Para evitar problemas de segurança, ele avalia que fechar as portas é a melhor opção para os shoppings onde rolezinhos estão sendo marcados, apesar do prejuízo financeiro. A estimativa da Alshop é de perda de 25% do faturamento nos shopping onde houve rolezinhos. Mas a série de protestos de junho, segundo ele, deram muito mais prejuízo.

    Separadamente, os shoppings evitam comentar sobre as perdas causadas pelos encontros dos jovens. No domingo, o shopping Leblon, no Rio de Janeiro, administrado pela Aliansce, decidiu não abrir as portas depois que um “rolezinho” foi marcado naquela data.

    A assessoria de imprensa do empreendimento não deu informações sobre prejuízos, limitando-se a informar que o shopping recebe, em média, 700 mil visitantes ao mês. Mas que ao domingos o número costuma ser menor, já que o shopping abre mais tarde, às 15h.

    O shopping Itaquera, em São Paulo, informou que já investiu 300 mil reais em segurança, treinamento e advogados por causa dos encontros, valor que não estava previsto em seu plano de negócios. No dia 11, a Polícia Militar reprimiu um “rolezinho” no local com gás lacrimogêneo e balas de borracha.

    Entre outros empreendimentos onde ocorreram os encontros estão o JK Iguatemi, da Iguatemi, Shopping Campo Limpo, da Sonae Sierra, Internacional Shopping Guarulhos, da General Shopping e Plaza Niterói, da BR Malls.

     Leia tudo sobre: rolezinhoigspsão paulo

  5. a geraçao perdida

    ….. eles, segunda ona de açoes pela inercia gocernamental – federal, estadual e municipal, lutam desesperadamente para nao ser mais uma geraçao perdida.

    o povo da classe F, E, D e C nao nasceram para ver os burgueses das classes AA, A e B viveram nababescamente enquanto eles se lixam nas favelas e palafitas q o minhacasaminhavida nao extermina.

    e eles nao votam.  aguardem quando chegar a idade de votar !!

  6. Comentário.

    Quando alguém começa a usar conceitos como pós-modernidade e hipermodernidade já me dá engulho. A empulhação está em se achar que estamos nestas coisas, ou mesmo perguntar se determinadas situações constituem esses conceitos não para construí-los, mas para que os escritores justifiquem o seu uso, um artifício retórico e lógico. Muitos analistas deveriam ir para as ruas, para adquirirem propriedade daquilo que escrevem. Isso demora para se perceber e é nesse momento que eu percebo não só que erro mas que arrisco-me a pensar de verdade. Conceitos mal construídos, mal colocados, aceitação incondicional a certas interpretações. Por fim, um texto construído sobre a má consciência, esgueirando-se no “todos nós” apenas para que cada um fique quietinho na análise (a contradição pessoal não pode servir de constatação da situação individual e coletiva, mas apenas um novo momento de moralismo). Por fim, o texto é cheio de chavões acadêmicos que apenas justificam o postador. Aos enganos de algumas ações se misturam às conscências dos “atores” e dos “analistas”; de mistificação em mistificação, de engano em engano, um pouco de ceticismo e distanciamento fariam bem.

  7. Old black blocs..

    uma piada sobre os “meninos de preto”..mas que tem um pouco de verdade isso lá tem..

     

     “ Pepper in someone else’s ass is like an icy coke… “THE OLD BLACK BLOC – Filho, eu descobri essas coisas no seu armário…
    – Qual é o problema de ter uma máscara e um taco de beisebol?
    – Você usa isso?
    – Não… quer dizer, as vezes…
    – É que que estou precisando. Será que você me empresta?
    – Precisando? Pra quê?
    – É que eu li as coisas que você andou escrevendo na internet…
    – Você andou lendo o meu face?
    – Qual é o problema? Não é público?
    – É…mas…
    – Pois é, eu li o que você escreveu e …
    – Pai, eu sei que você não gostou do que eu escrevi lá , mas… eu não vou discutir, são as minhas ideias. Eu sou anarquista e…
    – Não. Eu achei legal. Você me convenceu.
    – Convenci? De quê?
    – Tá tudo errado mesmo… eu li o que você escreveu e concordo. Agora eu sou anarquista também, que nem você…
    – Você o quê? Pai… que história é essa?
    – É, você fez a minha cabeça. tem que quebrar tudo mesmo! Agora eu sou Old Black Bloc!
    – Pai, você não pode… você é diretor de uma empresa enorme e…
    – Não sou mais não. Larguei o meu emprego. Mandei o dono tomar no cu. Mandei todo mundo lá tomar no cu !
    – Pai, você não pode largar o seu emprego. Você está há 30 anos lá, ganha mais de R$ 30.000,00 por mês…….
    – Posso sim! Aliás tô juntando uma galera pra ir lá quebrar tudo.
    – Quebrar tudo onde?
    – No meu trabalho! Vamos quebrar tudo ! Abaixo a opressão! Abaixo tudo!
    – Você não pode fazer isso, pai…
    – Posso sim! É só você me emprestar a máscara e o taco de beisebol. E aí, você vem comigo?
    – Não… acho melhor não…
    – É melhor você vir porque agora que eu larguei tudo, a gente vai ter sair desse apartamento…
    – Sair daqui? E a gente vai morar aonde?
    – Sei lá! Vamos acampar em frente a uma empresa capitalista qualquer e exigir o fim do capitalismo!
    – Pai, você não pode fazer isso ! Não pode abandonar tudo!
    – Tô indo! Fui!
    – Peraí, pai! Pai! Volta aqui! Volta aqui, pai!!! Voooltaaaaa!

     

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