Dia da Criança, por Ana Estela Haddad e Mariana Scaff Bartos

A infância é um período único e pleno de significados. Como bem disse Gabriela Mistral, poetisa e educadora chilena: “seu nome é hoje”. Ela não voltará, e não pode esperar.

Dia da Criança

por Ana Estela Haddad e Mariana Scaff Bartos

“Um menino nasceu – o mundo tornou a começa!”

Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa

Muitos países comemoram o Dia da Criança em 20 de novembro, tendo como referência a aprovação da Declaração dos Direitos da Criança, instituído pela Organização das Nações Unidas, em 1959. No Brasil, a escolha da data de 12 de outubro para essa comemoração é atribuída ao Deputado Federal Galdino do Valle Filho, na década de 20. É também este o dia de Nossa Senhora Aparecida, proclamada Rainha do Brasil e sua Padroeira Oficial desde 1930.

Severino Antonio e Katia Tavares expressam, poeticamente, que “…cada criança é feita da matéria do mundo, da circulação da vida, das circunstâncias históricas e sociais, mas ao mesmo tempo, feita de sonhos, movida por desejos e sentidos que descobre ou atribui à vida…”. Em seu belo livro “Uma Pedagogia Poética para as Crianças”, eles também apresentam uma concepção de educação pela qual o ser humano precisa ser educado “para permanecer vivo e para recriar a vida… para trazer à tona suas possibilidades humanas, para despertá-las e desenvolvê-las, para tornar-se o que é, o que pode vir a ser”, e nos arrebatam ao afirmar ainda que “cada criança traz em si a humanidade inteira”.

Um artigo recente do pesquisador em políticas públicas Flavio Cunha, (Folha de SP, 07/10/2019) argumenta que investir na primeira infância é o caminho para a prosperidade. Neste mesmo sentido, James Heckman,  Nobel de Economia em 2000, mostrou que as crianças com estímulos no desenvolvimento primário tendem a passar mais anos estudando, têm um índice mais baixo de evasão escolar, menores taxas de gravidez na adolescência e chances menores de se envolver com atividades ilícitas

Do nascimento até os 3 anos de idade, a chamada primeiríssima infância, o cérebro da criança se desenvolve como em nenhuma outra etapa do crescimento e desenvolvimento infantil, chegando a produzir mais de um milhão de conexões neurais por segundo, e alcançando 80% do seu tamanho adulto. A nutrição adequada, o amor e afeto, a proteção, as experiências e aprendizagens vivenciadas nesse período são determinantes para que o desenvolvimento possa atingir seu potencial pleno. Essas experiências ajudam a modelar a arquitetura e as funções cerebrais. As funções primárias são fundantes e sobre elas vão se estabelecendo novas, cada vez mais complexas. Se houver fragilidades nas etapas iniciais, aquelas que se desenvolvem subsequentemente também serão afetadas.

Entre os aprendizados importantes está o de lidar com o stress, que dentro de certos limites é saudável. Mas há situações, como nos casos de negligência ou de violência, e quando não há um adulto cuidador para acolher e proteger a criança, em que o sistema do organismo de resposta ao stress permanece ativado. O stress, assim, torna-se tóxico e disruptivo para o desenvolvimento dos circuitos cerebrais O estresse tóxico persistente muda até a arquitetura do cérebro e diminui o número de conexões dos neurônios, afetando também o sistema imunológico, o metabolismo e a função cardiovascular. Como regra geral, adversidades na primeira infância geram consequências mais profundas e mais duradouras do que adversidades sofridas depois.

Não é difícil perceber que na nossa cidade, no nosso país e no nosso continente, muitas crianças ainda estão submetidas a situações propensas a desencadear o stress tóxico, podendo assim comprometer seu desenvolvimento integral saudável. Ambientes desprotegidos,  negligência desamparo e violência representam ameaças ao desenvolvimento infantil.

O documento “Convergencia para la Acción”, da Red de Líderes em América Latina por la Primera Infancia, Rede a qual recebemos recentemente o convite para integrar, em reconhecimento à experiência da São Paulo Carinhosa, aponta que a América Latina está entre as regiões do mundo que ainda convive com altos índices de desigualdade e violência, injustiça social, ambiental e climática. E as crianças estão sobre representadas na pobreza, situação na qual elas não têm nutrição básica, acesso à saúde e os estímulos necessários à promoção do crescimento e desenvolvimento saudável.

Outro desafio é o fenômeno migratório na região, e estima-se que haja em torno de 6,3 milhões de crianças migrantes na América. Parte dos quais chegam a migrar sozinhos, fugindo da pobreza e da violência em suas comunidades. São crianças em situações de vulnerabilidade adversas e prolongadas.

Conscientizar cada vez mais pessoas e atores sociais para a importância e urgência de enfrentar esses desafios está na ordem do dia dessa nova iniciativa, liderada pela ex-Presidente do Chile e médica pediatria Michelle Bachelet.  Aqui do Brasil, estamos sendo chamados a dar a nossa contribuição, a partir das experiências exitosas que desenvolvemos, e também avançar nas políticas públicas intersetoriais, promotoras do desenvolvimento humano e social.

A infância é um período único e pleno de significados. Como bem disse Gabriela Mistral, poetisa e educadora chilena: “seu nome é hoje”. Ela não voltará, e não pode esperar. Precisamos cuidar dela “pelo seu valor presente, para que seu projeto de existência possa se concretizar.” E devemos a ela a preservação e o resgate do planeta, que é a sua casa e das futuras gerações, nos tendo sido generosamente emprestada (mensagem de um provérbio indígena).  Feliz Dia da Criança!

Ana Estela Haddad – Cirurgiã-dentista, Professora Livre Docente da Faculdade de Odontologia da USP, Coordenadora Adjunta do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Políticas Públicas Escola da Metrópole do Instituto de Estudos Avançados da USP,  e ex-diretora de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (2005-2012, governos Lula e Dilma

Mariana Scaff Bartos – Mestre em administração pública e governo pela FGV e bacharel em gestão de políticas públicas pela USP, foi Assessora da Secretaria de Relações Internacionais e do Gabinete do Prefeito do município de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad)

 

Redação

2 Comentários

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  1. Gabriela Mistral também disse:
    “A educação é, talvez, a forma mais alta de buscar a Deus….”

    «Eu lhes garanto: se vocês não se converterem, e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu. “(Mt.18,3)

  2. Na sociedade onde a busca desenfreada pelo prestígio midiático tende a se apossar da essência de nosso SER e de nosso AGIR, nada com o clarão de uma LUZ a nos trazer a PAZ:
    Quem é o maior na comunidade?
    -* Naquele momento, os discípulos se aproximaram de Jesus e perguntaram: «Quem é o maior no Reino do Céu?» Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: «Eu lhes garanto: se vocês não se converterem, e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu. Quem se abaixa, e se torna como essa criança, esse é o maior no Reino do Céu. E quem recebe em meu nome uma criança como esta, é a mim que recebe.» (Mt. 18, 1-5)
    * 18,1-5: A comunidade cristã não é a reprodução de uma sociedade que se baseia na riqueza e no poder. Nela, é maior ou mais importante aquele que se converte, deixando todas as pretensões sociais, para pertencer a um grupo que acolhe fraternalmente Jesus na pessoa dos pequenos, fracos e pobres.
    http://www.paulus.com.br/biblia-pastoral/_PVO.HTM#EO3A

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