É hora de lutar como Lula, não de flanar em seu legado, por Gustavo Conde

Não adianta mais fazer discurso com governos do passado à tiracolo. Tem que trabalhar, tem que construir

REUTERS/Ueslei Marcelino

É hora de lutar como Lula, não de flanar em seu legado

por Gustavo Conde

Se a gente superar a pandemia de covardia política, de ‘estrategismo’ e de ‘analismo’ que imperam no Brasil desde que Lula deixou a presidência, já está de bom tamanho.

É bom lembrar: quando Dilma assumiu o país, o machismo da esquerda contribuiu para nos entregar aos leões. Quem não se lembra do volume de ceticismo que muitos integrantes do governo tinham com relação à Dilma?

No ministério da Educação, a coisa chegou a ser extrema, com um grau de prepotência que lembrou muito o PSDB (e foi pior).

Tem gente que ainda não se tocou que a luta política recomeçou. Não adianta mais fazer discurso com governos do passado à tiracolo. Tem que trabalhar, tem que construir, tem que fazer como Lula fez.

Para chegar à presidência, Lula trabalhou sem parar durante 34 anos (ganhou em 2002 depois de iniciar na luta política em 1968, quando se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos). Perdeu três eleições seguidas, foi trucidado pela imprensa diariamente, liderou um partido gigantesco e teve a delicadeza de conversar com setores empresariais, o segmento mais sujo e desonesto do país.

Alguém aqui acha que isso é fácil? Alguém aqui acha que tem algum político hoje no Brasil capaz de repetir esse processo histórico?

Muita gente quer flanar na história de Lula, acreditando que é só ter o seu apoio que será fácil chegar à presidência.

Volto a dizer: há um fosso gigantesco entre Lula e TODOS os outros políticos brasileiros. O mais destacado, honesto e inteligente terá de comer muita farinha com carne seca para seu discurso reverberar no peito do povo brasileiro como ocorre com as falas de Lula.

Perto de Lula, tudo fica meio ‘artificial’. E isso não é uma bênção, é uma maldição.

É desse mal que sofre Ciro Gomes, pelo menos o único que admite – recalcando – que viver à sombra de Lula é muito difícil.

A esquerda que vive de tuítes, de redes sociais, de lacrações pré-fabricadas para alimentar sites progressistas, vai caminhando perigosamente para o auto aniquilamento.

É muita ‘forçação’, muita falação, muita burocracia, muito ciúme, muita insegurança, muito ‘narcisismo civilizatório’.

Mas, Conde, que maldade! Com um Bolsonaro à solta, você vai criticar a esquerda?

É exatamente essa a questão: com a luta política à solta, nós vamos ficar criticando Bolsonaro? Ou vamos reconstruir uma sociedade à revelia dele para, quando chegar a hora, estarmos prontos para governar?

Voltemos a Lula. Lula não ficou conhecido por “criticar a ditadura”. Lula propôs um modelo novo de partido político e um modelo novo de país, muito mais avançado e poderoso que as teses acadêmicas do socialismo.

Por isso, ele assustou tanto o sistema, por isso ele cumpriu seus dois mandatos, por isso ele fez do Brasil uma potência econômica e um dos países mais admirados do mundo.

É hora de sermos ousados, como Lula foi e é.

E se a sombra de Lula é muito grande, que saiamos da covardia preguiçosa de repetir os discursos prontos do passado, para elaborar um discurso novo do presente.

O próprio Lula faz isso. Ele se renova de maneira vertiginosa, (lembra do passado apenas para reformular teses e querer sempre mais).

Precisamos sair também dessa pequeneza de povoar redes sociais em busca de aprovação, engajamento e monetização. Isso não constrói um país, mas constrói o universo improdutivo das subcelebridades políticas.

É o modo bolsonarista de viver.

Muita gente já tem falado que veículos de comunicação mais à esquerda são ‘Antagonistas’ de sinal trocado. Isso é real.

Os processos como esses conteúdos que estão sendo gerados obedecem à lógica da lacração, da ‘polarização em si’, do baixo nível analítico, da pressa, das ocupações de espaços, das intrigas, dos barracos.

É essa engrenagem que tem alimentado com tanta eficiência o ‘modo bolsonaro’ de habitar o país e o debate público degradado.

O que fazer?

Sejamos ousados. Expulsemos a covardia endêmica que nos habita.

Lula está, mais uma vez, certo em não querer se debruçar na lógica das redes sociais. É preciso respeitar, senão sua história, sua inteligência.

Ele está mostrando que o caminho não é digital, mas sim, real. E será preciso muita inteligência coordenada para se construir esse caminho – que terá obrigatoriamente de lidar com o universo digital, mas que terá de produzir um novo tipo de discursividade política para restabelecer o debate público.

Não é trivial – por isso é preciso coragem.

A opção Lula é relativamente simples. Lula aposta na mais avançada tecnologia já conquistada pela espécie humana: a linguagem.

A organização dos sentidos políticos em discurso (em texto) é a arma mais poderosa – e mais sólida – para qualificar o debate público e apresentar soluções sempre renováveis de governança.

Pode-se ocupar os espaços digitais, mas sob uma outra lógica, que não essa do canibalismo semântico que se auto perpetua como sistema independente.

Conceba-se os discursos renovados, devidamente investidos de um tom e uma dicção (qualidades em falta no presente momento) e promova-se, aí sim, videoconferências, tuítes e debates digitais.

É inverter o processo: primeiro o sentido, depois o suporte.

Fazendo tudo isso, quem sabe, em menos de 34 anos, consigamos retomar a soberania e a democracia neste país.

Afinal, a ansiedade gerada pela vertigem digital também tem sido uma das nossas inimigas na tarefa de acelerar o processo histórico de defenestração do terrorismo de Estado.

Vamos à luta – e como diz Lula: sem medo de ser feliz.

Redação

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  1. Sem dúvida alguma, um primoroso texto. Rico em coerência, perfeito na análise e feliz em sugestões que podem trazer bons frutos para uma nova e mais consistente esperança.

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