Eleições 2020: direito ao voto ou direito à vida?, por Ruben Rosenthal

Com as habituais filas e aglomerações que sempre se formam nas seções eleitorais, como garantir que os eleitores não se contaminem com o coronavírus?

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Por Ruben Rosenthal

Supondo a ausência de uma vacinação em massa até o dia 15 de novembro, e mantida a atual taxa de mortalidade, estaremos indo às urnas já beirando ou tendo ultrapassado um saldo de 200.000 mortes pelo coronavírus. A matemática não falha, por mais assustador que seja o resultado da conta. Mas as eleições podem agravar ainda mais a pandemia, se as medidas de segurança previstas não forem suficientes. Deve ser mantida a obrigatoriedade do voto nestas circunstâncias?

Pelo novo calendário eleitoral, as eleições municipais foram marcadas para os dias 15 e 29 de novembro, correspondendo ao primeiro e segundo turnos. O motivo do adiamento foi a pandemia da Covid-19. Para diminuir o risco de se contrair a doença, nestas eleições não será utilizada a biometria, álcool em gel será disponibilizado, bem como os eleitores receberão canetas individuais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu ampliar em 1 hora o período de votação e reservou para pessoas acima de 60 anos, integrantes dos grupos de risco, o horário das 7 às 10 das manhã. Mas serão estas medidas suficientes para garantir a saúde dos 148 milhões de eleitores aptos a votar?

É de se supor que só seja permitida a entrada nos locais de votação, dos eleitores, mesários e fiscais que estejam usando máscaras de proteção, e da forma correta, sem deixar o nariz de fora, como é habitual se ver nas ruas. Resta ver se os apoiadores fanáticos de Bolsonaro que não usam máscaras respeitarão estas normas, ou se irão criar tumultos no dia da eleição.

Entretanto, mesmo que sejam cumpridos estes procedimentos, os eleitores poderão comparecer para votar em seus candidatos, sem a preocupação de que possam se contaminar nas seções eleitorais? Como garantir que não ocorrerão filas e aglomerações, para que não resulte um aumento vertiginoso dos casos de contaminação nos dias e semanas que se seguirão às eleições, com o consequente aumento do número de mortes?

Nas eleições de 2018 no Rio de Janeiro, imensas filas se formaram para votação. Segundo declarou na ocasião, a então diretora-geral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), Adriana Brandão, as filas resultaram da extinção de diversas zonas eleitorais por contenção de custos. Ainda segundo ela, a iniciativa foi tomada porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) baixara uma resolução determinando a redução no número de zonas eleitorais (nos estados). No caso do Rio, esta redução foi de 244 para 165 zonas, afetando regiões de diferentes níveis sócio-econômicos. Mantida esta situação nas próximas eleições as aglomerações serão novamente inevitáveis, apesar das medidas já adotadas pelo TSE.

ilas na PUC-Rio nas eleições de 2018 \ Foto: Marcos Serra Lima/G1

A medida mais segura a adotar seria adiar novamente as eleições. A pandemia mostrou alguns sinais de regressão nos últimos dias, mas com a flexibilização precoce em muitos municípios, poderá ocorrer nas próximas semanas uma subida acentuada da curva de novos casos, como se sucede agora na Espanha e França.

Segundo relatado pela Agência Senado, durante a sessão remota de debates em 17 de junho, quando se decidiu pelo adiamento das eleições originalmente previstas para os dias 4 e 25 de outubro, os senadores afirmaram que “o futuro da pandemia de Covid-19 é imprevisível, e que isso precisava ser levado em conta na hora de redigir a proposta de emenda à Constituição que trata do adiamento”.

Estava correta a primeira parte da afirmação, sobre a imprevisibilidade do futuro da pandemia, mas os senadores não levaram isto em conta na redação da PEC, que não contemplou os diferentes cenários que Antonio Anastasia (PSD-MG) parecia então defender. O senador também afirmou não concordar com a prorrogação dos atuais mandatos de prefeitos e vereadores. No entanto, a decisão dos senadores foi tomada nas condições seguras de uma sessão remota, segurança que até agora está sendo negada aos eleitores.

Para o Senador Nelsinho Trad (PSD-MS) as decisões precisam se basear nos dados epidemiológicos. Mas se estes forem realmente levados em consideração, então as eleições precisariam ser adiadas novamente, mesmo que isto signifique prorrogar os mandatos. Fica a questão: para os políticos, seus interesses particulares estão acima da saúde da população? Que garantias Congresso e TSE poderão oferecer aos eleitores de que não irão se contrair o coronavírus, caso decidam comparecer às seções eleitorais para votar?

Muitos eleitores poderão se sentir inseguros com as medidas que foram adotadas até agora, e preferir manter a quarentena. Trata-se de um momento excepcional, em que não deveria prevalecer a obrigatoriedade do voto. Não deveria haver medidas punitivas para os que optassem por não comparecer às urnas em 15 de novembro, supondo-se que esta data não seja novamente alterada.

Nos Estados Unidos é possível o voto pelo sistema postal, em que urnas são espalhadas pelas ruas das cidades, sem que o eleitor precise comparecer aos centros de votação. No Brasil este método não parece ter sido cogitado até o momento, o que exigiria agora uma missão talvez impossível para se conseguir viabilizar esta alternativa, sem que possam ocorrer fraudes.

Urna para coleta de votos em Maryland, Estados Unidos \ Foto: Tom Williams/CQ-Roll Call, Inc via Getty Images

Uma possibilidade de reduzir ainda mais os riscos de contágio seria realizar pelo menos o primeiro turno em dois dias separados (consecutivos ou não), sendo que em cada dia os eleitores poderiam ser distribuídos em horários de votação previamente estipulados, de acordo com algum critério definido e amplamente divulgado.

A quem caberá responsabilidade se nada for feito para evitar uma maior disseminação da pandemia? Aos sociopatas que estão no poder em Brasília ou aos membros do Congresso e ministros do TSE, por não terem tomado as medidas necessárias. O julgamento certamente virá se o pior acontecer, se não for pelo Tribunal de Haia será pelo Tribunal da Infâmia.

Ou então, só restará torcer para que o seu candidato a prefeito, meu caro leitor e eleitor, ganhe no primeiro turno, para que não haja necessidade do comparecimento às urnas uma segunda vez, aumentando ainda mais os riscos de contrair a Covid.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense e responsável pelo blogue Chacoalhando. Acesse o índice dos artigos já publicados.

Redação

1 Comentário

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  1. Até novembro com certeza os correios já estará funcionando e se poderia adotar uma espécie de sedex eleitoral com AR que consistiria em um envelope com um ficha dentro dirigida a cada tribunal eleitoral, em que o eleitor coloca a informação constante do íitúlo na ficha igual loteria em que uma máquina faz a leitura dos nomes do prefeito e vereador escolhidos. Mas esse processo de voto pelos correios teria que começar uns 15 a 20 dias antes de 15 de novembro.

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