Estatuto da Família: marcha a ré, por Wagner Iglesias

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Wagner Iglesias

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FANATISMO RELIGIOSO

Dei meu pitaco no Estadão Noite sobre a votação do Estatuto da Familia ontem, em comissão da Câmara dos Deputados.

Estatuto da Família: marcha a ré

A Comissão Especial sobre o Estatuto da Família aprovou, na tarde desta quinta-feira, parecer que prevê o reconhecimento do conceito de família como a união entre um homem e uma mulher, exclusivamente. E foi de goleada: 17 deputados votaram a favor e somente 5 contra. O próximo passo será a votação do texto no plenário da Câmara. Não é possível hoje arriscar um palpite sobre o resultado que surgirá do plenário, mas não é de se descartar que o texto seja aprovado, dado o show de horrores que a Casa tem proporcionado ao país na votação de diversas matérias profundamente retrógradas nestes últimos tempos.

O fanatismo religioso que tomou conta de parte do Congresso Nacional, e especialmente da Câmara dos Deputados, de fato espelha o inegável crescimento de algumas seitas em nosso país nas últimas décadas, mas está longe de refletir a pluralidade de opiniões presentes na sociedade brasileira. Pelo contrário, com as tantas mudanças vividas pelo país nos últimos vinte ou trinta anos, das questões morais às questões econômicas, são cada vez mais diversos os arranjos familiares encontráveis na vida concreta de dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros. É absolutamente lamentável que setores cada vez mais proeminentes na Câmara cassem, na prática, o reconhecimento legal do direito do indivíduo de viver sua vida da maneira que quiser, aí incluído o direito a ter direitos, independentemente daquilo que ele ou ela queira fazer de seu afeto e de seu corpo.

Também é lamentável que setores considerados num passado não tão distante como progressistas cerrem fileiras com esse radicalismo religioso, provavelmente na esperança de jogar mais gasolina na fervura que vai tomando conta do país e que poderá resultar em breve no solapamento do poder daqueles que promoveram o ciclo modernizador da última década.

Voltando ao tema votado nesta quinta-feira, é importante ressaltar que o STF já havia definido, em 2011, o entendimento de que admitiu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, a partir do respeito às diferenças e da vedação à discriminação em razão de sua etnia, religião ou orientação sexual. O voto em plenário sobre o parecer aprovado hoje pode ser derrubado depois, no próprio Supremo. Mas a questão de fundo é a de sempre: o Congresso Nacional passa por uma profunda crise de legitimidade. Eleito com o dinheiro grosso de grandes corporações, está lotado de homens adultos brancos ideologicamente conservadores, ao passo que as demandas e os interesses das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos jovens, dos indígenas, da população pobre e dos trabalhadores em geral estão cada vez mais sub-representados no Parlamento. A vitória do radicalismo religioso na votação desta tarde é apenas mais um capítulo na marcha insana que o país está a percorrer rumo ao passado.

* Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Esse fundamentalismo tosco devasta

    Esse fundamentalismo tosoco edevasta esperanças mundo afora e se torna a pessoas mais rudes, menos solidária.,.esperamos que o STF reconheça que o Estado brasileiro é laico e não ajude estes energúmenos a dar mais um passo rumo a uma teocracia….família é que protege..é quem cuida e ama e ponto final…

    Considerada abominável, a homossexualidade foi criminalizada pela Igreja, pelo Estado e pela Inquisição com penas que chegavam à morte

    http://rhbn.com.br/secao/capa/as-leis-da-intolerancia

     

     

  2. Eu como liberal clássico

    Eu como liberal clássico também acho que houve retrocesso mesmo, o STF já definiu os direitos, o que foi aprovado na Coimissão Especial é para inglês ver,vitória de pirro, se evangélicos e conservadores quiserem fazer valer o STF vai neutralizar.

    Chegamos num tempo que família é homem x mulher e filhinhos, h x h, m x m e filhinhos adotivos ou não. Não tem mais volta.

    Espero q logo também se legalize as famílias poligâmicas, como é meio comum nalgumas partes (até conservadoras) dos EUA.

     

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