EUA x China: a pandemia abortou uma guerra?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não é difícil encontrar na internet especialistas e analistas norte-americanos que enquadram a possibilidade de uma guerra entre EUA e China.

EUA x China: a pandemia abortou uma guerra?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Segundo o historiador Tucídides, as principais causas da Guerra do Peloponeso foram a desconfiança e o medo.

“Começaram-na atenienses e peloponésios quando romperam o tratado dos Trinta Anos que firmaram após a captura de Eubéia. Para explicar por que o romperam comecei escrevendo primeiro os motivos e as divergências, a fim de que ninguém venha indagar de onde surgiu para os helenos uma tão grande guerra. A causa verdadeira, embora menos declarada, é, penso eu, que os atenienses, tornando-se poderosos, inspiraram temor aos lacedemônios e os forçaram a lutar.” (História da Guerra do Peloponeso, Livro I – edição bilíngue, Tucídides, Martins Fontes, São Paulo, 2013, p. 33)

Não é difícil encontrar na internet especialistas e analistas norte-americanos que enquadram a possibilidade de uma guerra entre EUA e China. O rápido crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico da China, a imensa fatia do comércio mundial que aquele país conquistou e a total independência política e financeira de Pequim em relação do Ocidente (os chineses são credores dos EUA) desperta a desconfiança e o medo dos norte-americanos.

Esses dois sentimentos foram sequestrados, amplificados e utilizados por Donal Trump durante a eleição presidencial. Após tomar posse como presidente dos EUA, Trump passou a hostilizar abertamente a China e iniciou uma guerra comercial. Ninguém precisa ser especialmente perspicaz para perceber que toda guerra comercial pode ser o prenúncio de um conflito militar. A Europa foi devastada por duas guerras mundiais precedidas de disputas por mercados e áreas de influência econômica.

A longa e dolorosa Guerra do Peloponeso chegou a um impasse. Os espartanos tinham ampla hegemonia em terra. Eles podiam devastar territórios controlados por Atenas, mas não conseguiam derrotar seu inimigo. A superioridade naval dos atenienses era inegável. Atenas podia ser abastecida por seus navios e não seria derrotada mesmo que ficasse sitiada. Entretanto, essa vantagem militar continuaria sendo incapaz de garantir a vitória sobre uma potência terrestre.

Três coisas destravaram o conflito: os espartanos construíram uma frota naval; a marinha ateniense sofreu uma imensa derrota ao atacar a Sicília e; uma doença misteriosa que penetrou em Antenas e começou a dizimar sua população. Os dois últimos fatores que determinaram o resultado da guerra foram narrados assim por Victor Davis Hanson:

“Entre um terço e a metade dos milhares de remadores imperiais perdidos na Sicília era provavelmente composta de cidadãos atenienses e estrangeiros residentes (os metecos). A morte ou a captura dos mais de 20 mil marinheiros estrangeiros e aliados não apenas drenou o império de recursos humanos, mas também criou ondas de ressentimento contra Atenas entre súditos enlutados. Fazia muito tempo que ficara para trás a memória do festivo espetáculo de vivas de regozijo e as expectativas de butins fáceis e de glória imediata que marcaram o dia em que a grande flotilha partiu do Pireu, em 415. Navegar com os atenienses podia resultar para um homem, quase certamente, na sua morte e na dos seus filhos.” (Uma guerra sem igual, Victor Davis Hanson, Editora Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2012, p. 372)

“Em Atenas, em poucos das os oficiais responsáveis não conseguiam mais carregar, e muito menos enterrar ou queimara, as crescentes pilhas de cadáveres. Os indivíduos não tinham recursos para cuidar dos familiares mortos. Às vezes, roubavam combustível ou piras inteiras – ou amontoavam os próprios mortos nos caixões dos outros. Conflitos estouraram. Muitos dos antigos residentes da cidade culpavam os recém-chegados do campo, cujos números e hábitos rústicos aparentemente poderiam explicar o surgimento súbito de uma pestilência desconhecida. É bem possível que essa tensão tenha ficado cozinhando em fogo lento durante décadas, estabelecendo as bases para um distúrbio político cerca de vinte anos ais tarde.

A cena de cadáveres apodrecendo e de corpos sem sepultura por toda a cidade deixou uma impressão indelével nos atenienses.” (Uma guerra sem igual, Victor Davis Hanson, Editora Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2012, p. 115)

A possibilidade de guerra entre EUA e China foi objeto de um excelente documentário do jornalista John Pilger:

https://medium.com/@caityjohnstone/the-coming-war-on-china-watch-john-pilgers-powerfully-relevant-documentary-ec384682fed0?fbclid=IwAR1fazIJDHJLtYrLxu4b45WEzCISSxc8eBq8_SVK9zCgX4hSvBEvSJR3Htk

Esse cenário, que também vinha sendo abertamente discutido pela imprensa norte-americana há alguns anos https://www.newsweek.com/south-china-sea-war-nuclear-submarines-china-united-states-barack-obama-xi-473428, se tornou menos provável assim que iniciou a pandemia do COVID-19. Os tambores de guerra pararam de tocar assim que o vírus começou a se espalhar na China e rapidamente foi levado para a Europa, EUA, Japão, América Latina, África e Oceania.

Como era de se esperar, Exército chinês desempenhou um papel importante para ajudar a conter e combater a moléstia em Wuhan
https://www.youtube.com/watch?v=XU9FVqwO4TM&feature=share&fbclid=IwAR0pGh5s3xXE2pWCrrZ8K_gJdcYJgqvuU2rJBfFSogGCNmYtsj7vw3xH7sk. Em razão da China controlar a circulação de informações é impossível dizer se o vírus infectou soldados chineses, se espalhou por unidades militares e obrigou o governo a fechar e isolar Quartéis. Mas nós observamos que isso já está ocorrendo nos EUA https://www.militarytimes.com/news/your-military/2020/03/25/covid-19-among-troops-have-jumped-almost-60-percent-this-week-as-their-rate-surpasses-the-us-at-large/?utm_campaign=Socialflow+MIL&utm_source=facebook.com&utm_medium=social&fbclid=IwAR38FmOPTUzktpF7jkZaCsUf24V0ixYhgEMwI9RKnwp21yv1O_cSG2fNNns https://sputniknews.com/us/202003261078717608-more-coronavirus-cases-found-among-crew-of-theodore-roosevelt-aircraft-carrier—us-navy/.

A peste que assolou Atenas influenciou o resultado da Guerra do Peloponeso. A pandemia do COVI-19 parece ter abortado temporária ou definitivamente um conflito militar entre os EUA e a China. Nesse momento e num futuro próximo não será possível realizar operações militares de grande envergadura sem colocar em risco as vidas dos soldados antes mesmo que eles entrem em ação. Os recursos humanos e econômicos que seriam empregados na guerra terão que ser usados para salvar vidas. Essa pode ser considerada uma boa notícia.

O COVID-19 é um vilão terrível. Onde quer que se espalhe esse vírus causa sofrimento, morte, isolamento e dor. Mas ele também pode ter impedido o planeta de mergulhar numa guerra que seria imensamente maior e mais destrutiva do que aquela que foi observada e narrada por Tucídides.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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