Evangelismo lançou o Brasil numa nova Idade Média, por Rui Martins

Brasil está destruído pela crendice bíblica, pela mentira levada ao povo e pelas ações dos vendilhões do templo

Por Rui Martins

No Observatório da Imprensa

Ao contrário de todos os cientistas do mundo, alguns pastores evangélicos, entre eles Silas Malafaia e Edir Macedo, garantem não haver nenhum risco de transmissão do coronavírus nos seus templos, durante as pregações bíblicas, cantos de hinos religiosos e testemunhos de fé. Como ninguém irá conferir os nomes dos mortos ou das pessoas internadas por coronavírus com os dos membros dessas igrejas evangélicas, o risco de um desmentido é remoto.

Como se não bastasse essa afirmação mentirosa, a Justiça também parece compartilhar dessa crença e oferece sua ajuda. Foi assim que, na semana passada, contra tudo e contra todos, um juiz do Rio de Janeiro decidiu ignorar a recomendação de confinamento da Organização Mundial da Saúde e de todos os países do mundo. O pastor evangélico Malafaia tinha sido autorizado pelo juiz, contra decisão do governador do Rio de Janeiro, a continuar reunindo os fiéis em suas igrejas, certo de que Deus os protegeria do coronavírus. Diante da má repercussão dessa vitória judicial, foi o próprio pastor quem recuou, afirmando ficarem abertos os templos, mas sem realização de cultos coletivos. O episódio mostra que o Brasil descobriu a máquina do tempo e decidiu retornar à Idade Média.

O recuo do pastor Malafaia evitou um certo caos, pois a exceção jurídica brasileira iria incentivar outras igrejas, não só evangélicas, a desejar se beneficiar da mesma decisão judicial para suas comunidades terem livre ingresso em seus templos e cultos, missas e sessões. Sem medo do vírus, porque seriam protegidas por Deus, dentro das mesmas crendices medievalescas com resultado danoso para a Europa, cuja população morria como moscas mesmo com o uso de água benta.

E, nessa altura, qual deverá ser a nossa atitude? De um lado, um presidente que convocou o povo para se manifestar nas ruas com o risco de contrair coronavírus, cuja irresponsabilidade justifica um impeachment. E agora, na sequência, um pastor pretensamente protegido por Deus, que insistia em reunir seu rebanho de fiéis incautos em cultos de centenas de pessoas, entre as quais haveria contaminados pelo vírus, sujeitos a internação e mesmo com risco de morte. Nos dois casos, é inquietante a irresponsabilidade. Ambos seriam punidos em qualquer outro país.

O fanatismo dos evangélicos

O Brasil vive hoje em plena Idade Média. Piores do que o coronavírus são a ignorância, o cheiro fétido do beatismo, o charlatanismo e a enganação pregada e propagada pelos chamados pastores evangélicos. Uma versão moderna de Deus e o Diabo na Terra do Sol, que deixaria apoplético Glauber Rocha – o ranço imanente dessa versão bíblica evangélica tirada dos porões do Mayflower, trazida ao Brasil e implantada à força de cantos e gritos histéricos na nossa cultura.

Deus acima de tudo – acima da ciência, da inteligência, da lógica, do saber, da literatura, da história. Mas que Deus? O Deus das fogueiras da Idade Média, das inquisições, das teorias imbecis, do céu, da salvação das almas e do medo do inferno. O Deus dos espertos que se aproveitam dos ignorantes, dos simples e pobres de espírito.

Nas análises do Brasil de hoje de Bolsonaro (econômicas, sociais, políticas e outras tantas), falta este ângulo resultante da nefasta influência evangélica – o de um Brasil destruído pela crendice bíblica, pela mentira levada ao povo e pelas ações dos vendilhões do templo.

Enquanto o mundo inteiro se preparava para enfrentar esse novo vírus, capaz de relançar o clima de medo, da morte e da peste que enlutou a Europa durante 400 anos anos, um presidente cego ria do perigo, no qual lançava seus fanáticos seguidores.

Quatro dias depois, o mesmo presidente – apostando na idiotice desses seguidores desmemoriados – reapareceu de máscara mal colocada no rosto, reconhecendo o risco do vírus.

Tarde demais: no domingo em que a irresponsabilidade do presidente levou às ruas cegos seguidores em mais de 200 cidades, num fenômeno de infecção coletiva, milhares contraíram o vírus do qual desdenhavam e em cuja existência não acreditavam. Logo veremos as dramáticas consequências.

Um presidente que expõe sua gente ao risco de morte não é digno do cargo e está merecendo um impeachment imediato por motivo de saúde pública.

Porém, isso dificilmente ocorrerá. Em torno dele, protegendo-o, estão os sacerdotes da mentira e da morte, iguais àqueles vestidos de preto e cheirando enxofre da Idade Média; aproveitando-se do nome de Cristo, eles continuarão suas rendosas pregações.

Seus pobres fiéis explorados não percebem, mas seus pastores são, sem dúvida, as Bestas do Apocalipse.

Enquanto o planeta (ou será que a Terra é plana, como diz o guru do presidente?) pede para todos evitarem sair às ruas para se proteger contra a nova peste, Silas Malafaia, o nome de um deles, reagiu contra a exigência de as igrejas fecharem suas portas para evitar aglomerações.

Finalmente aceitou cancelar os cultos, mas as igrejas permanecerão abertas, prestando assistência religiosa individual.. Malafaia deve ter uma oração secreta contra o coronavírus, enviada por Satanás, se não for ele próprio o Capeta…

E o autoproclamado bispo Edir Macedo é outro que desdenha do risco mortal do vírus. O grande antídoto contra todos os vírus seriam a Bíblia e o Evangelho, versão Igreja Universal, exatamente como diziam os sacerdotes na época da peste negra, faz sete séculos; eram os anunciadores da morte.

Ora, essa mesma Bíblia, no Livro das Revelações, ou Apocalipse, tem um versículo destinado a todos quantos se enriquecem e enganam o povo com religiões: “Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas” (Apocalipse 18:4).

Sou ateu, creio na capacidade do homem para vencer obstáculos como os vírus e vencer principalmente os enganadores que se aproveitam da ignorância para lançar seu manto de trevas, como na Idade Média.

***

Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.

Redação

13 Comentários

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  1. O brasil (deve ser grafado assim, pois é cada vez mais uma terra sem importância alguma, cada vez mais apequenada) é mesmo o paraíso dos charlatões, da idiotia. O pior é que é totalmente impossível você tentar discutir com um evangélico comum (isto é, com um evangélico representativo do evangelismo neopentecostal brasileiro, por sua vez, movimento religioso claramente importado da matriz da estupidez cultural humana: EUA). Eles simplesmente não respondem à argumentações e raciocínios lógicos, são movidos por crendices e exaltação, tente dialogar com algum deles mesmo sobre teologia ou escrituras sagradas e a resposta óbvia será a determinada pela sua congregação, pelo seu pastor, pela sua fé (que nunca passam pelo crivo da dúvida, do despojamento das certezas próprias, do despojamento de si para uma relação íntima de descoberta de Deus). Estes evangélicos e este evangelismo creêm que Deus Pai e Cristo são “coisas” dadas, simples, que estão sempre à mão para uso, bastando para tanto exaltar-se (gritar, cantar, chorar); Creêm que o Deus Pai é propriamente o “seu” Deus, a sua propriedade, o seu salvador, assim como o judaísmo e Israel crê no Javé salvador dos exércitos. Não à toa esse evangelismo (que relega o crístico à um segundo, terceiro ou quarto plano) é tão afeito à Israel e à causa judaica (os verdugos históricos de Cristo).

  2. “Finalmente aceitou cancelar os cultos, mas as igrejas permanecerão abertas, prestando assistência religiosa individual”
    Nao chefe, nada disso.
    Os dois canalhas, malacheia e macedo, manterao abertos os espaços de enganação pois a unica coisa que eles querem manter saudável são os fluxos dos seus caixas.

    Aliás, o prefeito iurd aqui do rj veio com a conversa de alojar vulneráveis em hotéis da ZS.
    Pode ser. Maracana e sambodromo podem ser incluidos.
    Mas já que malacheia e maucedo querem utilizar seus suntuosos templos, que tal montar hospitais de campanha dentro deles?
    Sem dizimo claro!

  3. Há uma diferença essencial: Na idade média, os pregadores realmente acreditavam na cura pela oração, ao passo que o Edir Macedo, Malafaia e outros estelionatários intelectuais da mesma subespécie sapiens, estão preocupados com queda na arrecadação dos templos, produto do dinheiro vivo que os fiéis pobres tiram do bolso e depositam nas sacolas que correm dw mão em mão.

  4. O Brasil chega em 2020 com três políticas de Estado (que praticamente substituíram os três poderes formais) baseadas na visão de país dos poderes do Bolsolavistão, Evanjeguistão e Juristocratura.
    Some-se a isso, o apoio dos milionários a essa “experiência” social maligna e temos esse povo dividido e em sua maioria na ignorância (alô classe média), não está minimamente informado sobre a guerra híbrida que está acontecendo no mundo, nem no país e muito menos sobre a mais que possível virada do poder mundial. Importante também lembrar, os no mínimo 40 anos de guerra semiótica sobre o papel do Estado no hemisfério ocidental. Ele foi enfraquecido e tomado pelos bilionários. O Estado moderno serve ao poder econômico, não ao povo.
    Aos EUA, que seguirão sendo a maior potência armada do planeta, caberá reconhecer o declínio da influência econômica e de sua geoestratégia (os povos do mundo estão de saco cheio de serem exterminados em nome da tal “liberdade” de serem roubados) ou nos explodir a todos, inclusive a si mesmos. A China e a Rússia podem menos, mas já mostraram que tem o suficiente…
    E fica patente a fraqueza da grande mídia, que só tem força quando apoia esses novos poderes constituídos. Ela os acobertou fazendo o zé povinho saber e pensar exatamente como eles queriam. E quando ela ameaça sair do barco da enganação, o que é raro, como no atual desembarque do governo do doidão, fica claro que ela não manda nada.

  5. Meu caro Rui Martins, eu antevejo um futuro bastante sombrio para cada um de nós, brasileiros. Ainda vai chegar uma época em que todos nós seremos forçados a frequentar uma dessas igrejas evangélicas…. E ai de quem se recusar! Irá tomar uma surra!

  6. É preciso combater o cristianismo evangélico com todo vigor, porque ele se tornou, com raras exceções, a base do fascismo nacional. É nos evangélicos que Bolsonaro tem seus apoiadores mais resilientes e delirantes.
    As religiões em geral são hipócritas e amigas do poder, mas o cristianismo evangélico nacional se tornou insano, fanático, intolerante, demonizador do outro (qualquer um que não seja “crente”) e, agora, necroreligioso – uma religião fascista a favor da morte e da destruição.
    Mas também é preciso combater a terrível desigualdade social que proporcionou a disseminação dessa praga no país. Mas talvez não seja só a desigualdade social neoliberal a causa de evangelismo fascista, mas o próprio capitalismo tardio, que talvez esteja em sua fase terminal.

  7. O medo é a única coisa que faz as pessoas voltarem às cavernas. Textões que distorcem a fé cristã não movimentarão o sentimento religioso nem podem ferir nossa liberdade. Felizmente Max Weber mostrou como o evangelho é capaz de ajudar a humanidade sair das cavernas.

    1. Era pra ser, já que o evangelismo que retornou a humanidade às cavernas.
      A fé, , é neutra, podendo ser dirigida a qualquer coisa.
      Conceito:
      “Fé é uma palavra que significa “confiança”, “crença”, “credibilidade”. A fé é um sentimento de total de crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a veracidade da proposição em causa.”
      Textão “que distorce a fé cristã” poderia ser “textão que distorce o islã e fala mal de Maomé” ou um simples desmentido de que “a terra é plana”.
      Nenhuma religião, crença ou dogma será capaz de tirar a humanidade das cavernas. Somente a liberade para pensar por si mesma e a superação da ignorância será capaz de faze-lo.

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