Por Barbara Wesel
Alguém acreditava que essa estranha coalizão em Roma iria exceder a vida média dos governos italianos? A improvável aliança entre a radical de direita Liga e o populista de esquerda Movimento 5 Estrelas estava condenada desde o início. Agora a Itália se dirige ao 66º governo desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Matteo Salvini é o político mais desavergonhado e inescrupuloso que a Itália produziu nas últimas décadas. Nisso, ele consegue superar mesmo Silvio Berlusconi, para quem também decência e contenção são palavras estrangeiras. Por exemplo, ultimamente Salvini gosta de segurar um rosário nas mãos enquanto prega a xenofobia. Mesmo ele estando em confrontação com o Vaticano, já que considera o papa esquerdista demais. Mesmo assim, o chefe da Liga acredita que um pouco de civilidade pseudo-religiosa pode embelezar seu nacionalismo.
Desnudo, ele se mostrou durante todo o verão nas praias da Itália, expondo sua pança em todos os lugares às câmeras dos celulares. É uma barriga proletária, como declarou a seus críticos, como se esse político profissional e mestre das redes sociais algum dia tivesse algo a ver com a classe trabalhadora. Ele compartilha com ela apenas o amor ao vinho e à massa em demasia. E ele parece conhecer exatamente o gosto de seus conterrâneos: os homens o vêem como um macho vivaz, as mulheres, como um grande sedutor. Um quê de vulgaridade nunca fez mal nenhum na Itália.
O showzinho é precisamente calculado, e as urnas dão razão ao ministro do Interior e chefe de partido: se vierem novas eleições, ele provavelmente conseguirá tomar o poder em Roma, com a ajuda dos Irmãos de Itália. Então, o amigo de Putin vai levar a política italiana de tal forma à direita que – após Hungria e Polônia – Bruxelas logo terá que se preocupar com o Estado de direito na Itália, um dos países fundadores da UE.
O prêmio como maior bobalhão político vai, merecidamente, para o Movimento 5 Estrelas. Em pouco mais de um ano, o partido perdeu cerca de metade de seus eleitores para Salvini. E estava claro desde o início que isso terminaria dessa forma. Em vez de mostrar rapidamente o cartão vermelho ao pregador de ódio no Ministério do Interior, o partido apoiou uma política que assustou seu eleitorado mais à esquerda. Pelo preço da participação do governo, vendeu o pouco de alma e integridade política que esse movimento díspar possuía.
Nesta coalizão, os cinco estrelas se tornaram meros pontos de apoio para que Salvini pudesse se alavancar rumo ao poder. Não tiveram nada a contrapor ao cinismo e à astúcia do chefe da Liga, ideia alguma, poder de luta algum, nenhum nome próprio. Mesmo para os baixos padrões da política italiana, esse foi um desempenho miserável. Os estrelas merecem sua própria derrocada, se a terrível consequência da sua fraqueza não fosse, a possível chegada ao poder de um homem que flerta abertamente com o fascismo.
Os cinco estrelas e os social-democratas juntos agora poderiam salvar a si mesmos, sua reputação e seu país se concordassem em formar uma coalizão alternativa em vez de novas eleições. Eles ainda têm uma maioria suficiente para isso. Mas os estrelas parecem que odeiam mais os social-democratas do que os extremistas de direita, o que é ideologicamente quase inexplicável e politicamente, um disparate. Já os socialistas precisam de alguém que possa fortalecer sua agremiação dividida e fazer política suprapartidária.
Tal coisa ainda seria possível teoricamente, mas infelizmente é improvável na prática. O primeiro-ministro Conte descreveu Matteo Salvini como um oportunista político em seu discurso de despedida, acusando-o de falta de cultura política. Mas disso ele e seus amigos sabiam de antemão! Quem quer sentar-se à mesa com o diabo precisa de uma colher mais longa que Conte e seus colegas.
Salvini brinca com as emoções dos italianos e os convence de que a incapacidade do país de se reformar e a montanha de dívidas não são responsabilidade deles. E eles estão muito dispostos a acreditar em tais teorias da conspiração e poderes sombrios no exterior. Por tudo o que dá errado, o ministro do Interior culpa os estrangeiros e os migrantes.
Salvini levará o país para fora da comunidade das democracias europeias, isolando-o internacionalmente, ao mesmo tempo em que chicoteará seus eleitores com uma pseudoluta contra Bruxelas e a disciplina fiscal. É um jogo altamente perigoso, pois a dívida italiana pode não só levar euro a fraquejar, mas provocar uma falência estatal que literalmente derrube a moeda comum.
A questão é se os crescentes custos de financiamento ainda podem levar Salvini à razoabilidade política e fiscal ou se ele já está contando com a queda do euro. De qualquer forma, a queda do governo em Roma faz crescer a dor de cabeça da União Europeia e acrescenta mais um foco de crise ao bloco. “Porca miseria” se diz em italiano.
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