Homenagem à Luiza Erundina e Paulo Freire, por Valeria Martins

A utopia nasce quando há a percepção do sentimento de que o presente é insuportável.

Homenagem à Luiza Erundina e Paulo Freire, por Valeria Martins

Por que Luiza?

Luiza Erundina foi prefeita da cidade de São Paulo de 1989 à 1992, primeira eleita após a promulgação da Constituição “Cidadã” (1988), que mostrou como é possível governar com e para todos. O filósofo e educador Paulo Freire (1921-1997), conhecido e respeitado internacionalmente por suas contribuições no campo da educação, foi secretário da educação na cidade de São Paulo no período de 1989 à 1991, estabelecendo diálogo na construção de um currículo significativo e na valorização do magistério, os feitos de ambos deixaram sementes na educação paulistana.

No dia 26 de outubro de 2019, educadores da cidade de São Paulo, realizaram um evento em homenagem à Luiza Erundina e Paulo Freire pelos seus feitos na área da educação. O evento, aberto com as poesias de Fabio Brazil, contou com a presença de: Daniel Cara, Marilena Chauí, Mario Sérgio Cortella, Selma Rocha e Sonia Kruppa. Além desses convidados, que compuseram a mesa, muitos representantes da luta social e política estiveram presentes como Chico Alencar e José Genoino.

Estive nesse evento com a finalidade de compartilhá-lo com a equipe do CIEJA Perus I que não pôde estar presente. Estou na educação há 19 anos, portanto, não vivi as experiências relatadas como educadora, mas convivi com pessoas que atuaram nesse momento e tive a oportunidade de ler uma tese sobre a importância do movimento de formação realizado no período, para os educadores daquela época, além de desenvolver pesquisa sobre educação democrática. Confirmando a importância de uma educação significativa, fruto do empenho de Paulo Freire à frente da secretaria da Educação.

A administração de Luiza fora pautada na participação efetiva de todos os sujeitos, uma mudança importante para pensar a administração pública como promotora de direitos, contrariando a ideia de caridade. Visão herdada de nosso histórico colonial, imperial e ditatorial em que o povo é submisso à vontade de seus governantes. Nas palavras de Marilena Chauí:

“Erundina trouxe para a cidade de São Paulo aquilo que era mais improvável, o mais inesperado, o mais utópico. Ela trouxe uma concepção socialista de democracia que ela colocou em prática.

Na forma de uma democracia participativa, de compreensão de que não havia na sociedade demandas, mas havia na sociedade, através dos movimentos sociais e populares, as exigências por direitos e criação de direitos porque não há democracia sem criação de direitos. Isto foi o que Luiza Erundina trouxe.”

Não era da educação, mas como paulistana da classe trabalhadora, pude sentir as mudanças em área que nos são caras: a saúde e a habitação. Na saúde, a valorização dos profissionais e a escuta dos usuários dos serviços públicos, promoveram melhorias no atendimento. Em relação à habitação. minha vivência foi ainda maior, já que fui mutirante.

A situação da moradia em São Paulo sempre foi muito ruim para as famílias de baixa renda, aluguéis altos e programas de moradia que não levavam e não levam em conta o vínculo das pessoas com o território, nem a infraestrutura nas regiões periféricas onde são construídos imóveis com pouca comodidade.

O Programa de mutirão e autogestão, implementado na gestão de Erundina, trouxe uma nova forma de pensar e agir em prol de habitações dignas, levou em conta as lutas dos movimentos sociais construindo junto. Reuniões e decisões tomadas coletivamente com a assessoria de engenheiros e arquitetos e o financiamento via Fundo Municipal de Habitação e o Ministério das Cidades. Ouviam os futuros moradores e suas aspirações para o desenho do projeto. A construção coletiva do sonho da casa própria. Esse compartilhamento promoveu outros sentidos nos envolvidos, valorização de si mesmos e do fruto do trabalho coletivo. Infelizmente, os programas duram o tempo da gestão.

E que tempo é esse que vivemos? Trinta anos após a administração democrática de Luiza Erundina, estamos diante de inúmeros retrocessos para a classe trabalhadora: precarização do trabalho, congelamento nos investimentos sociais, saúde e educação. Corpos de crianças, jovens, idosos, vão contornando as ruas da cidade, sem esperanças, mas o que produzirá este estado de decadência em que vivemos? Talvez as palavras de Chauí, proferidas nesse importante evento, nos motive a não deixar de sonhar. Quem viveu não pode achar que uma vida melhor é impossível. Assim, ela nos fala sobre a importância da utopia:

“Quando que nasce o desejo utópico?

A utopia nasce quando há a percepção do sentimento de que o presente é insuportável. O presente é o lugar da rapina, da violência, é o lugar da opulência desmedida, é o lugar da miséria desmedida. É o lugar onde é impossível a vida. Porque o que existe é a morte.

É a percepção do presente com esse horror implacável que faz nascer o pensamento da utopia.

A utopia é o desejo de uma sociedade inteiramente contra. De uma sociedade que é a negação ponto por ponto da sociedade existente. É a ideia de uma sociedade de justiça, de fraternidade, de solidariedade, de compreensão, de pensamento, de criação, da imaginação e da fantasia, de felicidade. Essa é a ideia que norteia a utopia.

Ela parte, portanto, desse sentimento de um presente inaceitável e insuportável e ela pensa não como um programa de ação. Porque uma utopia nunca é um programa de ação.

É isso que nos permitirá não cair no abismo e nem saltar sobre ele, mas enterrá-lo.” (CHAUÍ, Marilena, 2019)

Talvez assistir ao vídeo do evento possa nutrir nossas esperanças e nos dar forças para continuar lutando. É possível mover-se em prol de mudanças, pela construção de uma sociedade realmente humana e humanizante. Não veremos, mas podemos colocar os tijolos.

Referências

CEDEM, UNESP. Habitação social da prefeita Erundina é referência internacional. Disponível em: https://www.cedem.unesp.br/#!/noticia/173/habitacao-social-da-prefeita-erundina-e-referencia-internacional/ acesso em 12/11/2013.

CHAUÍ, Marilena. Palestra conferida em Homenagem a Luiza Erundina e Paulo Freire. 26 de outubro de 2019, auditório da UNINOVE.

Vídeo completo:

Homenagem à Luiza Erundina & Paulo Freire Completo

Redação

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