Inagaki: “Código Penal deve criminalizar disseminação de fake news”, por Cesar Calejon

A maior inimiga dos brasileiros no combate à pandemia continua sendo a desinformação.

Inagaki: “Código Penal deve criminalizar disseminação de fake news”

por Cesar Calejon

A maior inimiga dos brasileiros no combate à pandemia – e que também ameaça o futuro das eleições de todos os países democráticos além do conceito de veracidade como o conhecemos, basicamente – continua sendo a desinformação.

Ao longo do nosso desenvolvimento enquanto nação, todos os serviços ou comportamentos prejudiciais à população vêm sendo legislados para o benefício comum e o exercício do bom senso.

Alexandre Inagaki, jornalista e consultor de comunicação para mídias digitais, explicou, em entrevista ao GGN esta semana, que Facebook, YouTube, Twitter e Instagram já anunciaram a implementação de políticas para a remoção de notícias falsas e discursos de ódio.

“Contudo, eles não conseguem sequer impedir as formas tradicionais de desinformação, imagine as deep fakes nas plataformas fechadas. Na verdade, esse é o grande desafio (as plataformas fechadas): como o WhatsApp, porque ali é uma terra sem lei. Várias notícias sendo difundidas por listas de transmissão, em grupos, sem o mínimo filtro do que é real ou não. Então, estamos em um cenário de combate destas narrativas paralelas, no qual cada um diz o que quer sem compromisso com os fatos”, ressalta.

“Atenção, atenção. Hoje, dia 8 de abril de 2020, estou gravando para alertar todos vocês. Façam com que chegue a milhões de brasileiros. De onde surgiu o Coronavírus? Foi da China! De lá que está partindo este maior inferno, porque eles comem morcego, todo o tipo de porcaria. E vocês veja (sic) bem a estratégia que eles arrumaram para espalhar o vírus no mundo inteiro: estão exportando milhões de máscaras que já estão contaminadas com o vírus”, afirma o áudio recebido por Senival Lins da Silva, encarregado de portaria em um condomínio na Zona Sul de São Paulo, que também conversou com o GGN e disse sentir certo receio de usar as máscaras faciais para se proteger contra o vírus por conta de desinformações desta natureza.

“Eu não acredito muito nessas coisas (que chegam via WhatsApp), mas a gente fica um pouco perdido e não sabe no que acreditar”, diz Silva. O plano da China para conquistar o mundo, hospitais que estariam assassinando pacientes de propósito e caixões vazios sendo enterrados formam hoje o que a “mamadeira de piroca”, o “kit gay” e o anticomunismo foram em 2018: desinformação em massa.

O Facebook alega que é mais difícil de coibir a difusão de notícias falsas no WhatsApp por conta da criptografia. “Porém, existem várias medidas que poderiam ser adotadas para reduzir a disseminação descontrolada que temos atualmente. Por exemplo: o botão que é utilizado para bloquear e denunciar certo usuário ou conteúdo é muito discreto. Na interface visual do aplicativo, isso deveria aparecer de forma mais clara para que se possa denunciar qualquer pessoa que insista em compartilhar notícias falsas”, sugere Inagaki.

“Outra ideia seria trocar o botão que serve para compartilhar os áudios e vídeos (instantaneamente), porque isso facilita demais o fluxo de conteúdos de difícil verificação. Substituir essa opção de encaminhar pela de denunciar qualquer fake news que se receba já ajudaria bastante”, acrescenta.

Sem dúvida, medidas como esta tornariam o aplicativo menos dinâmico ao propósito do Facebook neste momento. Contudo, esse equilíbrio pode mudar na mesma proporção em que se altere a pressão que a sociedade civil exerce nos parlamentares e sobre as próprias companhias donas destas plataformas e aplicativos, no sentido de exigir produtos e serviços que não resultem em estragos ao país.

Segundo Inagaki, “com o aprimoramento das deep fakes, a desinformação maciça da população, que vem causando danos incalculáveis durante os principais eventos históricos dos últimos anos, promete ganhar contornos ainda mais elaborados e eficientes no futuro breve. (…) Por exemplo, o (Barack) Obama defendendo o nazismo. Uma pessoa incauta assiste ao vídeo e acredita naquilo. Isso é um grande risco, realmente, porque, neste cenário atual, no qual notícias falsas são difundidas a torto e a direito, já temos a tradicional ‘mamadeira de piroca’. A partir do momento em que você inclui vídeos ou áudios elaborados nesta equação, o efeito de viralização se torna muito maior, com riscos potenciais mais sérios para a democracia e para a saúde da nação em todos os sentidos”, explica.

“No Twitter, figuras como o Osmar Terra e o Alexandre Garcia, que vêm difundindo notícias falsas repetidamente, possuem perfis verificados. Deveria existir algum tipo de advertência para a primeira vez (que o usuário compartilha notícias falsas), depois eles (Twitter) deveriam retirar o selo de verificação da conta e, caso ainda assim a pessoa insista, ela deveria ser banida (da plataforma)”, propõe o consultor.

A liberdade de expressão – como consta na Constituição de 1988 – garante que “(…) é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, contudo, a lei brasileira também prevê os crimes de racismo, homofobia e misoginia, bem como o de falsidade ideológica, que é definido como “um tipo de fraude criminosa que consiste na criação ou adulteração de documento, público ou particular, com o fito de obter vantagem – para si ou para outrem – ou mesmo para prejudicar terceiro”. Enquadra-se, portanto, a disseminação deliberada de notícias falsas com discursos nocivos para avançar ou sustentar posições políticas.

Ainda de acordo com Inagaki, o Marco Civil da Internet é muito importante com relação à liberdade de expressão, porque afirma que os provedores e sites de Internet são obrigados a retirar certo conteúdo do ar somente caso haja a determinação judicial.

“Isso garante que, por exemplo, um restaurante (ou qualquer empresa ou figura pública) não consiga remover uma crítica negativa sobre os seus pratos e serviço. O papel do Estado, neste sentido, precisa ser de educação e esclarecimento, principalmente. Campanhas que visem informar as pessoas sobre como identificar e evitar a disseminação de notícias falsas”, diz.

“Apesar disso, seria interessante também organizarmos uma portaria nos moldes da lei Carolina Dieckmann – com aprimoramentos, claro (penas mais pesadas etc.) – para ser incluída no Código Penal Brasileiro, criminalizando as pessoas que insistem em difundir fake news. O máximo que podemos fazer é isso, considerando que o Estado não pode ter o monopólio de decidir o que são ou não notícias falsas, até porque estamos vendo, notoriamente, um presidente (da República) que divulga fake news em seus próprios perfis”, complementa Inagaki.

A linha é tênue, mas, assim como a sociedade brasileira impôs regras e restrições à indústria do tabaco ou vedou qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, condição social, idade, porte ou presença de deficiência e doença não contagiosa por contato social, por exemplo, porque entendeu que essas questões são muito nocivas para serem livremente conduzidas, faz-se necessário que as empresas que administram as maiores plataformas sociais da Internet sejam demandadas a assumir parte da responsabilidade – e, portanto, da busca por soluções mais eficientes – considerando o estrago que é causado pelas fake news e mensagens de ódio. Afinal de contas, essas falácias avançam por meio dos serviços oferecidos por essas companhias de tecnologia.

Ou seja, a equação é hiper complexa, mas precisamos de uma legislação mais efetiva no sentido de coibir a circulação das notícias falsas. Além disso, os gigantes da web precisam ser compelidos – pela população, principalmente – a colaborar de forma mais incisiva, porque estão em jogo os valores que constituem de fato o Estado de Direito da República Federativa do Brasil e possibilitam que as pessoas discordem e coexistam de forma civilizada. Sem eles, todas as nossas instituições colapsam e nos resta somente o obscurantismo de um autoritarismo vil.

 Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI.

Redação

1 Comentário

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  1. O q é proposto, é uma espécie de censura a ser realizada pelos provedores. Creio q é muito poder para um pequeno grupo de pessoas e, elas podem, com esse poder, dirigir as massas. Afinal, quem garante a correta atuação dessas pessoas? Voltariamos ao paradoxo da nescessidade de um vigilantepara controlar o vigilante.
    Parece-me muito mais factível a instauração de uma legislação q puna a disseminação das fake News com penas proporcionais aos estragos cometidos. Mas, para isso precisaríamos de tribunais muito mais ágeis é juízes muito mais isentos do q dispomos no momento.

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