O mundo sobreviveu a todos os cataclismos, por Andre Motta Araujo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Apenas ficando na Era Contemporânea, alguns episódios de grandes mutações sobre os países, as sociedades, as economias e o modo de vida.

O mundo sobreviveu a todos os cataclismos

por Andre Motta Araujo

Além do prazer intelectual do conhecimento, a História serve como mestra de lições do passado. No momento do desastre epidêmico do Coronavírus, visto e percebido pela primeira vez com surpresa e choque, o mundo já passou por outros terremotos humanos de enormes consequências e se refez do que parecia o fim dos tempos.

Apenas ficando na Era Contemporânea, alguns episódios de grandes mutações sobre os países, as sociedades, as economias e o modo de vida.

A GRANDE GUERRA DE 1914, A REVOLUÇÃO RUSSA E A QUEDA DOS IMPÉRIOS

O conflito de 1914 encerrou uma era de cem anos de paz e prosperidade, de grandes invenções, descobertas científicas, emergência das classes medias, reinvenção da arte, criação do mundo industrial, da democracia nos grandes países, os cem anos da Paz de Viena de 1814 viram o nascimento do mundo moderno que parecia liquidado em 1918, com o fim dos símbolos da estabilidade política no Velho Continente, do Império Alemão, do Império Austro Húngaro, do Império Russo e, no Oriente, do Império Otomano.

Para encerrar a tempestade geopolítica, a Gripe Espanhola com 50 milhões de mortos, além dos 50 milhões de mortos na guerra. Junta com a guerra e com a gripe se foram os Hohnezollern, os Habsburgs, os Wittelsbach, os Romanoff fuzilados, o Sultão Abdul Hamid, a Alemanha ocupada por franceses, uma nova Europa.

A Revolução Russa trouxe o comunismo à cena política do Século XX, um regime novo, violento, revolucionário social e humano, virou a Rússia autocrática de ponta cabeça.

No entanto, dez anos depois o mundo estava recomposto, a Era do Jazz, a Era do Cinema, a Era da Alta Moda em Paris, a grande literatura americana dos anos 20, o era do automóvel, do avião, da eletricidade, do rádio, um novo mundo que parecia luminoso, reconstruído em cima dos escombros terríveis da Grande Guerra.

A União Soviética se reintegrava ao sistema internacional. Com o reconhecimento diplomático da Inglaterra e dos EUA em 1929, Moscou abria em Londres seu banco de comércio exterior, o Moscow Narodny Bank Ltd. E, em Paris, o Banque Commerciale pour lÉurope du Nord. O Embaixador soviético Maxim Litvinov se instala em Belgravia Square, em grande estilo, apresentando credenciais ao Rei Jorge V, cujo primo-irmão Nicolau II foi fuzilado pelo regime que Litvinov representava. Londres não perde tempo com lágrimas, a Rússia estava rica em ouro, petróleo e madeiras e queria comprar locomotivas e máquinas na Inglaterra. A Inglaterra não se comove com um passado incomodo.

A CRISE DE 1929

A crise do mercado financeiro americano detonada em Outubro de 1929, tendo Nova York como epicentro, se estendeu ao mundo rico e aos países da periferia econômica, abrangendo todo o planeta. A cotação dos títulos em bolsa despenca, empresas e bancos quebram, o preço das commodities vai ao chão, o desemprego se estendeu dos países industriais e em menor escala aos países agrícolas.

A crise produziu efeitos geopolíticos levando ao fortalecimento do Partido Nazista na Alemanha e ao regime soviético. A Rússia ficou imune à crise enquanto nos EUA lastreou a eleição do candidato do Partido Democrata, Franklin Roosevelt, já que o Presidente Herbert Hoover, do Partido Republicano, não tinha solução para a crise que, segundo ele, era fato da natureza e deveria se resolver pelo mercado.

Pelo seu desdobramento pode-se dizer que a crise de 1929 foi a semente da Segunda Grande Guerra, já que o Terceiro Reich nasceu de seus escombros.

A crise demonstrou de forma concreta o papel central e determinante do Estado como único ente capaz de resolver situações-limite, reduzindo o mercado ao seu papel secundário, como em todas as crises, onde o mercado, assim como a população em geral, é um dos elos vitimados pela crise e não um ator de resolução.

Os EUA saíram da depressão pela política pública do New Deal, desenhada por Keynes e na Alemanha pela política de expansão monetária com instrumentos heterodoxos, os “marcos de compensação” e os “bônus Mefo”, criações do Ministro da Economia Hjalmar Schacht, o Keynes alemão, que já tinha resolvido a hiperinflação de 1923.

A SEGUNDA GRANDE GUERRA

Um novo grande conflito no Século XX, ainda maior pela sua abrangência do que a Grande Guerra de 1914, pois agora se estendeu ao Extremo Oriente, a Segunda Guerra destruiu a base industrial e econômica da Europa, do Japão e da União Soviética, dela saindo em boa situação apenas os EUA como única potência econômica mundial.

Em período muito rápido, a Europa e o Japão se recuperaram das ruínas da guerra com apoio dos EUA, que via esse reforço como parte de uma proteção necessária contra o poder crescente da URSS, agora expandida com o controle da Europa do Leste. A reconstrução da Europa Ocidental estava praticamente completa em dez anos. Já em 1955 a Alemanha Ocidental se tornara novamente uma potência industrial, assim como a França e a Itália, algo que em 1945 se previa que iria demorar 50 anos, dado o grau de destruição da indústria e das grandes cidades, não só na Alemanha, mas também na Itália. Lembrando que Berlim, Hamburgo, Stuttgart, Dusseldorf, Essen, Colonia e Bremen foram reduzidas a tal nível de escombros que as ruas centrais já não existiam. Na Itália, as zonas industriais de Milão, Turim, La Spezia, Genova, os pátios ferroviários de Roma e Nápoles foram duramente bombardeados, assim como seus portos e aeroportos foram destruídos.

OUTRAS GUERRAS PÓS 1945

O mundo não conheceu paz após a Segunda Guerra. Guerras regionais continuaram, começando com a Guerra da Coreia, a Guerra da Indochina, a Guerra de Libertação da Argélia, a Guerra do Vietnam, as guerras coloniais na África, Congo, Angola e Moçambique, a guerra civil na China que culminou com a vitória de Mao em 1949, a guerra civil na Grécia de 1945 a 1949, a deposição da monarquia no Egito em 1952, a guerra civil entre indianos e muçulmanos em 1947, com 1 milhão de mortos, golpes de Estado por todo o  mundo. Edward Luttwalk analisou 304 golpes de 1945 a 1969. Já na virada do século, guerras sem fim no Oriente Médio, duas invasões do Iraque pelos EUA, a guerra civil na Síria que matou até agora sessenta vezes mais  do que o Coronavírus, os conflitos se fizeram presente no mundo, o terrorismo, os atentados como o de 11 de setembro nos EUA. Conflitos e crises geopolíticas se tornaram presentes em todos os dias do pós Segunda Guerra.

A CRISE DO CORONAVÍRUS

Trata-se da primeira crise epidêmica coberta minuto a minuto pelas redes sociais, o que multiplica seu impacto socioeconômico, embora seu efeito real seja infinitamente menor do que a Gripe Espanhola de 1918, ocorrida em tempos em que mesmo o telefone era coisa rara, não havia rádio e avião, nem antibiótico e poucos hospitais.

Mas, curiosamente, o efeito psicossocial e econômico da Gripe Espanhola não foi grande, a economia não paralisou e ainda estava sob os efeitos da Grande Guerra.

Já em 1920, o mundo iniciou um ciclo de crescimento econômico que só se interrompeu em 1929, os anos 20, especialmente entre 1922 e 1928 foram de esfuziante prosperidade industrial, nas artes, na vida mundana, na moda, na música, na Alemanha saída da guerra nasceu a Bauhaus, nos EUA o jazz resplandecia apesar da Lei Seca, o comércio internacional se recompôs rapidamente, novos produtos explodiram como o automóvel, os aparelhos elétricos, os alimentos enlatados.

A crise do Corona deve acabar em um ou dois meses e o relançamento da economia será rápido, pois não houve destruição de sua base física, pelo menos é o que as lições do passado apontam. Apesar das previsões catastrofistas, o mundo já viu coisa muito pior e pulou do abismo em salto triplo e tempo recorde.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. O Zé Meningite já sobreviveu a muitas doenças. Nada obstante, a hora dele vai chegar. Ele pode ter sobrevivido ao ebola mas vir a morrer de uma simples gripezinha. Tem gente que engole um boi e se engasga com um mosquito, né, César?

    A humanidade pode sobreviver ao corona e voltar ao seu velho modo de vida, mas ela não demorará muito tempo para perecer, se não mudar de vida. O modo de vida adotado até aqui é insustentável por muito tempo.

    Sem simplicidade, humildade e fraternidade, não temos futuro.

  2. A saída será tão rápida quanto for a sinergia da Política internacional. Temos uma grande oportunidade de jogar no lixo o egoísmo neoliberal, substituindo pela solidariedade complementar. Se Trump for derrotado de modo avassalador, então podemos alimentar elevadas esperanças

  3. Do artigo, o ponto que acho que é puro chute é o prazo da crise do corona acabar = 2 meses. Trata-se de um vírus novo, portanto nem é possível saber com certeza se uma pessoa já infectado pode ter o risco de se infectar novamente. Que o mundo passa por crises e as supera, isso mostra a história. O problema é que uma crise de tal magnitude cria em cada ser humano a terrível pergunta que ele se faz todo dia = sobreviverei pra ver o fim dessa crise de hoje?

  4. Gostei do post. Sou leitor compulsivo do assunto. Lendo a sua panorâmica ri do pragmatismo de Jorge V recebendo, na boa, as credenciais do embaixador do governo que fuzilou seu primo. Isso aí. Nações não têm amizade, têm é interesses. A China parece que não se incomodou com bobagens ditas por Bolsonaro. Amanhã, espero, esquecerão as asneiras do filho Eduardo e do desqualificado Weintraub. E o mundo vai em frente; esse moinho como disse o sambista Cartola.E aqui continuaremos por mais algum tempo, a menos que o corona nos encontre.

  5. Como de hábito, AMA traz bastante dados e fatos em seus artigos, o que é muito bom!
    Porém nele rescende um viés de depreciação da atual pandemia, como já em outros de seus artigos. Ou a insistência de que há um exagero na balança “defesa da vida x defesa da economia”.
    Certamente este equilíbrio é necessário. O problema é que NINGUÉM no mundo sabe ao certo qual é esse ponto.
    Prever a economia em tempos normais já é quase tragicômico! Num caos mundial como esse então!…
    Neste ínterim, é natural que “se não sei o que sei”, então vou trabalhar no que “sei ou consigo saber”.
    E o que sabemos nesta ainda falta de conhecimento, recursos e soluções à pandemia, é que precisamos minimizar a contaminação (que é EXPONENCIAL, não é uma fila 1 a 1), até que as coisas se esclareçam.
    Os efeitos na economia, todos sabemos que existirão, mas não conseguimos saber quais são (talvez o “gênio mítico” após o jejum, saiba…).
    Outro dia recebi um vídeo do idiota metido a sábio do juízo final Augusto Nunes, trazendo ‘boas notícias”: que o Covid tinha uma “taxa de letalidade menor que a Sars e a Mers”.
    Ora, a Sars e a Mers mataram em cerca de seis meses, cerca de 800 (oitocentos) seres humanos. O Ebola, a doença mais mortal de todas (chega perto de 90%) matou um número semelhante, em vários surtos durante vários anos. E só saberemos a letalidade da Covid quando ela “acabar”, pois só cresce (já em 5,5%).
    O Covid matou até o momento mais de 70 (setenta) mil pessoas. Mata mais por DIA do que o Sars, Mers e Ebola SOMADAS em todo o seu ciclo. Portanto, onde está a “boa notícia” (abjeta) de A.Nunes? Só se for viés de depreciar a pandemia para defender politicamente o insano que nos governa (e vc concorda com isso).
    Para comparar os cerca de 500 mil mortos na guerra civil síria em 7 a 9 anos (fiquemos com 7) teríamos que multiplicar os mortos Covid em ~4 meses (e subindo!) para chegar lá, o que daria 70/4*12*7) = 1.470.000.
    Ou seja, a Covid (já) mata mais que 3 guerras civis sírias (se é que isto muda alguma coisa).
    Embora também acredite que a pandemia chegará ao pico (que é diferente de acabar) em cerca de 2 meses, nem eu (leigo) nem os experts conseguem ter certeza sobre isso, já que ainda não há vacina, não há remédio nem conhecimento sobre auto imunização natural. Torço para que descubram hoje! Mas…
    Além disso, não vi nenhum estudo sobre os efeitos da Covid em uma economia sem quarentena ou “vertical”, seja lá o que for isso (só velhinhos?), pois a contaminação exponencial traria falta de mão de obra, paralisações, serviços públicos de saúde e outros, falta de clientes (demandas), etc. Provavelmente o prejuízo à economia seria menor do que a atual semi-paralisação (não é total), a um custo maior ainda de caos e perda de vidas. Qual o “ponto de ajuste”? Se entrarmos num “forno” de 0 a 1000 graus para fazer uma sauna, começaríamos ajustando a temperatura em mil e descendo ou em 22 e subindo?
    Esta é a “arte” e ciência envolvida no momento.
    O resto é grito de torcida.
    E em vez de termos um capitão de time a orientar o time no campo
    Temos um “cheer leader” (animador) retardado, incitando briga nas arquibancadas.

  6. Iria escrever, por base no parágrafo final que traz: “A crise do Corona deve acabar em um ou dois meses e o relançamento da economia será rápido”… – para eu retornar daqui a um ano ao texto. Mas vou reduzir para metade do tempo, que ainda assim será superior aos dois meses indicados. Em começo de outubro deste ano retorno a ele, para poder reparar o que aconteceu entre abril e maio, principalmente.
    Considerando a possível confusão para quem está a ler, já que mundo pode ser: o planeta (ambiente) ou todas as cercanias que o envolve (universo); a humanidade vivente no planeta em um dado momento; a mentalidade reinante num ambiente em certo momento. Mas de fato vivenciamos sempre o todo delas juntas e com suas complexidades a envolver a dinâmica do conjunto. Pelos sinais que já presenciamos no começo da crise, que vai envolver no seu encaminhar a afetação de complexas e pouco agradáveis mudanças comportamentais, quando países já estão pirateando (roubando) cargas encomendadas e compradas por outros, direcionando culpas para o evento, discussões sobre seguir a ciência ou a usura, o medo X prudência, coloco o pé atrás e não é para o salto triplo seguinte. Economia é quase que completamente baseada no comportamental do “mundo”, seja por vias naturais/convencionadas ou manipuladas, artificializadas. Em épocas de tantas divisões, sectarismos, fake news, parece-me pouco evidente que tenhamos cenas humanas embora muito vendidas em filmes e livros da humanidade se ajuntando cheia de valores, princípios e humanismo. Sou otimista, por ser antes realista. E o olhar crítico na atualidade e principalmente na mentalidade (ou consciência) de como já vinham andando as atuações humanas no mundo presente, mas principalmente considerando a ciência mais básica da natureza, que traz como princípio a entropia – pois, não há nada que deixe de passar pelo processo, no mundo em que estamos (dimensão espaço X tempo), de novo para velho, de forte para fraco, de puro para impuro, de baixa complexidade para alta complexidade, de previsível para imprevisível. A história passada nos dão balizas, lições, indicações e suposições, mas e principalmente em momentos de extremos, não nos fornece garantias. Só um exemplo é que enquanto ocorre está pandemia, há enxames de gafanhotos a liquidar plantações mundo afora e dias atrás haviam notícias de um grande enxame passando pelo Paraguai em direção ao Brasil e até então nada os deteve e a ciência já conectou o aumento destes ataques à emergência climática, já que quanto mais quente, chuvosa e úmida uma região, os favorecem na procriação acelerada. Também, não sabemos como mudanças bruscas e em tempo curto para o planeta, de parada de emissões de CO2 como ocorre há agora, o que provoca no movimento da emergência climática. Quanto maior está a dinâmica da entropia num dado meio, maior a complexidade a partir de cada movimento naquele meio. E isto não para. Mesmo que eu não use relógio, após a noite virá o dia, sucessivamente.

  7. Ou seja, com todos esses exageros em torno da Pandemia, segundo o André Mota, Nova York , a maior cidade do mundo, tem hoje falta de necrotério. Assim, imagine se estivéssemos todos levando uma vida norma, acordando. indo para o trabalho e tomando um cafezinho na padaria com pessoas caindo ao nossos pés com crise respitória e morrendo, tal qual está acontecendo no Equador. Na realizade, o que está acontecendo atualmente, é um foco exagerado nas questões econômicas, pois, como o próprio autor escreveu, a economia sempre se recupera. A grande maioria da população só tem medo da morte, pois é único bem que tem na vida. Pode está havendo exagero por parte dos que estão tratando a Pandemia? Pode ser que sim. Lembrando que para alguns Hitler não seria derrotado. No entanto, não podemos esquecer que esse vírus atinge todas as classes sem distinção, começou pela mais rica e tem as pessoa acima de 60 anos no grupo de risco. Logo faz parte do grupo de risco, dos vulneváreis uma parcela substancial do PIB mundial.

  8. Fiquei com a pulga atrás da orelha com este texto. Não é o mesmo que está dizendo o extra-sábio Bolsonaro? — O que são afinal, 50 ou 100 milhões de mortos?! O mundo, especialmente a economia, afinal, logo se recuperam. É só encarar numa boa. De preferência com coragem, sem máscara, esportivamente.

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