O Neoliberalismo no centro da degradação democrática contemporânea, por Thiago Conte Duarte

Resta evidente que o pensamento neoliberal fracassou, sem intervenção estatal não há desenvolvimento, e os neoliberais sabem disto, afinal o que de fato é defendido é um estado mínimo à população e um estado máximo à pequena elite burguesa.

Tiago Hoisel

O Neoliberalismo no centro da degradação democrática contemporânea

por Thiago Conte Duarte

Não há novidade em relacionar capitalismo e crises, são várias as conhecidas na história que, de forma cíclica, surgem para abalar as estruturas capitalistas e, como consequência, a própria qualidade das democracias. Invariavelmente, o resultado, de cada uma delas, é uma evidente degradação democrática. O que se nota, infelizmente, é que as propostas de solução para estes fenômenos cíclicos são sempre mais perversas que a própria causa, e uma especulação para isto seja o fato de que, provavelmente, o diagnóstico seja equivocado, propositalmente ou não, afinal há a crença do poder endógeno de superação das contradições capitalistas pelo próprio capitalismo. O neoliberalismo é uma dessas respostas perversas.

Apenas para contextualizar, a crise de 29 certamente foi um marco para o início de um pequeno surto neoliberal, que se estabeleceria anos mais tarde. Com o crescente desemprego na Europa, em que pese o enorme fluxo de capital internacional na segunda metade dos anos de 1920, e com a quebra da bolsa de Nova Iorque se tem a universalização da crise capitalista. Com esta fotografia posta, Keynes propõe a política estatal do pleno emprego com o objetivo de reformular o liberalismo econômico atribuindo importância central ao Estado para o planejamento, de forma racional, das políticas e atividades econômicas. Sua tese defende que o enfrentamento das crises cíclicas é possível com o crescimento e manutenção dos empregos, e da forte presença dos gastos públicos em políticas sociais justas e adequadas. Baseado no pensamento de Keynes surge um novo pacto social, o chamado “Welfare State” (Estado de Bem Estar Social).

Apesar de ser um marco à alternativa da crise, a política keynesiana foi margeada por uma outra proposta, a chamada política econômica neoliberal, ou apenas, neoliberalismo. Hayek, em seu livro “O Caminho da Servidão” de 1944, nos traz a proposta de que economia e política devam ser pensadas de forma autônoma. Ele afirma textualmente, “cresce a convicção de que, para se realizar um planejamento eficaz, a gestão econômica deve ser afastada da área política e confiada a especialistas – funcionários permanentes ou organismos autônomos independentes”[i]. Segundo Hayek, a servidão se demonstraria sob a ótica de que o indivíduo renunciando o poder econômico, que é limitado, condescenderia com o poder político, sempre ilimitado. Não é demais lembrar a defesa enfática a respeito da propriedade privada, sendo esta a mais importante garantia de liberdade, independentemente de ser ou não o proprietário. Não por acaso os neoliberais tem a convicção de que o Estado é um mal, que apesar de sua necessidade, deve ser percebido da forma mais enxuta possível, seu único objetivo consistiria na proteção dos direitos individuais de seus nacionais. Há uma clara percepção minimalista da democracia, a partir disto tece críticas à democracia social democrata (“Welfare State”) e obviamente aos estados socialistas, com maciça presença estatal.

Em um belíssimo artigo[ii], o Prof. Dr. Cesar Candiotto recupera uma brilhante obra, “A falsificação do consenso: Simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo”, publicada em 1998 por Pablo Gentili, afirmando, precisamente, que no modelo neoliberal a democracia resume-se a uma simulação democrática, e esta conclusão se dá em função da inexistência de um conceito unívoco de democracia. Ainda a respeito do pensamento de Hayek, de forma nevrálgica afirma Gentili, “não existe sociedade sem liberalismo, não existe liberalismo sem sociedade. Dessa forma, os Estados de Bem-Estar são ‘a-sociais’, constituem um solidarismo comunitarista, um falso altruísmo igualitário.”[iii]

Hayek deixa clara sua percepção em muitos momentos, menciona que a democracia seria uma regra de procedimentos. Ainda em sua obra, “O Caminho da Servidão”, diz: “aumenta cada vez mais a convicção de que, se quisermos resultados devemos libertar as autoridades responsáveis dos grilhões representados pelas normas democráticas”[iv]. Estarrecedor. Fica evidente, no pensamento de Hayek, que o que determina uma sociedade livre é o mercado, e não a democracia.

Vale lembrar o que Marx e Engels afirmaram, textualmente, no “Manifesto Comunista” de 1848: “Fez da dignidade humana um simples valor de troca; no lugar das inúmeras liberdades duramente conquistadas colocou a liberdade do comércio sem escrúpulo. Em uma palavra, ela colocou no lugar da exploração velada com ilusões políticas e religiosas a exploração aberta, descarada, direta, seca.”[v], o que deixa evidente a percepção de que o capitalismo, independente de qual rearranjo seja adotado, gestará crises de forma cíclica. Segundo Marx, há duas premissas para a crise permanente: a primeira é que a concorrência provoca a anarquia da produção; a segunda se dá pelo fato de que a produção capitalista não prioriza as necessidades sociais e, sim, a satisfação dos lucros do capitalista.

Não precisamos ir longe, o crescimento econômico que se anuncia no Brasil, em 2021, se dá pelo boom das commodities, notadamente representada pela exportação da produção agropecuária, que no português claro significa exportação de alimentos. Lembremos que o Brasil é o grande exportador de alimentos no mundo. No entanto, a contradição é perversa, enquanto há comemoração pelas exportações metade da população brasileira está em situação de insegurança alimentar ou passando fome no Brasil.

Isto já seria suficiente para termos a convicção do quão nefasto é o neoliberalismo para qualquer regime democrático. Após a queda do muro de Berlim e com o fim da URSS, o neoliberalismo “venceu”. Posteriormente, mais notadamente após a crise de 2008, muitos países tem passado por profundas crises democráticas, aventuras autoritárias de extrema direita surgiram e a polarização atual não é mais percebida como um embate entre esquerda e direita, na verdade há democracia versus tiranias, regimes protofascistas se estabeleceram com algum êxito, já que em muitos casos há um constrangedor apoio popular, tal qual os famosos e asquerosos regimes fascistas – nazismo, fascismo italiano, “franquismo” espanhol e o “salazarismo” português.

Voltando à pandemia, os efeitos foram brutais, e não apenas do ponto de vista de saúde agravado pelo descaso completo do (des)governo federal, o que ficou mais do que evidente, de forma escandalosa, foi o tamanho da desigualdade social. Até para os países ricos este fato tem saltado aos olhos, prova disto são os planos de recuperação econômica propostos em vários países. Nos EUA, Biden anunciou um gigantesco plano com o objetivo de focar na diminuição radical das desigualdades, a Inglaterra anuncia um aporte considerável em um banco de desenvolvimento para infraestrutura, sem esquecer dos chamados auxílios emergenciais robustos, no Brasil não foi da mesma forma, não fosse a oposição e o congresso nem sequer os insuficientes 600 reais seriam aprovados. A proposta do sábio “Posto Ipiranga” era de constrangedores 200. Inacreditável.

Resta evidente que o pensamento neoliberal fracassou, sem intervenção estatal não há desenvolvimento, e os neoliberais sabem disto, afinal o que de fato é defendido é um estado mínimo à população e um estado máximo à pequena elite burguesa.

Que possamos aniquilar este pensamento neoliberal e que seja refundado o Estado de Bem-Estar Social tal qual o Estado Democrático e de Direito.


[i] HAYEK, F.A. O caminho da servidão. São Paulo : Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

[ii] CANDIOTTO, C. Neoliberalismo e democracia. Princípios (UFRN. Impresso), v. 19, p. 153-179, 2012.

[iii] GENTILI, P. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.

[iv] HAYEK, F.A. O caminho da servidão. São Paulo : Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

[v] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo : Martin Claret, 2014.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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