
Por Carmem Feijó, Fernanda Feil, Fernando Amorim Teixeira
Desde a segunda metade dos anos 2010, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem enfrentado desafios significativos em relação à obtenção de fontes recursos para financiar projetos de desenvolvimento no Brasil. A agenda econômica ultra liberal dominante nos últimos anos entende que o BNDES deve encolher de tamanho e deixar de ser um banco de desenvolvimento, como sempre foi, e passar a desempenhar outras funções como apoio a Pequenas e Médias Empresas (PMEs) e consultoria de investimentos.
Nesta nova direção, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), historicamente uma importante fonte de recursos para o BNDES, vem tendo sua participação de repasse reduzida, passando de 40% para 28% após 2019.
Outra importante fonte de financiamento do banco – os empréstimos do Tesouro Nacional – que totalizaram R$ 416,1 bilhões, com prazo de devolução até 2050, foram devolvidos antecipadamente pelo banco. Entre 2015 e 2019, o BNDES restituiu R$ 409 bilhões ao Tesouro Nacional. Em 2020, não houve quitações antecipadas devido à maior necessidade de recursos decorrente da crise econômica originada pela pandemia da Covid-19. Em 2021, a instituição antecipou mais R$ 59,5 bilhões, deixando um montante total a ser pago de R$ 139 bilhões.
Diante da escassez de repasse de recursos do FAT e das dificuldades políticas relacionadas aos empréstimos do Tesouro Nacional, o BNDES tem buscado alternativas para garantir o financiamento adequado. Uma dessas alternativas é a captação de recursos no mercado financeiro. O BNDES tem emitido títulos no mercado nacional e internacional, buscando atrair investidores e diversificar suas fontes de financiamento. Além da captação no mercado financeiro, o BNDES tem buscado parcerias com instituições financeiras internacionais, como o BID, KfW e AFD.
Nessa tendência, a evolução em valores constantes dos desembolsos do BNDES (Gráfico 1), total e em infraestrutura (cerca de 40% do total), mostram como o banco vem reduzindo desde 2014 seus empréstimos e perdendo participação no mercado de crédito. Não por acaso, a taxa de investimento da economia tem declinado – estimando-se hoje que o crescimento dos investimentos na formação bruta de capital não é suficiente para manter a capacidade instalada. A taxa de investimento bruta em valores constantes situa-se abaixo de 20% do PIB na média de 2014-2022. Como, frente a tal cenário, o país pode planejar investimentos para induzir a transformação produtiva necessária para enfrentar a transição climática?
Gráfico 1: Desembolsos do BNDES total e em infraestrutura acumulados em 12 meses em milhões de reais (valores constantes de dez 2022) – 1995-2022

Fonte: BNDES, séries históricas, disponível em https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/estatisticas-desempenho/desembolsos
Diante desse quadro, é necessário explorar alternativas viáveis para garantir o financiamento adequado do BNDES na retomada dos investimentos com vistas à transição climática.
O Potencial do Fundo Soberano como Fonte de Recursos para o BNDES:
A (re)criação de um fundo soberano nacional, melhor delineado e que destine uma parcela de seus recursos a ser gerido (e remunerado) pelo BNDES se apresenta como uma solução viável e segura de provimento de recursos para o banco retomar o seu papel histórico de financiador do processo de transformação produtiva da economia¹.

Os fundos soberanos são instrumentos financeiros que têm como objetivo principal a gestão de recursos financeiros provenientes de atividades extrativas, como a exploração de petróleo e mineração. Apesar de existirem há bastante tempo, houve proliferação desse tipo de instrumento em meados dos anos 2000, impulsionados por crises econômicas e pelo boom dos preços das commodities. Atualmente, existem cerca de 90 fundos soberanos em mais de 50 países, administrando trilhões de dólares em ativos.
Esses fundos podem ter diferentes objetivos, como poupança intergeracional, estabilização econômica, financiamento do Estado, diversificação de carteira de ativos, estratégico e desenvolvimento.
No caso do Brasil, um fundo soberano robusto e nacional poderia direcionar recursos para investimentos estruturantes e sustentáveis, como projetos de infraestrutura, contribuindo assim para a transição verde no país².
Um fundo soberano, com institucionalidade adequada, poderia ser uma alternativa quase tão segura quanto o FAT para o financiamento do BNDES. Essa abordagem apresenta várias vantagens, mas especialmente daria maior autonomia em relação às oscilações políticas e econômicas, proporcionando uma fonte de recursos mais estável e previsível para o banco.
Os recursos do fundo soberano poderiam ser direcionados para investimentos na transição verde sustentável, como projetos de inovação, energia renovável, transporte limpo e saneamento básico, impulsionando assim o desenvolvimento econômico e social do país.
O Fundo Social do Pré-Sal:
Uma opção promissora é o Fundo Social do Pré-Sal, criado em 2010 pela Lei nº 12.351/2010. Esse fundo foi estabelecido para receber os recursos provenientes da exploração do pré-sal e destiná-los a investimentos em áreas prioritárias, como educação, saúde e meio ambiente. No entanto, atualmente, o Fundo Social do Pré-Sal enfrenta desafios em relação à sua operacionalização efetiva e alocação de recursos.
De acordo com a lei, o Fundo Social tem como finalidade ser uma poupança de longo prazo, visando a promoção do desenvolvimento econômico e social do país. Os recursos do Fundo são oriundos de parcela dos royalties e da participação especial incidentes sobre a produção de petróleo e gás natural na camada pré-sal.
A gestão do Fundo Social é realizada por um Comitê de Investimento, composto por representantes dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e de Minas e Energia. Esse comitê é responsável por definir a política de investimentos do Fundo, buscando obter rentabilidade e segurança nas aplicações dos recursos. A legislação também estabelece que os recursos do Fundo Social devem ser utilizados prioritariamente em programas e projetos nas áreas de educação, cultura, saúde, combate à pobreza, meio ambiente, ciência, tecnologia e inovação.
Além de resolver a questão de recursos do BNDES, um fundo soberano robusto nacional também pode desempenhar um papel fundamental na promoção da transição verde no Brasil. A transição para uma economia sustentável e de baixo carbono exige investimentos significativos em projetos relacionados à energia renovável, eficiência energética, transporte limpo e outras áreas ambientalmente responsáveis. O financiamento à transição verde sustentável requer uma reordenação do sistema financeiro com forte atuação dos bancos públicos, em especial bancos de desenvolvimento. Com um fundo soberano que tenha uma parcela dos seus recursos destinados a promoção do investimento, funcionando como fonte de recursos do BNDES, seria possível financiar o processo de transição verde sustentável alinhado com o plano do governo.
¹ O Brasil criou um Fundo Soberano em 2008 (o FSB). Por uma série de razões, o fundo foi liquidado no fim da década passada, o que não significa que o país deveria desistir de criar expedientes de gestão de riqueza intertemporal.
² A gestão por parte do BNDES de uma parcela dos ativos de fundos soberanos subnacionais (o país tem quatro fundos em operação que administram quase R$ 4 bilhões de reais, e a tendencia é de um número crescente de fundos nos próximos anos), pode ainda viabilizar investimentos estruturantes em estados e municípios receptores de recursos de compensação e, ao mesmo tempo, capitalizar o banco.
Carmem Feijó – Professora titular na UFF, pesquisadora do CNPQ e coordenadora do Finde/UFF
Fernanda Feil – Doutora em economia pela UFF e pesquisadora do Finde/UFF
Fernando Amorim Teixeira – Doutorando na UFF e Professor na UFRJ

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