Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Por que no Brasil o neoliberalismo fracassa tão rápido, por Jorge Alexandre Neves

O Brasil tem especificidades muito marcantes, mesmo quando comparado a outros países da América Latina.

Por que no Brasil o neoliberalismo fracassa tão rápido

por Jorge Alexandre Neves

Há alguns meses, o povo chileno começou uma revolta contra mais de quatro décadas de neoliberalismo. Na Colômbia, as políticas neoliberais também têm prevalecido por décadas. Quando comparamos com o Brasil, vemos que, por aqui, o neoliberalismo não tem contado com a mesma longevidade. Afinal, a primeira tentativa de implantação do neoliberalismo em terras tupiniquins (governo Collor) durou pouco mais de dois anos, a segunda (governos FHC) teve oito anos de vida e, finalmente, a experiência atual cai numa profunda crise, ao entrar no seu quinto ano. Por que, no Brasil, o neoliberalismo fracassa tão rápido?

Os economistas neoliberais precisam estudar um pouco mais de história, bem como deveriam ter consciência de que proposições gerais nas ciências humanas e sociais têm que ser consideradas em vistas das possibilidades de interações com situações conjunturais ou estruturais dos diferentes países, sociedades, culturas e momentos. O Brasil tem especificidades muito marcantes, mesmo quando comparado a outros países da América Latina.

Alguns cientistas sociais tendem a acreditar que nossa grande especificidade é que o povo brasileiro teria uma afeição atípica ao estatismo. Há pouco mais de dois anos, escrevi um artigo (1) mostrando boas evidências empíricas de que isso não é uma especificidade do Brasil, mas uma característica de populações de países que não alcançaram elevados níveis de desenvolvimento socioeconômico.

Por outro lado, nossa carga tributária é, sim, um importante e forte indicador de que o Brasil tem um grau elevado de participação do Estado na renda nacional, especialmente quando comparado com outros países com o mesmo nível de desenvolvimento. Nossa carga tributária, em torno de 35% do PIB, é equivalente à média da OCDE, e só encontra semelhança em um único país da América Latina, a Argentina.

Na verdade, a história do Brasil mostra que suas elites, sim, são fortemente conectadas ao Estado. Sobre a elite estamental e suas ligações com o Estado, já escrevi aqui no GGN (2). A elite empresarial, por sua vez, também é fortemente vinculada ao Estado e dependente deste, o que, inclusive, torna a luta política mais agressiva. É verdade que esse é um fenômeno meio que universal. Como bem mostrou o senador Bernie Sanders em um de seus discursos recentes, as elites econômicas dos EUA sempre buscaram benefícios estatais para si, enquanto defendem o individualismo para as pessoas em geral. Todavia, o caso brasileiro é mais significativo.

Lembro-me de uma entrevista que assisti há muitos anos com o falecido empresário Antônio Ermírio de Moraes, na qual ele descrevia que o grande empresariado brasileiro – em particular, do setor industrial – tinha resultado de uma indução do Estado. Fundamentalmente, o Estado produziu o capitalismo, no Brasil. Embora nessa mesma entrevista Antônio Ermírio tenha defendido que já era hora de o Brasil partir para experiências mais liberais, com seus empresários tendo que tomar iniciativas de forma autônoma e assumir mais riscos, o fato é que até hoje observa-se aqui a existência de uma elite empresarial com elevada aversão ao risco e profunda dependência dos investimentos públicos.

Muitos esperavam que a forte queda nas taxas de juros resultassem numa rápida elevação dos investimentos privados e um aumento significativo da oferta de crédito e de redução do spread bancário (3). Nada disso tem acontecido. E, mais uma vez, os atores econômicos já começam a revisar suas previsões de crescimento do PIB para baixo de 2% (4). O Brasil não retomará o crescimento econômico se o Estado não agir no sentido de elevar o consumo das famílias. Da mesma forma, o setor privado não irá investir se o consumo das famílias não crescer e se o investimento público não se elevar (5). Por enquanto, essas duas coisas não parecem estar sendo planejadas de forma sistemática. Todavia, o ultimato que o presidente da República deu ao seu ministro da economia talvez faça as coisas mudarem mais rapidamente. Aguardemos…

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

1. https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/jorge-alexandre-1.457816/o-estatismo-do-brasileiro-1.584960.

2. https://jornalggn.com.br/saude/profissionalismo-estamental/.

3. Mostrando certo nível de desespero, o Banco Central volta a considerar a redução dos compulsórios bancários, na esperança de transformar liquidez em maior oferta de crédito por parte dos bancos privados. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/02/20/internas_economia,829291/banco-central-anuncia-medida-para-liberar-r-49-bilhoes-no-mercado.shtml.

4. https://exame.abril.com.br/economia/bnp-paribas-corta-projecao-para-pib-do-brasil-a-15-em-2020/.

5. Não pude controlar a gargalhada quando, em um programa de TV há algumas semanas, o economista Armando Castelar, com visível irritação, buscou explicar o fracasso da retomada econômica brasileira com uma frase impagável: “a economia brasileira estava viciada em dinheiro público”. Não, caro economista, a economia brasileira não está viciada em dinheiro público, ela é historicamente dependente dos investimentos públicos. A afirmação de Castelar é ainda mais risível por revelar que, como não conseguem explicar o fracasso das políticas econômicas que seguem o seu receituário, economistas neoliberais apelam para saídas mágicas totalmente incompatíveis com a abordagem teórica que seguem. Só gargalhando!

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

9 Comentários

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  1. Interessante este artigo que nos leva a reflexao da nossa elite empresarial.
    Comparando com tantos outras historias de empreendedores americanos mostradas em filmes holliwoodianos o empresariado brasileiro estah mais proximo de um parasita do Estado.

  2. “…Ermírio de Morais (pai) proferiu na ocasião um discurso de cunho nacionalista no qual combateu, entre outras medidas governamentais, a Instrução nº 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), baixada em 17 de janeiro de 1955, que facilitava a entrada de capital estrangeiro no país ao permitir às empresas internacionais a importação de equipamentos sem cobertura cambial, o que era então vetado à indústria nacional. (PRIVATARIAS. DÓLAR financiando a desnacionalização brasileira, apoiada pelo próprio Governo Brasileiro é coisa recente? É mediocridade criada a partir do NeoLiberalismo de um pária como FHC? Ou é Projeto Fascista Esquerdopata de Gudin e GV perpetuada por Elites e Nepotismo abjeto de figuras como Brizola, Jango, Tancredo Neves, que preservaram tamanha imbecilidade por 9 décadas, salvo breves períodos como Governo Jânio Quadros, explicitado por Ermírio de Moraes ?

    Entusiasmado com a política empreendida por Jânio Quadros no governo de São Paulo (1955-1959), Ermírio de Morais participou do financiamento de sua campanha para as eleições presidenciais de 1960. Jânio venceu o pleito e tomou posse em janeiro de 1961, no mesmo mês em que Ermírio de Morais se elegeu membro do conselho consultivo da FIESP e do conselho deliberativo do CIESP. Ermírio de Morais se achava no exercício dessas funções quando Jânio o convidou para assumir a embaixada brasileira em Bonn, na Alemanha Ocidental. Embora a Comissão de Relações Exteriores do Senado houvesse dado parecer favorável à sua nomeação, a 6 de junho, após submeter o pretendente a uma sabatina, representantes da casa acabaram por rejeitar o nome do industrial por pequena margem de votos.

    Segundo informa o biógrafo João de Scantimburgo, a votação teria sido influenciada pelo prévio comparecimento ao Senado de Afonso Arinos de Melo Franco, então ministro das Relações Exteriores, que expusera a posição favorável de Jânio ao reatamento dos laços diplomáticos com Cuba, o que teria desagradado aos parlamentares…” “…Antônio Ermírio (filho) tenha defendido que já era hora de o Brasil partir para experiências mais liberais, com seus empresários tendo que tomar iniciativas de forma autônoma…” Aquilo que seu Pai já havia vivenciado e perseguido com absoluto e enorme sucesso até 1930 na 1.a República. República Paulista. O FRUTO NUNCA CAI LONGE DA ÁRVORE. Já Fomos cabeça até regredirmos a rabo, num Golpe Civil Militar de Quartelada QuintoMundista de baixa patente que produziu um Estado Ditatorial Absolutista Caudilhista Assassino Esquerdopata Fascista. A VERDADE É LIBERTADORA. E começa a Nos libertar. Finalmente, após 9 décadas. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  3. Zé Sérgio,
    Parabéns, você poderia ser mestre do Olavo de Carvalho.
    Seguindo a mesma metodologia do filósofo você chega a desfechos e conclusões ainda mais surpreendentes e atípicas.

  4. As experiências neoliberais fracassam cada vez mais rápido por causa do avanço da automação. Quanto mais automatizada a economia, menos vagas serão criadas para absorver os desempregados excluídos da proteção de leis trabalhistas, menos vagas na indústria, menos vagas para vendedores, menos vagas para caixas de banco, de supermercado, de cobrança de estacionamento, etc. A grande verdade é que a autonação e o neoliberalismo são incompatíveis, o avanço da automação torna o neoliberalismo obsoleto e demanda leis trabalhistas mais fortes e redução da jornada de trabalho, que é exatamente o contrário do que o brasil está fazendo.

  5. “Tão rápido”? Se nos EUA fracassou em uns 30 anos e havia bem mais “combustível pra queimar”, porque o espanto de que no feudo brasilis mal e porcamente tenha se mantido por uns 20? O problema serão os remendos, pois os kaynesianos, apesar de menos amorais, ainda assim oferecem aquilo que não funciona: o maldito capitalismo. É necessário a criação de algo mais sofisticado e novo, pois pela primeira vez na história humana, o juiz será planeta que está em ruinas.

  6. Primeiro o Jorge Alexandre Neves afirma que o Chile enfrenta mais de 4 décadas de “neoliberalismo”, o que culminou nas revoltas de 2019. Ele desconsiderou completamente que o Chile foi governado por 10 anos por uma coalização de centro-esquerda entre 1990 e 2000. Desconsiderou que o Chile foi governado pelo Partido da República Socialista de 2000 a 2010 e voltou a ser governado por este mesmo partido de 2014 a 2018. Ou seja, nos últimos 30 anos, o Chile esteve sob poder de um partido de direita/liberal/conservador durante 6 anos. Os outros 24 anos esteve sob o poder da esquerda. Apesar de o Chile ter os melhores índices econômicos da América Latina e apresentar a melhor evolução dos índices econômicos dos anos 80 pra cá na América Latina, ele considera que as revoltas de 2019 representam que o modelo chileno e os governos chilenos foram um fracasso. Se o Chile, o país com os melhores índices econômicos e com a melhor evolução dos índices econômicos é um fracasso, o único que chegou a ser considerado um país desenvolvido na AL, o que poderíamos dizer dos demais países da América Latina? Como classificar Argentina e Venezuela que já figuraram entre os mais ricos do mundo e hoje estão entre os mais pobres?

    Depois o autor do texto disse que o Brasil experimentou o neoliberalismo durante os governos de Collor, FHC, Temer e Bolsonaro. Esqueceu de Itamar, que tinha como ministro da fazenda o FHC, idealizador do Plano Real, o qual a esquerda foi contrária, que reduziu a hiperinflação de 1.000% para 10%. Esqueceu também de dizer que o primeiro mandato do governo Lula foram os 4 anos em que o país foi mais liberal em toda a sua história, em que o ministra da fazenda Antonio Palocci e sua equipe econômica composta por vários liberais mantiveram o tripé econômico iniciado no governo FHC (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante), ampliaram os programas sociais iniciados pelo governo FHC (bolsa escola virou bolsa família), manteve a abertura econômica com inúmeras concessões (mais até do que realizou o FHC) e aplicou uma política de austeridade nas contas públicas, reduzindo gastos, como bem reconheceu o Haddad (Haddad é Lula!) em 2016 ao dizer que “ninguém foi mais austero na economia do que Lula”. Aí a partir do 2º mandato do governo Lula, Mantega assumiu o ministério da fazenda e o resultado vimos a partir de 2014 com a maior recessão da história do país.

    Vejam que para o autor do texto, o Chile foi “neoliberal” durante mais de 40 anos independente do partido que estivesse no poder, mesmo quando a esquerda e a centro-esquerda esteve no poder, já o Brasil só não foi neoliberal durante o governo do PT…

    Aí o autor do texto afirmou que o neoliberalismo fracassou no Brasil, o país que possui uma carga tributária elevada, onde há relações de favorecimento entre o setor público e o setor privado, com inúmeras concessões de privilégios à elite empresarial… Ou seja, o neoliberalismo fracassou num país que não é neoliberal…

    Lembrando que quem aplicou medidas protecionistas, que favoreciam a elite empresarial nacional, com a “política de campeões nacionais”, a “nova matriz econômica”, a concessão de privilégios fiscais para setores específicos (aqueles setores que financiavam o PT a se perpetuar no poder)… Quem fez tudo isso foi o PT apoiado por toda a esquerda.

    Se não bastasse toda essa distorção histórica, o autor do texto mentiu ao dizer que não estava havendo aumento do investimento estrangeiro, como pode se verificar nos links abaixo:

    “País passou da 9ª para a 4ª colocação entre os maiores destinos de recursos produtivos; fluxo global caiu 1%, segundo levantamento da Unctad”

    https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/20/puxado-por-privatizacoes-investimento-estrangeiro-no-brasil-cresceu-26percent-em-2019.ghtml

    https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/15/retorno-supera-custo-de-captacao-e-investimento-volta-a-ser-atrativo-para-empresas-pela-1a-vez-em-quase-10-anos.ghtml

    https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/11/22/estoque-de-capital-estrangeiro-cresce-us-1544-bi-no-ano.ghtml

    Diante de tudo isso, o autor do texto teve a coragem de que os “neoliberais” precisam estudar história.

    O autor do texto não precisa só estudar, precisa repensar seu caráter e honestidade.

    1. Gostei do teu comentário Celso da Silva. Hoje em dia existe muitos pseudos intelectuais se passando e vagando de pessoas culta, inclusive possuindo seus Dr. ou até mesmo Ph.D, mas no fundo acabam tentando ocultar muitos fatos históricos e fazendo outros tipos de afirmações contrárias tentando induzir um povo que na sua maioria se quer entende da nossa história política. A doutrinação entrou nas mente de muitas pessoas que se quer consegue se libertar disso.

    2. Resumindo:
      A esquerda chilena e a esquerda pestista são neoliberais.
      Não importa se executado pela direita ou pela esquerda, o neoliberalismo é um fracasso.

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