Por uma Lei de defesa do Estado Democrático de Direito, por Aldo Fornazieri

Por uma Lei de defesa do Estado Democrático de Direito

por Aldo Fornazieri

Os acontecimentos políticos brasileiros dos últimos tempos revelam que o Estado Democrático de Direito no Brasil não tem nenhuma guarnição jurídica. De forma recorrente, as milícias bolsonaristas pregam o fechamento do Congresso e do Judiciário e um golpe militar. Um de seus chefes, o deputado Eduardo Bolsonaro, como se sabe, defendeu o retorno do AI-5 (Ato Institucional Nº 5) que, entre outras medidas, permitiu fechamento do Congresso, das assembleias legislativas, implantou a censura, autorizou a intervenção em estados e municípios e suspendeu várias garantias e direitos constitucionais.

Chega impressionar o fato de que os constituintes que elaboraram a Constituição de 1988, depois de 21 anos de ditadura, não tenham encaminhado uma legislação que protegesse o Estado Democrático de Direito. Mais impressionante ainda é que nos governos do PT, no caso específico do governo Dilma, que foi torturada na ditadura, tenha se encaminhado um projeto que resultou na lei antiterrorismo e nada para defender o Estado Democrático de Direito. O problema do Brasil nunca foi o terrorismo e sim a violação do Estado Democrático de Direito. É ele que precisa ser protegido por uma lei – uma lei que puna os crimes contra o mesmo.

Depois de sair de uma ditadura parecia ser óbvio que se atentasse para a necessidade de proteger o Estado Democrático de Direito. Mas a inconsequência dos políticos brasileiros que defendem a democracia é a muralha arrombada por onde se infiltram os inimigos da democracia. Mais contundentes foram os constituintes alemães que, ao elaborarem a Constituição da República Federal da Alemanha de 1949, fizeram constar no Artigo 20 o direito de rebelião se não houvesse outra alternativa de impedir a subversão da ordem democrática.

Uma pesquisa rápida no Google permite encontrar algo protetivo da democracia, um projeto de lei elaborado em 2002, pelo então ministro da Justiça Miguel Reale Junior. O projeto consistia numa inclusão no código penal de um Título tratando “dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Com  cinco Capítulos, dentre eles se destacam: “dos crimes contra a soberania nacional”, “dos crimes contra as instituições democráticas”, “dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e os serviços essenciais”. A oposição deveria retomar com urgência esse projeto, melhorá-lo e encaminhá-lo novamente para tramitação no Congresso.

Em face dos desatinos golpistas de Eduardo Bolsonaro, agora os partidos de oposição propuseram a cassação do seu mandato. Preventivamente, o filho do presidente alegou imunidade parlamentar que lhe garantiria o direito de manifestar suas opiniões. Com efeito, o artigo 53 da Constituição afirma que “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Mais uma vez aqui surge a pergunta clássica: pode-se usar a democracia para conspirar contra a democracia? É democrático decidir, por maioria, o fim da democracia? Foi o que os nazistas fizeram na Alemanha.

A democracia precisa ser protegida e precisa se autoproteger. A democracia, desde a Grécia antiga, nunca foi concebida como o reino da liberdade absoluta. Como o reino da liberdade da vontade arbitrária. Nas definições clássicas da democracia o que mais se destaca é aquela que a define como o império da lei. O fato é que a democracia brasileira é frágil nos seus mecanismos de proteção ou autoproteção.

O artigo 53 da Constituição revela uma dessas fraquezas. Se há uma liberdade ilimitada para emitir opiniões, então um parlamentar pode usar a tribuna para propor o fechamento do Congresso, o fechamento do Judiciário, a implantação da censura, pode fazer apologia à tortura e às ditaduras sem que a democracia possa ser defendida. Jair Bolsonaro, quando deputado, submeteu a democracia a esses constrangimentos e agressões sem que nunca tivesse sido punido. A inconsequência dos democratas está cobrando um alto custo ao país hoje.

É evidente que o artigo 53 da Constituição precisa ter algumas travas. Um deputado que defendesse o fechamento do Congresso e do STF, que fizesse apologia à censura, a ditadores e a torturadores deveria incorrer na quebra do decorro parlamentar e perder o seu mandato. É aquela velha história nunca apreendida: a liberdade absoluta é o caminho mais curto para o fim da liberdade.

É necessário e urgente que os partidos e os deputados da oposição e da esquerda façam uma revisão de todos os mecanismos de defesa do Estado de Democrático de Direito e das liberdades para que as brechas por onde se infiltram os ataques o ataque sejam fechadas. Trata-se de um dever e de uma responsabilidade. Não se pode deixar incólumes aqueles que usam a democracia e seus mecanismos para ataca-la e suprimi-la.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).  

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • -> Mais impressionante ainda é que nos governos do PT, no caso específico do governo Dilma, que foi torturada na ditadura, tenha se encaminhado um projeto que resultou na lei antiterrorismo e nada para defender o Estado Democrático de Direito.

    nada no momento é mais importe do que estudar e debater as experiências anteriores da Esquerda, não só no Brasil mas principalmente na América Latina.

    nada garante a Democracia a não ser a própria Democracia. e só há Democracia com participação popular direta e organizada.

    por outro lado, a falência da Esquerda institucional/parlamentar no Brasil é completa e definitiva.

    Dilma e apoiadores bradaram "Não Vai Ter Golpe!", mas a President@ desceu espontaneamente a rampa do Palácio do Planalto.

    se lá dentro houvesse se entrincheirado, anunciando que só sairia pela força, o que teria acontecido?

    o caso da capitulação voluntária de Lula é emblemático?

    no caso das atuais privatizações e a entrega do pré-sal, bastaria uma palavra de Lula, e da Esquerda como um todo, não reconhecendo e deixando claro que na primeira oportunidade serão sumariamente revertidas.

    inclusive com cobrança compulsória de indenização das empresas beneficiadas e responsabilização criminal de seus gestores no Brasil.

    qual o impacto disto no ambiente de negócios?

    quase todos na Esquerda retrucarão com desprezo tratar-se de devaneio inconsequente. mas inconsequência mesmo é uma lógica política que nos arrastou à situação atual.

    a verdade é que este sistema não aguenta nada. embora pareça poderoso, e de fato é em termos, sua fragilidade é proporcional à sua aparente inexpugnabilidade.

    p.s.:

    por outro lado, a irmã siamesa da Esquerda institucional é uma fanática Esquerda revolucionária.

    recordemos o professor de filosofia Abimael Guzmán, líder da seita terrorista Sendero Luminoso: "O sangue não detém a Revolução, mas a rega".

    regado com o sangue dos camponeses por Guzmán, brotou o Fujimorismo - mantendo até hoje o Peru no círculo infernal do neoliberalismo.
    .

  • Não concordo. Palavras não se transformam automaticamente em atos e quando você começa a querer limitá-las o problema é quem vai fazer isso e onde ele vai parar. Além disso, o professor não está percebendo que o remédio que ele quer dar aos outros pode ser usado contra ele. Se um for cassado por elogiar o Médici, por que outro não seria por elogiar o Fidel?

    Deixe cada um falar o que bem entender e conteste-o falando também. O povo que ouça e decida.

  • Muitos pensavam que a democracia é um bem que uma vez conquistado não se perde. A ilusão é acreditar que em todos os tempos a sociedade vai clamar e defender a democracia. Historicamente não é isso que se vê. Eh o que ocorre com parte do Brasil atual, que prefere governos autoritarios à social democracia.
    Se o Senado não sancionar Eduardo Bolsonaro - como a Câmara não fez com Jair Bolsonaro no seu abjeto voto do impeachment - ela estara dando razão à sua demanda de um novo Ato Institucional. Para quê o Congresso? Fechem o congresso.

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