Precisamos falar sobre Suicídio (suas estatísticas) e sobre adolescência, por Flávia Andrade

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Blog Psicologia e Prevenção de Suicídio

Precisamos falar sobre Suicídio (suas estatísticas) e sobre adolescência

por Flávia Andrade

As recentes notícias do Suicídio de adolescentes em colégios tradicionais de São Paulo deixaram a todos absolutamente perplexos. É estarrecedor e muitas vezes dolorido falar sobre esse assunto e mais ainda quando se tratam de jovens. Cabem antes então, algumas contextualizações.
O tema do Suicídio vem sendo debatido com maior destaque nos últimos anos, especialmente após o início da campanha “Setembro Amarelo”, a qual é parte de um amplo e necessário esforço no sentido de prevenção.
 
Suicídio é hoje uma questão de saúde pública; discutido na comunidade médica, científica e no âmbito da Saúde em geral. A OMS divulga há anos um vasto material sobre o tema, com informações sobre conceitos e formas de lidar com a questão, em si, tão complexa.

 
Suicídio é considerado por muitos um assunto tabu. É tema de reflexão e debate de sociólogos, médicos, psicólogos e outros profissionais que se debruçam sobre análises que permitam pensar em como lidar com essa questão.
 
Por muitos anos, e isso parece estar mudando aos poucos, praticamente não se falava sobre suicídio. É um tema permeado por motivos que justificam sua interdição; questões morais, religiosas, sociais etc são frequentemente associadas a este fenomeno, tão pouco compreendido.
 
Suicídio é uma forma de morte que causa perplexidade. Não a toa, porque não se compreende, em geral, o que levaria alguém a dar cabo da própria vida. O suicídio de jovens apresenta um agravante de perplexidade, uma vez que não se espera que alguém no início de sua vida cheia de possibilidades realize esse ato extremo e violento. 
 
Mas, muito já foi dito sobre o suicídio na mídia, especialmente após a triste morte destes adolescentes. Há muita informação sobre fatores de risco, sobre possíveis intervenções e outros aspectos extremamente importantes nesse caso. O objetivo desse texto não é repetir esses dados (imprescindíveis) a exaustão. Aqui a proposta de abordagem pretende apontar para outras direções.
 
O suicídio tem crescido. E crescido especialmente nas duas pontas; entre os adolescentes e os idosos. E alguns estudiosos consideram que o suicídio pode ser indicador de fenômenos sociais, formas patológicas de relações. O suicídio nessa perspectiva, representaria uma espécie de denuncia de um modo de vida insustentável, insuportável e não apenas do ponto de vista individual, mas do ponto de vista social. Um dos principais estudiosos do tema, Émile Durkheim (sociólogo francês autor do clássico O Suicídio), considerava o suicídio um fenômeno social. Suas análises são consideradas fundamentais até os dias de hoje, apesar de atualmente ser consenso que o suicídio é um fenômeno multifatorial e que portanto, deve ser analisado como tal.
 
Considerando essa perspectiva, é preciso olhar para os dados e perguntar; para onde as estatísticas (de aumento de frequência de suicídios) apontam? Poderíamos nos questionar as razões que estão levando jovens e idosos para esse caminho. Não pretendemos (e isso seria impossível) obter as respostas, chegar à “causas” para o Suicídio de alguem. Mas, poderíamos olhar para quem são esses indivíduos em nossa sociedade. Ou seja, qual o lugar social de nossos adolescentes e idosos? 
 
Em uma primeira análise, podemos ver em comum o fato de esses dois grupos terem uma perspectiva possível de desajuste, o que pode levar a sentimento de solidão e isolamento. Desajuste por parte do adolescente, que além das pressões próprias de nosso contexto social, ainda não consolidaram as próprias identidades e já carregam sob suas costas o peso da escolha do seu destino. Desajuste por parte do idoso, frequentemente isolado, abandonado, precarizado por não estar mais ativo, por ter deixado de exercer sua potência funcional (falaremos dos idosos em outra oportunidade).
 
Diante dessa primeira analise, emergem facilmente alguns questionamentos; há lugar em nossa sociedade para quem não está, ou ainda não está, plenamente ativo, produtivo e feliz?
 
Há lugar em nossa sociedade para os adolescentes que, frequentemente, são estigmatizados como imaturos, barulhentos, esquisitos, indecisos, em suma, há lugar para eles que são frequentemente chamados de “aborrecentes”? Há, sobretudo, respeito a eles nessa fase de ebulição hormonal, há acessibilidade a conversas, acolhimento de suas angústias e frustrações? Há espaço para que eles falem e sejam ouvidos sem serem imediatamente considerados exagerados por conta da “fase complicada” em que se encontram?
 
A adolescência é, em si, e como recorrentemente dito, uma fase complexa do desenvolvimento humano. É uma fase de modificação física, hormonal e por consequência, psíquica. É ainda a fase de maior incerteza sobre a própria identidade. Nossa sociedade não tem um marco, algo com um rito de passagem para a vida adulta. Assim, a adolescência é como que um limbo no qual o jovem mergulha até que tenha idade suficiente para ser considerado adulto. Mas durante esse limbo, coisas importantes acontecem, a pressão sobre o jovem é cada vez mais absurda. De acordo com Winnicott (psicanalista ingles), há uma irritação social com fenômenos que são próprios da adolescência. E esta irritação parte de adultos que parecem não lembrar de que já passaram por esta mesma fase de descobertas incessantes sobre o mundo e sobre si mesmos. O adolescente precisa, como a criança, desenvolver aos poucos suas próprias ferramentas psíquicas de enfrentamento a um mundo que pode ser hostil. É, sobretudo, uma fase na qual eles buscam lutar para sentirem-se reais. Uma fase de transição, absolutamente saudavel, por mais que seja dificil de compreender. 
 
Precisamos refletir sobre a contrapartida disto. Ouvimos pouco nossos jovens, ou nem sempre  damos crédito a suas angústias. Precisamos falar sobre Suicídio, mas precisamos ouvir o que os nossos adolescentes têm a dizer, em todos os momentos. Precisamos sim falar de suicídio e temos feito isso cada vez mais. Mas precisamos falar dele e do contexto onde se insere, precisamos falar dele e das pessoas que tem-no considerado como solução para suas angústias. Ou seja, precisamos falar de suicídio, mas antes, ou paralelamente, precisamos retomar nossas reflexões e modos de lidar com nossos jovens e idosos, grupos nos quais o suicídio (e tentativas de suicídio), infelizmente, vem crescendo. A prevenção do Suicídio deve começar muito antes dele ser pensado por alguém que está em extrema angústia. A prevenção começa com a reflexão sobre nossos modos de vida e sobre nossos modos de nos relacionar em sociedade. É preciso falar de suicídio, mas falar com responsabilidade, com disposição e preparo para o acolhimento.  Não há resposta para o suicídio. Há perguntas, possibilidade de diálogo e apoio, durante nossas vidas.
 
Há medidas de prevenção, disseminação de informações, centros e grupos de tratamento e intervenção. Mas a prevenção do Suicídio começa por nosso exercício de nos interrogar sobre como estamos lidando com nossas vidas e como enxergamos a do outro, ao nosso lado.
 
Abaixo, deixo alguns links de sites absolutamente úteis para acesso a manuais e cartilhas sobre o tema do Suicídio. Todo esse material traz muita informação. E sim, informar também é prevenir.
 
(Flávia Andrade Psicóloga Clínica e Hospitalar Especialista em Psico-Oncologia e Prevenção do Suicídio. Mestranda em Filosofia com o tema: O Suicídio na obra Michel Foucault)
 
Referências bibliográficas
 
WINNICOTT, D.W. Privação e delinquencia. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
 
DURKHEIM, E. O Suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
 
Links úteis:
 
Cartilha “Preventing suicide” Organização Mundial da Saude: 
http://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/world_report_2014/en/ 
 
Cartilha “Suicídio, informando para prevenir” Associação brasileira de psiquiatria:
http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index9/?numero=14
 
CVV – Centro de Valorização da vida:
https://www.cvv.org.br/
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Jovem de escola top não é educado para ser a projeção dos pais?

    Até que ponto o ambiente social de vivência pautado na competição, na obrigatoriedade de ter como futuro uma linha de conduta que aponte para o dinheiro, para o sucesso, para mais do mesmo, para o fútil das relações pautadas pelo quanto tenho a oferecer de material e não por quanto tenho a oferecer como pessoa, como ser humano, como gente que tem sentimentos, dúvidas, desejos, prazeres, vontades de aventurar-se não produz estes casos de suicídios entre adolescentes de escolas particulares da elite?

    Imaginemos o ambiente de convívio social dessa gente toda que tem por obrigação de vida mostrar resultados, conseguir metas financeiras, que vive o dia na companhia de pessoas que quase não se olham com prazer, se olham mais por fora, se relacionam pelo que podem oferecer de material, que se associam aos outros, muitas das vezes, sem Amor, apenas, por uma conveniência financeira, por uma fantasia de manter uma Vida luxuosa, um status, uma realidade de Poder.

    Neste ambiente onde se escolhe amigos e amigas pelo que têm, que se fecham os pais para o diverso, que se zomba do pobre e dos seus costumes, que se aprisiona os filhos e a família por medo da violência, que se ensina uma suposta superioridade pela classe social a que se pertence e se odeia o de ideologia diversa, que você tem que ter certa postura e etiqueta e escolher com quem pode ou não pode se relacionar, que os filhos e filhas são mercadorias que fazem todas as atividades extraclasse e são preparados para comandar o que os pais comandam ou ir além do que os pais possuem e a escola promove esta lógica para a família não colocando os alunos no centro da discussão, não incentivando que eles tenham suas próprias vontades por uma questão financista, por medo de perder alunos, o suicídio entre adolescentes não se justifica?

    Há muitos pais que projetam no filho as suas frustrações materiais, os seus desejos de continuidade do status quo e querem o filho, a filha como um escudo ou seu orgulho social perante amigos e parentes, como se fosse uma resposta de vitória à sociedade, ao meio social em que vivem. 

    O filho e a filha se tormam mais a medida que se produzem para o Ter, para o sucesso, para a manutenção ou ampliação do status quo. 

    Desejo dos pais que o filho se dê bem na Vida e bem na Vida é sinônimo de ser financeiramente diferenciado dos demais.

  2. Apenas paliativas são – e

    Apenas paliativas são – e seriam – as ações se não conseguirmos (claramente) ver que todo sistema de exploração é fagulha acesa para tais fugas eou recusas. Enquanto não formos capazes de nos libertarmos das profundezas das exigências desde a tenra infância, conviveremos – cada vez mais frequentemente – com tais perdas.

    A medicina, como um todo, vende remédios e academias e enxertos e implantações que asseguram a extensão da vida: no entanto, de que vale o idoso sozinho e abandonado, mesmo que remodelado em cremes e aspirações? Quantos idosos trocariam sua falsa-juventude e a ironia da melhor-idade pela possibilidade de viver decentemente na companhia dos seus e da assistência necessária?

    Sei não, continuamos falando e discutindo as consequência e nos negamos as razões e raízes, pelos negócios que nos obrigam a servirmos e servirmos sem qualquer recompensa afetiva.

     

  3. Realmente suicídio, é um

    Realmente suicídio, é um assunto pouco discutido, pois a vítima sempre é responsabilizada. Uma escolha individual.

    E realmente parece ser assim.

    Depois que assisti a série Thirteen Reasons Why, caiu a ficha de como somos insensíveis seja qual for o ponto de vista, todos, menos o da vítima.

    A série é um filme à parte, de tudo que assisti até hoje. A maneira comno aborda o assunto tem sduas críticas, mas passar pela dor dessa tragédia se faz necessária para entender melhor o assunto.

    #stopbulling

    https://thoughtcatalog.files.wordpress.com/2018/01/13-reasons-why1.jpg?w=1200&resize=1200,675&quality=95&strip=all&crop=1

    umas das cenas que mais me surpreendeu, tamanho desconhecimento do que se passa com a pessoa.

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