STF impediu golpe de Bolsonaro, por Fernando Horta e Gustavo Conde

É consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe. É em função desta fatalidade que jornais e partidos enunciaram o “fim” de Bolsonaro - a tentativa fracassada, no entanto, não freou nem freará o ex-capitão.

do Blog do Conde

STF impediu golpe de Bolsonaro, por Fernando Horta e Gustavo Conde

Os protestos convocados por Jair Bolsonaro serviram para mobilizar a classe política para o impeachment. Bolsonaro se expôs sem filtro ao país, dissipando qualquer dúvida sobre suas intenções golpistas e messiânicas. Na tarde de 7 de setembro, as redações já operavam incrédulas diante do mergulho suicida de um presidente disposto a tudo.

Mas os acontecimentos foram mais complexos do que isto. Houve uma tentativa clássica de golpe frustrada pela Suprema Corte em madrugada de altíssima tensão. 

Aos fatos e perguntas prévias. 

O que teria dado errado para que Bolsonaro não concretizasse seu tão sonhado golpe? O que efetivamente aconteceu para que os planos golpistas fossem frustrados? Seria apenas um erro de cálculo de Bolsonaro? Seria o fato de o Brasil ter “instituições fortes”?

É consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe. É em função desta fatalidade que jornais e partidos enunciaram o “fim” de Bolsonaro – a tentativa fracassada, no entanto, não freou nem freará o ex-capitão.

Esse problema é de Arthur Lira.

Para entender o que de fato ocorreu, a rigor, é preciso olhar para a noite de 6 de setembro. O que se sabe até aqui permite ligar alguns pontos. 

Desde o início da semana, os hotéis de Brasília foram sendo tomados – especialmente os mais baratos. Isso indicou o deslocamento antecipado de número razoável de pessoas com alguma capacidade financeira – ou contempladas com algum financiamento.

No dia 6, quase todos os hotéis mais baratos de Brasília estavam lotados. Esse movimento não passou despercebido pelo STF e por todo o aparato de inteligência por ele montado – já que PF e a ABIN foram sequestradas por Bolsonaro.

A partir das 12h do dia 6, a PM do Distrito Federal iniciou os planos de isolamento da região central da cidade (a Esplanada dos Ministérios) como parte do plano de segurança que é imposto compulsoriamente em dia de manifestações.

Nota: Brasília, sabemos, é uma cidade planejada. E da forma como foi planejada, o ‘fechamento’ à entrada do povo nas fachadas de poder é das tarefas mais fáceis e elementares (apesar de ser planejada por um comunista, essa é uma característica urbana de Brasília propícia a ditadores – basta que a PM coloque barreiras para que o povo seja excluído do protagonismo social).

Por volta das 18h, numa ação claramente planejada em moldes militares, bolsonaristas resolveram “testar a água”. Um grupo de cerca de 600 pessoas passou a retirar as barreiras e abrir espaço para que os grandes caminhões, que já estavam na cidade, rompessem o bloqueio.

Esse “destacamento avançado”, com missão de reconhecimento, foi abrindo espaço sem a resistência da PM do Distrito Federal – uma das polícias mais bolsonaristas do país.

Do lado ‘de cima’, o governador do DF, Ibaneis Rocha Junior (MDB) – bolsonarista e supostamente envolvido com as ilegalidades do Ministério da Saúde juntamente com a Precisa e Ricardo Barros – convenientemente não estava presente no DF. 

Ou seja: estava tudo armado para uma “pequena” indisciplina da PM de Brasília, pretexto para que se incendiasse o país inteiro. Tudo passaria como uma azarada “falta de ordenamento” em função da ausência do governador. 

Brasília, pela manhã, daria o tom do golpe.

Caso as mobilizações prometidas em número chegassem a Brasília, Bolsonaro faria da Paulista apenas seu palco de completo sucesso. O presidente contava com pelo menos um milhão de pessoas em Brasília e, com isso, a pressão sobre as outras polícias dos Estados seria insustentável.

Para entender o que deu errado, é preciso voltar novamente à madrugada do dia 6. 

Percebendo a fúria com que os bolsonaristas progrediam destruindo as barreiras na esplanada, seguidos da complacência inicial da PM, vários atores políticos – como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e o jornalista Ricardo Noblat – passaram a ligar incessamente para o governador Ibaneis, e a usar as redes sociais para denunciar o estopim do golpe. 

Essa “grita” inicial chegou ao presidente do Supremo, Luiz Fux, que, com a corte em uníssono, entrou em contato direto com a PM do DF exigindo providências.

A resposta inicial da PM foi protocolar. O STF não é a autoridade imediata a quem a PM seria obrigada a responder. A Constituição, por sua vez, diz que as PM’s estão subordinadas ao Exército. 

Eis o ‘golpe de mestre’ do STF. 

Fux ligou direto para os comandantes militares, ainda durante a madrugada, avisando que caso as PM’s seguissem o comportamento leniente, ele (Fux) chamaria a GLO e convocaria as Forças Armadas para deter os manifestantes. 

O que o STF fez foi adiantar uma tomada de decisão do Exército Brasileiro. As Forças Armadas esperavam primeiro a mobilização popular prometida, para então apoiarem o levante. Estavam naquela madrugada, portanto, aguardando. O STF, contudo, exigiu uma posição imediata do Exército.

Do ponto de vista do STF, a ação era simples. Negasse o exército a ordem de Fux e o golpe estava consumado. Não haveria necessidade da pantomima do 7 de setembro. Por outro lado, ao adiantar a tomada de decisão, o STF elevava exponencialmente o custo desta ação para os militares.

Na prática, tivessem os militares desobedecido Fux e no dia 7 as manifestações “flopassem”, os comandantes militares seriam processados por insubordinação e sairiam culpados de sedição. O preço era alto demais. A exigência da decisão ainda no dia 6 quebrava o plano bolsonarista

No meio desse imbróglio, duas figuras trabalhavam. De um lado, Alexandre de Morais, de posse das informações de inteligência, mapeava o financiamento dos movimentos e bloqueava as contas certas e as chave-pix, asfixiando os financiadores de Bolsonaro.

Muitas “caravanas” de locais perto de Brasília não puderam sair por conta da falta de dinheiro. O resultado foi o número reduzido de apoiadores. 

O outro ator que agia em silêncio era o vice-governador do DF, Paco Britto (Avante) que atuou diretamente com as PM’s. Na falta de Ibaneis, a desculpa das PM’s para a inação não seria mais possível. O comportamento ambíguo do governo do DF (ora apoiando Bolsonaro ora obedecendo ao STF) já tensionava o ambiente. 

Britto, no entanto, compreendeu que recairia sobre ele toda a culpa de uma malfadada sedição que ocorresse nas PM’s de Brasília. Novamente, o STF aumentava o custo da tomada de decisão e o vice precisou garantir as PM’s “na linha”.

Com a recomposição das linhas hierárquicas do Exército – a partir da cobrança do STF na madrugada do dia 6 – e com a lealdade das PM’s (ainda que a contragosto) garantidas, a margem de sucesso do golpe de Bolsonaro ficou pequena.

No final do dia 6, percebendo os planos naufragarem, os filhos do presidente foram até os manifestantes que faziam a “frente” para o movimento na tentativa de insuflar o apoio necessário para a sedição no dia seguinte e também impactar a PM

Não funcionou. Tirando os apoiadores mais exaltados, o restante dos apoiadores de Bolsonaro – aqueles que chamamos de “atores racionais” – fizeram um cálculo de custo/benefício de suas ações. 

A tensa madrugada do dia 06 de setembro, que virou com fogos de artifício o tempo todo, determinou o fracasso do golpe do dia 7. O STF subiu o custo das ações políticas dos outros agentes e diminuiu o acesso destes agentes às informações que precisavam para a tomada de decisão.

As ações não foram coordenadas entre os atores políticos que saíram denunciando a posição claudicante da PM no dia 6 e o STF que colocou “a faca nos peitos” dos comandantes militares, mas, de alguma forma, elas foram complementares.  

O golpe naufragou.

Não podemos, contudo, achar simplesmente que ele não foi dado (que Bolsonaro não cometeu crime porque “o resultado não foi alcançado” como é o argumento dos defensores do governo na CPI). 

Se deixarem Bolsonaro solto, ele tem mais um 7 de setembro para tentar. E mais um ano para planejar – agora, sem os erros cometidos nessa intentada.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

5 Comentários

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  1. Consenso? Classe politica?

    Os protestos convocados por Jair Bolsonaro serviram para mobilizar a classe política para o impeachment.

    É consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe.

    Digam que isso e a opiniao de voces, sem usar conceitos sociologicos equivocados, por favor.

    O que e a classe politica? Os politicos sao representantes de classe eleitos por elas. Tem a bancada da biblia, do boi e da bala, entre outras.

    E quantas opinioes individuais formam um consenso num conjunto aberto?

  2. Esse texto é uma ficção da primeira a última linha. Vejam bem, ninguém dá um golpe sem uma grande articulação prévia. Bolsonaro até pode achar que com gritaria leva qualquer parada. Mas um golpe é coisa grande. Seria preciso uma costura muito bem feita com representantes das PMs, com comandantes militares, com governadores que aderissem, com uma imprensa previamente avisada do plano para dar a versão oficial depois. Isso não se constrói em um ou dois meses. Até Olavo de Carvalho tem um vídeo dizendo isso. É primário escrever um texto dando protagonismo ao Ministro Fux por sustar um Golpe de Estado que teria acontecido não fosse sua ação decidida e friamente calculada. É razo achar que foram Paulo Pimenta e Noblat que fizeram o governo do DF se mexer e que alertaram o STF. Dizer que Alexandre de Moraes agiu encima da hora para cortar o financiamento é outra piada. A verdade é que não havia golpe nenhum preparado. Havia um clima de humores exaltados, muita empolgação entre bolsonaristas, mas nada além disso. Dizer que “Tirando os apoiadores mais exaltados, o restante dos apoiadores de Bolsonaro – aqueles que chamamos de “atores racionais” – fizeram um cálculo de custo/benefício de suas ações. ” é de um primarismo atroz. Por favor! Bolsonaristas capazes de fazer calculo de consequências no meio da empolgação só porque os PMs começaram a fechar as passagens? Bolsonaro não iria dar um golpe no 07 de setembro de 2021. Insistir nisso é não ver que ele, orientado pelos filhos e o núcleo duro de debiloides, que escutam Steve Bannon, quer manter o clima de caos e enfrentamento. Precisa disso para esconder que não tem nada a oferecer em termos de macro política. Ele sabe que tem esses 25% cativos por enquanto. E que estas pessoas comem a mentira pelos olhos, como diria Antonio Vieira. Quem escreve com pressa vira o tinteiro e mancha indelevelmente o texto.

  3. No fim de semana antes do sete de setembro, havia uma fila quilométrica de pessoas brancas de classe média, vários deles com suas famílias, aguardando entrar no forte de Copacabana, na praia de mesmo nome, Rio de Janeiro, RJ.

    Nunca antes pude observar tal aglomeração de pessoas naquele local. Olhando para o interior do forte verifiquei que havia um acesso a conta gotas ao interior do forte.

    É muita coincidência os hotéis lotados de Brasília, principalmente os mais baratos, e esta fila quilométrica de gente de bem na entrada de uma instalação militar, nas vésperas do sete de setembro.

  4. A análise em tela apresenta uma lógica argumentativa consiste com a eventualidade dos fatos… Entretanto, difícil aceitar (“imaginar”) que o Fux tenha tido tal protagonismo, visto que o mesmo tem um histórico de dubiedade na condição de ministro da Corte mais alta. Ademais, se se compara, ex-post, o “conteúdo” da análise Conde/Horta com o discurso bacharelesco do Fux no dia seguinte, pode-se concluir, que ele não teve o tal protagonismo na noite de 6 de setembro. Se de fato tivesse tido o tal protagonismo em “evitar o golpe”, o discurso do diante seguinte deveria ser um “comunicado à Nação”, uma falta mais incisiva e triunfante, e não afirmações protocolares do tipo: “ninguém fechará o STF”, ou então, “descumprir decisões judiciais implica em crime de responsabilidade de agentes públicos. Uma certeza eu tenho, excerto o Lewandowski, nenhum outro ministro tem a altivez na defesa do Estado de Direito e apego aos marcos constitucionais oriundos da Constituição de 1988, de tão remendada e descaracterizada… que não se pode mais falar em “Constituição cidadã”, como ficou epigrafada pelos arroubos retóricos do Ulysses Guimarães

  5. A análise em tela apresenta uma lógica argumentativa consiste com a eventualidade dos fatos… Entretanto, difícil aceitar (“imaginar”) que o Fux tenha tido tal protagonismo, visto que o mesmo tem um histórico de dubiedade na condição de ministro da Corte mais alta. Ademais, se se compara, ex-post, o “conteúdo” da análise Conde/Horta com o discurso bacharelesco do Fux no dia seguinte, pode-se concluir, que ele não teve o tal protagonismo na noite de 6 de setembro. Se de fato tivesse tido o tal protagonismo em “evitar o golpe”, o discurso do diante seguinte deveria ser um “comunicado à Nação”, uma falta mais incisiva e triunfante, e não afirmações protocolares do tipo: “ninguém fechará o STF”, ou então, “descumprir decisões judiciais implica em crime de responsabilidade de agentes públicos. Uma certeza eu tenho, excerto o Lewandowski, nenhum outro ministro tem a altivez na defesa do Estado de Direito e apego aos marcos constitucionais oriundos da Constituição de 1988, de tão remendada e descaracterizada… que não se pode mais falar em “Constituição cidadã”, como ficou epigrafada pelos arroubos retóricos do Ulysses Guimarães

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