Vazamento de manipulação do relatório de armas químicas na Síria abala a credibilidade da OPAQ, por Ruben Rosenthal

Ian Henderson deve ser celebrado como um herói dos novos tempos, juntando-se a Assange, Chelsea Mannings e Snowden

Centro de pesquisas sírio atacado pela OTAN, em 2019. Foto: Reuters

do Chacoalhando

Vazamento de manipulação do relatório de armas químicas na Síria abala a credibilidade da OPAQ

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O relatório final da OPAQ, a Organização para Proibição de Armas Químicas, foi manipulado para criar indícios do envolvimento do governo de Bashar al Assad no uso de armas químicas na cidade de Douma, em 7 de abril de 2018. A manobra foi exposta com o vazamento recente de um relatório interno elaborado pelo grupo técnico de engenheiros, que concluiu que os dois cilindros encontrados em locais bombardeados por tropas do governo Sírio, foram provavelmente colocados manualmente nestes locais, e não atirados de helicópteros, como induziu o relatório oficial. A revelação da completa omissão do parecer técnico do grupo de engenheiros, pode comprometer irremediavelmente a credibilidade da OPAQ. A grande mídia mantém completo silêncio sobre o assunto. 

Há cerca de um ano imagens que pareciam vir de um filme de terror foram amplamente mostradas nos telejornais. Conforme as tropas sírias fechavam o cerco à cidade de Douma, leste de Damasco, cenas de civis espumando pela boca e aparentemente sufocando até a morte pela suposta inalação de um gás letal, adentraram os lares em todo o mundo. Mesmo antes de qualquer confirmação de responsabilidade do governo sírio, mísseis cruise dos Estados Unidos, com apoio do Reino Unido e da França, foram lançados contra a Síria.

Uma missão de investigação da OPAQ foi enviada a Douma em 21 de abril. O relatório provisório, publicado em 6 de julho, indicou que não haviam sido detectados sinais do uso de agentes organofosfóricos (gás sarin). Relata, no entanto, que foram observados, “além dos resíduos de explosivos, a presença de vários compostos químicos clorados nos dois locais”. Após nove meses, em 1 de março de 2019, foi emitido o relatório final.

O documento relata que foram consideradas declarações de testemunhas e análises biomédicas de amostras. Acrescenta ainda que especialistas em engenharia mecânica, balística e metalurgia, fazendo uso de técnicas especializadas de modelagem computacional, concluíram que os danos observados no prédio e nos cilindros eram compatíveis com a proposição de que os cilindros contendo o agente tóxico atravessaram o concreto do terraço, para, então, por impacto, atingir o piso dos prédios. Ficou implícito que, para causar tais danos, os cilindros precisariam ter sido arremessados de uma aeronave. A conclusão incluiu que “existe fundamento razoável de que foi usado um agente químico tóxico como arma, e que este agente continha cloro reativo, tratando-se provavelmente cloro molecular”. O relatório ressaltou que não foi possível se determinar a responsabilidade pelo uso do cloro como arma química.

O relatório de mais de 100 páginas, acrescido de uma versão simplificada para a imprensa, foi suficiente para se difundirem acusações na mídia de que havia evidências do envolvimento do governo sírio no uso de armas químicas, ao jogar cilindros contendo cloro de helicópteros. A Rússia, aliada de Bashar al Assad na luta contra a oposição armada e os Jihadistas, foi também vilanizada na mídia ocidental. No entanto, uma surpreendente reviravolta no caso surgiu nos últimos dias, com a divulgação do documento “Avaliação de Engenharia dos dois cilindros observados no incidente em Douma-Sumário Executivo”, com a chancela “Não Classificado- Sensível OPAQ – Não Circule” .

O relatório é assinado por Ian Henderson, provável chefe do sub-grupo de engenheiros da missão de investigação da OPAQ. O responsável pelo vazamento é ainda desconhecido. Este vazamento foi divulgado separadamente por Peter Hitchens, no Mail on Sunday, e Robert Fisk, no Independent, e repercutido no blogue de Craig Murray, que acrescentou ainda comentários sobre possíveis precedentes de desvio de conduta pela OPAQ. O atual artigo foi escrito com base nos textos publicados por estes três autores. A conclusão que se pode tirar da leitura do relatório vazado é de que a OPAQ teria deliberadamente omitido do relatório final, o relatório elaborado por um grupo técnico de engenheiros da própria entidade, em que era contestada, por sua improbabilidade técnica, a teoria de que cilindros contendo gás cloro teriam sido atirados de helicópteros. Este era o principal fundamento em que se apoiava a acusação ao governo sírio de ter feito uso de armas químicas no incidente.

No relatório assinado por Henderson, consta que o sub-grupo de engenheiros chegara a conclusão de que “as dimensões, características, a aparência e o estado dos cilindros e do cenário no local  dos (dois) incidentes são inconsistentes com o que se esperaria no caso do cilindro ter sido atirado de uma aeronave”. O relatório do sub-grupo de engenheiros não se trata, no entanto, de uma posição majoritária na OPAQ, mas, por ser  completamente omitida a existência de uma opinião técnica divergente, questionamentos sobre a lisura do comportamento e da própria integridade da Organização são inevitáveis.

Robert Fisk relata que chegou em Douma poucos dias após o ataque. Ele menciona que, na ocasião, não descartara de início a possibilidade de gás ter sido usado, mas testemunhas oculares e o próprio chefe do hospital declararam a ele que não sabiam nada sobre o uso de gás. Um médico insistiu que os pacientes estavam sofrendo de hipoxia, pela inalação de poeira e detritos causados pelos bombardeios. E que pânico fora gerado entre as vítimas quando um dos White Helmets (Capacetes Brancos) gritou que havia gás (tóxico) no ambiente. Trata-se de uma organização conhecida oficialmente como Defesa Civil da Síria, que opera em partes do país controladas por rebeldes, com financiamento vindo de governos do Ocidente, principalmente do Reino Unido. Sua vinculação com Jihadistas não se coaduna, no entanto, com a tentativa de se legitimar como uma organização de direitos humanos.

Ainda sobre a questão dos cilindros que supostamente conteriam o gás cloro que vitimou a população civil, como a divulgação de um filme mostrando os cilindros, já nas posições onde foram posteriormente encontrados, havia sido anterior à entrada de sírios e russos em Douma,  fica fortalecida a teoria de que opositores de Assad possam ter sido os responsáveis pela colocação dos mesmos naqueles locais, como parte de um engodo para culpar o governo sírio, argumenta Robert Fisk.

Questionada por Hitchens, a OPAQ foi evasiva sobre o conteúdo do relatório vazado, afirmando seguir metodologias e práticas estabelecidas, para garantir a integridade dos resultados expressos no relatório final assinado por seu Diretor Geral.  Indiretamente, a Organização reconheceu, na nota de resposta, que Henderson faz parte de sua equipe, ao se negar “fornecer informações sobre seus membros ou do Secretariado Técnico”. Por fim, declara que está “conduzindo uma investigação interna sobre a divulgação não autorizada do documento em questão”, ou seja, reconhece a autenticidade do relatório assinado por Henderson. Acrescenta ainda que a instituição “não está disponível para prestar mais informações públicas ou conceder entrevistas sobre o tema”.

Robert Fisk salienta que, embora pouco crédito deva ser concedido a ditadores, a atitude da OPAQ forneceu enormes possibilidades de propaganda para o regime de Assad e para os russos. Acrescenta ainda que o canal de notícias RT, antigo Russia Today, está regalando seus expectadores com histórias de como as potências da OTAN controlam politicamente a OPAQ, realmente um lamentável retrocesso na luta contra o uso de as armas químicas no mundo. Novas acusações partiram de Trump, do uso de armas químicas pela Síria em 19 de maio, com ameaças de retaliação pelos Estados Unidos. Fica agora a dúvida sobre a neutralidade e credibilidade da OPAQ para investigar estas novas denúncias.

O nome de Ian Henderson deve ser celebrado como um herói dos novos tempos, juntando-se a Assange, Chelsea Mannings e Edward Snowden, dentre outros, por seu inabalável compromisso com a verdade, ao preparar e manter seu relatório, mesmo que provavelmente estivesse então submetido à imensa pressão de seus superiores. Caso não tenha partido dele o vazamento, que este outro herói consiga permanecer oculto. Mas todos eles estão cientes de que pode haver um preço a pagar pela integridade moral. E vários deles já estão pagando.

Redação

5 Comentários

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  1. Alguem tem dúvida que este é o artificio defaut dos EUA para justificar as atrocidades que praticam?
    Todo mundo que não está alinhado com eles — de quatro na realidade — usa gás, bomba, mata, prende, tortura, etc. Já os paises submissos podem esquartejar opositores em suas embaixadas, podem tomar territorios, matar civis, etc, que tudo bem.
    Canalhas!!

  2. Nisto se transformou nossa sociedade: um clube de cafajestes. A própria OPAQ, ao invés de se retratar e/ou explicar minuciosamente este escândalo (ou ao menos tentar) se limita a condenar o vazamento em si. Deplorável!!!

  3. Com base nas análises de geopolítica internacional. elaboradas pelo experiente jornalista Pepe Escobar, o que se depreende é que todas essas organizações supostamente multilaterais, como ONU, OEA, OTAN, OPAQ e quejandos não passam de instrumentos controlados pelo DEEP STATE que, segundo referido jornalista, é uma conjunção de poderes supranacionais composto por representantes do Complexo Industrial Bélico norte americano com o chamado Lobby Sionista Judaico de Wall Street que, por sua vez, controla o Trump e qualquer um que se sente naquela cadeira em que ele está hoje. Esse Deep State estaria temporariamente sediado naquele território que foi um dia pertencente a uma grande nação que se chamava Estados Unidos da América, no século XX, que não existe mais. O que agrava a situação de risco que o planeta Terra (que não é plano) enfrenta hoje é que, segundo as preferências do Deep State, quem deveria estar no lugar onde está Trump seria a Hillary Clinton, a Senhora da Guerra. Ou seja, o Cabaret está pegando fogo até na sede provisória do poder do DEEP STATE.

  4. Criaram essa guerra e destruíram um país em nome de uma mentirosa “primavera árabe” e quando viram que a destruição não era completa vieram com o mesmo argumento que justificou a invasão do Iraque, as armas químicas. Os EUA e seus aliados europeus têm na conta com a humanidade mais um genocídio, um dia irão pagar.

  5. E tem gente que acredita nas mentiras venezuelanas e que nossa crise aconteceu por causa da corrupção na Petrobrás, que por sinal gerou a venda da EMBRAER, e o fim do projeto nuclear brasileiro e a entrega de Alcantara.

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