Vigilância global: hegemonia ou decadência?

Sempre aproveito os feriados de fim de ano para colocar em dia a leitura. Hoje topei com o seguinte texto publicado na revista Carta Escola:

“A montagem do sistema de vigilância global coincide com a construção da hegemonia norte-americana a partir da segunda metade do século XX. Até os anos 1940, a política de isolamento diante das potências europeias, bem como as intervenções restritas às Américas do Norte e Central, não levou ao desenvolvimento de um aparato de espionagem externo pelos EUA. Além do Ministério da Defesa, a principal agência de inteligência era o FBI, que se voltava para assuntos internos, como a vigilância de grupos fascistas, socialistas e anarquistas. A  Segunda Guerra Mundial levou à criação de uma agência em 1941, a OSS, dissolvida após o conflito.” http://www.cartanaescola.com.br/single/show/266

Do ponto de vista histórico, o texto é aparentemente correto. De fato seu autor reproduziu um idéia bastante difundida: a de que a hegemonia dos EUA é uma consequencia do país ter vencido a  II Guerra Mundial e ampliado seu poderio econômico e militar no pós-guerra. O problema surge quando nos debruçamos sobre o vocábulo hegemonia a procura de uma definição adequada.

A hegemonia não pode derivar do uso da força bruta como sugeriu Leandro Almeida. Desta a única coisa que deriva é o império, vocábulo que evoca a conquista, ampliação e preservação do poder de mandar e de coagir os subalternos a obedecer. Onde há império não pode haver hegemonia, pois esta pressupõe o respeito voluntário ao líder ao invez do temor de não obedecê-lo e sofrer consequencias trágicas. 

A verdadeira hegemonia , portanto, somente pode decorrer da autoridade. Afinal, é o exercício da autoridade  que depende do reconhecimento voluntário da predominância entre os pares em razão da legitimidade que deriva da virtude (sobre o assunto sugiro aos interessados o estudo de Hannah Arendt, ENTRE O PASSADO E O FUTURO). O uso da força bruta ou a onipresença da vigilância são duas coisas incompatíveis com a hegemonia.

Ambas (força bruta e vigilância paranóica) são formas de coerção e, portanto, de negação da existência ou da possibilidade de criação de um espaço em que a Política possa ser fruto do consenso que produzirá a autoridade e o respeito desprovido de temor. Portanto, a montagem do sistema global de vigilância norte-americano não é um indício da hegemonia  dos EUA.

No límite, a emergência do Grande Irmão Virtual Global   – da NSA – pode ser interpretado como uma demonstração da ambição dos EUA de preservar ou ampliar seu império.  Também pode ser considerada uma prova da decadência moral, política e ética daquele país, que se torna cada vez mais parecido com os inimigos que derrotou na II Guerra Mundial. Nunca é demais lembrar que  – a exemplo dos EUA na atualidade – o Japão Imperial e a Alemanha Nazista também usaram a força bruta para impor sua vontade a povos considerados inferiores com absoluto desprezo às sutilezas da autoridade e da hegemonia.

 

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. Raul Seixas já previa

    Tá rebocado meu compadre
    Como os donos do mundo piraram
    Eles já são carrascos e vítimas
    Do próprio mecanismo que criaram
    (…)

    A civilização se tornou complicada
    Que ficou tão frágil como um computador
    Que se uma criança descobrir
    O calcanhar de Aquiles
    Com um só palito pára o motor

    (…)

  2. vitalidade do império

    A vigilância global tem se mostrado muito mais um indicador de vitalidade do que decadência do império americano.

    O Brasil foi submetido a este modelo na decada de 90 (anos fhc), e prostrou-se de forma absolutamente inconsciente e submissa. Os anos do governo Lula nos redimiram de uma maior submissão economica. A vigilância eletronica tende a levar o mundo a blocos de divisão da informação .e o Brasil está atrasado pelo menos uns 5 anos no amadurecimento deste debate com a sociedade.

    Hoje o google e a microsoft dão o tom do contexto de da versão da história(pelo menos no mundo ocidental). Esta será a guerra para os próximos anos. A guerra pela versão e contextualização da história.

    Os serviços jurassicos em telecomunicações e totalmente internacionalizados, brasileiros, são um legado de fhc que precisamos enfrentar.

  3. Só o fato de estarmos

    Só o fato de estarmos discutindo esta questão aponta para uma já saturada sociedade dos estadunidenses, porem acho que permanece uma hegemonia, a hegenonia deles sobre o mundo não é politica mas sim economica. E deste ponto de vista eles teem sim uma hegemonia mundial. A tecnologia somada a sociedade de consumo criou no mundo uma forma hegemonica de sociedade e de seres humanos. Mesmo os que não concordam com o imperio estadunidense sonham em ter seu poder, seu desenvolvimento economico e tecnológico, perpetuam sua ideologia.

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