A iniciativa ‘Um Cinturão, Uma Rota’ explicada

A área da alfandega de Qingdao, na costa leste da China, faz parte da iniciativa Um Cinturão, Uma Rota. Zhang Jingang | China Daily

Do Global Times

A iniciativa ‘Um Cinturão, Uma Rota’ explicada

Tradução de Rogério Mattos

A China está trabalhando para reviver as antigas rotas comerciais da Rota da Seda da Ásia até a Europa com o seu megaprojeto transnacional chamado iniciativa Um Cinturão, Uma Rota.

Com a respeitável quantia de 900 bilhões de dólares em investimentos planejados para construir ferrovias, portos e demais infraestruturas em 65 países ao longo da rota, a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota é historicamente a maior estratégia de investimento estrangeiro feito por um único país na história mundial.

O novo plano da Rota da Seda, em Pequim, ganhou maior atenção à medida que a oposição ao livre comércio e às fronteiras abertas aumentou nos países ocidentais, em meio ao voto pelo Brexit e à eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.

A China respondeu a isso defendendo os benefícios da globalização e do multilaterialismo e pela promoção de suas próprias iniciativas econômicas, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o acordo de livre comércio RCEP em toda a Ásia e – acima de tudo – a inciativa Um Cinturão, Uma Rota.

Veja aqui o que é a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota e como ela pode mudar o mapa econômico e político do mundo.

 

Por que um “Cinturão”, uma “Rota”?

A iniciativa Um Cinturão, Uma Rota é uma política com a marca do presidente chinês Xi Jinping. A ideia básica por detrás dela é impulsionar o comércio e a integração econômica entre os países que compõem a iniciativa através de investimentos em estradas, oleodutos, redes de comunicação e outras infraestruturas que promovam a conectividade.

Em setembro de 2013, Xi fez uma de suas primeiras visitas oficiais como presidente ao Afeganistão, onde ele propôs que a China e os países da Ásia Central poderiam trabalhar em conjunto para construir o Cinturão Econômico da Rota da Seda.

Um mês antes, Xi disse em um discurso na Indonésia que a China iria estreitar a cooperação com as nações do sudeste asiático para a construção da Rota da Seda Marítima do século XXI.

Duas propostas foram debatidas no plano de ação de 2015 do Conselho de Estado chinês, num grande conceito chamado iniciativa Um Cinturão, Uma Rota.

Fonte: Xinhua

Os dois alicerces da nova Rota da Seda, contudo, não são rotas isoladas mas, ao contrário, consistem numa rede de ligações conectando diferentes partes da China ao mundo.

O “Cinturão” almeja ligar a parte ocidental da China, através de seis corredores econômicos, com a Ásia Central, Rússia, Europa, o Mediterrâneo  e o Golfo Pérsico, e o sudeste asiático com o sul e o oceano Índico.

Enquanto isso, a “Rota” – de uma maneira um pouco confusa – é uma rota marítima traçada para ligar as partes costeiras da China com a Europa e a África através do Mar do Sul chinês e o oceano Índico, em uma rota, e através do sul do Pacífico em outra rota.

Ao todo, a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota cobre 65 países, 4,4 bilhões de pessoas e cerca de um terço do PIB global.

Investimentos massivos em infraestrutura

Embora os chineses não estejam interessados na comparação, o fato de que a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota muitas vezes maior que o Plano Marshall dos americanos para reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra Mundial, isso ajuda a colocar sua escala em perspectiva.

A quantia considerável de quase 3 trilhões de dólares em investimentos estão planejados para centenas de projetos, desde ferrovias através da Tailândia e Laos, e infraestrutura aérea, marítima e terrestre no Quênia, e satélites em órbita baixa da Terra.

Alguns grandes projetos já estão em andamento, inclusive as ferrovias e os trens de alta velocidade ligando a cidade chinesa de Xinjiang ao porto Gwadar no Paquistão, o “porto seco” de Khorgos na fronteira da China com o Cazaquistão que leva as cargas de transporte ferroviário para a Europa, e a ligação com trens de alta velocidade que visam conectar o porto chinês na Grécia, no Pireus, até a Europa central e do leste.

Gasodutos que ligam a Ásia Central a Xinjiang, no oeste da China.

A maior parte do dinheiro virá da política de crédito dos bancos chineses, como o Banco de Desenvolvimento Chinês e o Eximbank da China, assim como dos 40 bilhões de dólares do fundo da Rota da Seda, estabelecido em 2015. Os 100 bilhões de dólares do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, sediado em Pequim, também está sendo investido em países ao redor da iniciativa Um Cinturão, Uma Rota.

O investimento chinês nesses países chegou a 14,53 bilhões de dólares em 2016, contabilizando 8,5% do total de investimentos que saíram do país.

Benefícios

A china naturalmente irá se beneficiar com a nova Rota da Seda já que ela irá ligar uma das nações mais ricas em comércio do mundo com a Europa, seu maior mercado exportador, e a África, potencialmente o futuro continente  do crescimento econômico.

Por enquanto, os investimentos ao longo do caminho criam novos mercados para as exportações chinesas e ajuda as companhias chinesas, tais como as empresas de construção, ferrovias e telecomunicação, a se expandirem para o exterior quando o crescimento econômico e os investimentos pesados diminuem em seu país natal.

A iniciativa Um Cinturão, Uma Rota também planeja ajudar as regiões menos desenvolvidas da área ocidental da China, que foram menos beneficiados com o rápido crescimento do país do que suas províncias costeiras a oriente.

Como a maior parte do dinheiro vem da China, a iniciativa também irá ajudar na internacionalização da moeda chinesa e impulsionar a influência do país no estrangeiro.

Mas enquanto a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota é claramente motivada por necessidades domésticas, Pequim insiste que a iniciativa está aberta a qualquer um e oferece vantagens para cada país envolvido.

Os recursos financeiros da China e sua expertise na construção de infraestrutura pode ainda beneficiar pessoas nos países subdesenvolvidos através da Eurásia, e  investimentos coordenados em ferrovias, portos e usinas de energia podem ser o impulso para o aumento das trocas comerciais entre os países.

De acordo com a última estimativa do Banco de Desenvolvimento Asiático, 45 países no Pacífico asiático devem precisar dobrar seus gastos em infraestrutura para 1,7 trilhões de dólares por ano para manter o atual momento de crescimento.

Alguns especialistas chineses dizem ainda que com o seu foco em infraestrutura, a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota promove uma versão mais inclusiva e sustentável da globalização comparada com aquela liderada pelos países ocidentais.

Riscos

O ambicioso plano também enfrenta grandes desafios. Primeiro, não existem garantias de que o milagre econômico liderado pelos investimentos chineses durante as últimas décadas pode ser replicado em países com condições culturais e econômicas muito diferentes.

A segurança é uma das maiores preocupações em países como o Afeganistão e o Paquistão e o envolvimento crescente da China pode mexer com a oposição local, como aconteceu no Sri Lanka ainda esse ano com o investimento chinês no porto estratégico de Hambantota.

O primeiro trem direto que conecta a China e o Irã parte da cidade de Yiwu, na província de Zhejiang, em 28 de janeiro de 2016. Fonte: Ge Yuejin, China Daily

A China precisa prestar atenção nas regras e condições locais para evitar percalços como a investigação da União Europeia iniciado com o projeto de ferrovia Belgrado-Budapeste, uma amostra do projeto Um Cinturão, Uma Rota na Europa.

A motivação política da iniciativa Um Cinturão, Uma Rota pode também ir contra a lógica comercial e a as reais necessidades de infraestrutura nos diferentes países, levando a maus investimentos e perdas financeiras. Existe também o risco de que alguns países possam não estar aptos a honrar suas dívidas com os credores chineses, o que pode piorar o crescente problema de dívida da China.

A visão chinesa para desenvolver a conectividade da infraestrutura na Eurásia pode também colidir com aquels da Índia, Japão e Rússia.

De um projeto chinês para um projeto internacional?

Com a sua iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, a China propôs uma visão ambiciosa para o desenvolvimento de longo termo do mundo.

Domesticamente o plano estimulou muitas ações e, no estrangeiro, Pequim assinou dezenas de tratados de cooperação bilateral com outros países e organizações internacionais.

Ainda assim permanece o desafio de convencer outros países de que vale apena embarcar na iniciativa Um Cinturão, Uma Rota e que a nova Rota da Seda é verdadeiramente um projeto internacional e não só uma tentativa atar outros países numa rede de produção centrada na China.

Com o fórum da Nova Rota da Seda em Pequim na próxima semana, onde chefes de Estado de 28 países e 50 líderes de organizações internacionais irão se encontrar, a China irá tentar fazer exatamente isso.

(artigo publicado originalmente em 9 de maio de 2017 no periódico chinês Global Times)

Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História (UERJ) e doutorando em Literatura Comparada (UFF). Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos

Redação

4 Comentários

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  1. A geopolítica atual pode ser resumida por uma frase:

    A geopolítica atual pode ser resumida por uma frase:

    Enquanto a China abre rotas os Estados Unidos procura fechá-las.

    Isto é um produto de uma falta de capacidade industrial e política do velho império, contra a exuberância da China.

    Só faltou o projeto dos chineses de ligar a Coréia do Sul, Coréia do Norte, China, e Rússia (Transiberiana).

    1. Maestri, respondi ali em cima

      Maestri, respondi ali em cima sobre a defasagem do artigo. O acordo do Trump com os coreanos tem a parceria da Rússia e China numa ferrovia (também um antigo projeto) para ligar o sul ao norte da Coreia. Esse é o principal projeto.

      Sobre a transiberiana, projeto do século XIX, não faço ideia de como anda. Mas a ideia é exatamente essa, ligar a Europa a Ásia, como quiseram o Sergei Witte, da Rússia, Gabriel Hanotaux, na França, e o Bismarck. A única diferença é que agora existem os trens de levitação magnética…

  2. Artigo defasado demais.
    Artigo defasado demais. Parece que o tradutor só agora se dá conta das novas rotas da seda, suas causas e consequências, e seus desdobramentos geopolíticos. Antes tarde do que nunca.
    Mas o próprio articulista do China Daily já atualizou seus trabalhos sobre o assunto. Estranho que não menciona a península da Coreia, não menciona a Rússia como parceira de primeira ordem, dando a entender que ele, jornalista, embora muito bem informado, tem uma marcante ótica pró milagre chinês.
    Pois bem, se algum leitor se interessar
    de fato pelo assunto Geopolítica contemporânea, e a guerra já declarada entre o ocidente e o oriente, o ocidente pela manutenção de um mundo unipolar baseado na hegemonia do dólar como moeda de câmbio mundial, e o oriente, desenvolvendo um mundo multipolar baseado no comércio entre vizinhos naturais, desde sempre, é sempre muito bom, a mim me parece, ler os artigos do Pepe Escobar, no Ásia Times.

    1. Marcio, o objetivo de

      Marcio, o objetivo de traduzir esse texto foi colocar algo bem simples sobre a Rota da Seda. “Coisas avançadas” podem vir do Pepe Escobar e também de alguns textos que traduzo para a Executive Intelligence Review. O melhor seria pegar o grosso do material em inglês.

      Iria traduzir a princípio esse artigo do Global Times, do dia 30/06. https://gbtimes.com/chinas-belt-and-road-initiative-has-found-a-new-friend-in-the-schiller-institute

      Preferi esse, pelo menos por enquanto, para fins didáticos. É uma discussão ainda muito rudimentar em todo o ocidente.

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