Explorando as cavernas dos casos de Sérgio Moro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Explorando as cavernas dos casos de Sérgio Moro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O trabalho do juiz criminal se esgota quando da prolação da sentença. Não compete a ele julgar o recurso de apelação interposto pelo réu. Um juiz de primeira instância também não pode tentar condicionar a decisão do TRF-4 no caso que ele julgou. Com efeito, a legislação confere aos Desembargadores o direito ao “livre convencimento racional” ao apreciar a matéria devolvida ao conhecimento do Tribunal através do recurso.

Portanto, causa estranhamento a insistência de Sérgio Moro de continuar opinando sobre as sentenças que proferiu na operação Lava Jato. A insistência do juiz em justificar suas decisões me fez lembrar um clássico da literatura jurídica. Antes de fazer algumas considerações farei uma longa transcrição do texto:

“…É sem dúvida, verdade que em Commonwealth v. Parry um ponto de vista expresso incidentalmente, sem força de precedente, justificou esta exceção, presumindo-se que o propósito da legislação penal é a prevenção. Também pode ser verdade que se tenha ensinado a várias gerações de estudantes que a verdadeira explicação da excludente reside na circunstância segundo a qual um homem que atua em legítima defesa não age ‘intencionalmente’, e que os mesmos estudantes tenham sido considerados habilitados ao exercício da advocacia repetindo o que seus professores ensinaram. Naturalmente, pude rejeitar estas últimas observações como irrelevantes pela simples razão que os professores e examinadores não tem delegação de poderes para elaborar nossas leis. Mas, insisto, o problema real é mais profundo. Tanto no que se refere à lei, como no que respeita à exceção, a questão não está no suposto propósito da lei, mas no seu alcance. No que concerne à extensão da legítima defesa, tal como tem sido aplicada por este Tribunal, a situação é clara: ela se aplica aos casos de resistência a uma ameaça agressiva à própria vida de uma pessoa. É, portanto, bastante claro que este caso não se situa no âmbito da exceção, posto que é evidente que Whetmore não fez nenhuma ameaça contra a vida dos réus.

O caráter essencialmente ardiloso da tentativa do meu colega Foster de encobrir sua reformulação da lei escrita com uma aparência de legitimidade mostra-se tragicamente no voto de meu colega Tatting. Neste, o juiz Tatting, debate-se ardorosamente para combinar o vago moralismo de seu colega com o seu próprio sentimento de fidelidade à lei escrita. O resultado desta luta não podia ser outro senão o que ocorreu – um completo fracasso do desempenho da função judicial. É de todo impossível ao juiz aplicar uma lei tal como está redigida e, simultaneamente, refazê-la em consonância com seus desejos pessoais.

Bem sei que a linha de raciocínio que terminei de expor neste voto não será aceitável por aqueles que cogitam tão-somente dos efeitos imediatos de uma decisão e ignoram as implicações que poderão advir no futuro em conseqüência de assumir o judiciário o poder de criar exceção à aplicação da lei. Uma decisão rigorosa nunca é popular. Juízes têm sido exaltados na literatura por seus ardilosos subterfúgios destinados a privar um litigante de seus direitos nos casos em que a opinião pública julgava errado fazê-los prevalecer. Mas eu acredito que a exceção ao cumprimento das leis, levada a efeito pelo Poder Judiciário, faz mais mal a longo prazo do que as decisões rigorosas. As sentenças severas podem até mesmo ter um certo valor moral, fazendo com que o povo sinta a responsabilidade em face da lei, que, em última análise, é sua própria criação, bem como relembrar-lhe que não há nenhum princípio de perdão pessoal que possa mitigar os erros de seus representantes.” (O Caso dos Exploradores de Cavernas, Lon L. Fuller, tradução Plauto Faraco de Azevedo, Sergio Antonio Fabris editor, Rio Grande do Sul, 2008, p. 50/53 – grifos nossos)

No caso específico de Lula, a sentença proferida por Sérgio Moro me parece problemática por causa de três detalhes importantes:

1-    A condenação considerou prova do crime cometido pelo réu as reportagens jornalísticas que acusaram Lula de receber propina. Em virtude dos fatos enunciados nestes documentos particulares elaborados por jornalistas o juiz resolveu desprezar um documento público (a certidão do Cartório de Registro de Imóveis que prova que a construtora sempre foi e ainda é a legítima proprietária do Triplex);

2-    A Lei considera crime receber propina, mas Sérgio Moro condenou Lula não porque ele recebeu propina e sim porque ele foi acusado por jornalistas de ter recebido propina (o que é muito diferente). Portanto, me parece evidente que ao proferir sua sentença o juiz da Lava Jato inventou um novo tipo penal para decretar a prisão do réu;

3-    Em virtude da condenação, todos os bens de Lula adquiridos honestamente foram arrestados pelo juiz. Mas Sérgio Moro tomou o cuidado de não arrestar o Triplex que seria o próprio objeto do crime. Ele fez isso porque o terceiro proprietário poderia facilmente desembaraçar seu imóvel expondo a incoerência da condenação de Lula?

No “Caso dos Exploradores de Cavernas” a tese de legítima defesa não poderia ser acolhida. No de Lula, a condenação não deveria ter sido imposta ao réu que não recebeu a posse e a propriedade do imóvel supostamente entregue como propina. Sérgio Moro cedeu ao clamor publicado (a imprensa desejava a condenação de Lula) e ao fazer isto ele ampliou o alcance da Lei para permitir a condenação de Lula porque ele foi jornalisticamente acusado de receber propina.

Nos dois casos é evidente o fracasso da atividade judicial. Quando o juiz refaz o texto da Lei Penal segundo seus próprios desejos pessoais a atividade judiciária entra em colapso. Isto talvez explique a insistência de Sérgio Moro em continuar justificando suas decisões através dos jornais apesar de ter exaurido sua atividade funcional ao proferir a sentença condenatória.

O processo de Lula já saiu da esfera de atuação de Sérgio Moro. Agora o réu deve ser julgado pelo TRF-4. Como advogado e cidadão, espero os desembargadores daquela Corte não se deixem envolver pelo clima persecutório criado pela imprensa e alimentado pelo juiz da Lava Jato sempre que ele dá uma entrevista aos jornais, revistas e redes de TV.

O rigor jurídico deve ser preservado. Uma matéria jornalística não tem e não deve ter mais valor jurídico do que a certidão expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis. O crime de receber vantagens pessoais ilícitas não pode ser automaticamente atribuído a Lula só porque ele foi acusado de receber propina por jornalistas.

Ademais, como disse jurista e professor da Harvard Law School  citado “Uma decisão rigorosa nunca é popular. Juízes têm sido exaltados na literatura por seus ardilosos subterfúgios destinados a privar um litigante de seus direitos nos casos em que a opinião pública julgava errado fazê-los prevalecer. Mas eu acredito que a exceção ao cumprimento das leis, levada a efeito pelo Poder Judiciário, faz mais mal a longo prazo do que as decisões rigorosas.” (O Caso dos Exploradores de Cavernas, Lon L. Fuller, tradução Plauto Faraco de Azevedo, Sergio Antonio Fabris editor, Rio Grande do Sul, 2008, p. 52).

A imprensa é livre e deve continuar sendo livre. Mas a atividade judiciária deve continuar sendo limitada pela letra da Lei, especialmente quando o que está em questão é a liberdade do cidadão. Os juízes criminais não podem se submeter às condenações proferidas pelos jornalistas. Eles não são e não devem ser servos das empresas de comunicação.

Se os desembargadores do TRF-4 se limitarem a homologar as condenações jornalísticas impostas à Lula eles mesmos correrão o risco de se tornar irrelevantes. Afinal, ninguém precisaria de juízes se as decisões tomadas pelos editores dos jornais, revistas e telejornais tivessem força de coisa julgada inquestionável e imutável. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

7 Comentários

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  1. Não

    Consta do post acima:

    não compete, não pode, não age, não tem, não está, não se situa, não fez, não podia, não será, não  há , não porque, não arrestar, não poderia, não deveria, não recebeu, não se deixem, não tem, não deve, não pode, não podem, não são, não devem.

     

    1. Sim. O que consta do

      Sim. O que consta do seu comentário prova apenas que você é um idiota. Incapaz de contestar o conteúdo do texto, você se limitou a contar palavras. 

      1. Desconfiômetro

        Deduções e confirmações de um estilo jornalístico não muito apurado que até os idiotas percebem. V.Sa. não usa o  tal Ctrl+F ?

        1. Comentários idiotas de quem é

          Comentários idiotas de quem é incapaz de atacar o conteúdo do texto. Coisa de trollador cretino e ignorante.

  2. vinculação de processos sobre a propriedade
    Não seria possível, no que trata de propriedade de imóveis, resolver o caso do sítio, anulando-o, já que está claro , como o triplex, que este não pertence a Lula, pois, além de ter registro dos Bumlai, não consta entre os bens bloqueados?

  3. Muito bom o artigo do Fabio.

    Muito bom o artigo do Fabio. Infelizmente o judiciario brasileiro esta todo contaminado do que diz Fuller nos trechos citados. Quanto a Sergio Moro em particular esta claro para todos nos que ele não condenou Lula por que se sentiu pressionado pela imprensa. Ao contrario, ele manipulou a imprensa para que ela o ajudesse a justificar os meios que o levaram ao seu fim.

  4. leis? às favas com as leis…

    leis limitam a liberdade de formar a convicção com base em qualquer coisa. Vale tudo

    agora saca só o principal papel da imprensa no caso : repetir, repetir e repetir que Lula é culpado

    motivo mais provável : há juízes que decidem com base na estatística inferencial, extrapolação de qualque coisa

    pior, só mais tarde é que se lembram que esta liberdade está condicionada à explicação da razão pela qual fez uso das estatísticas, mas geralmente não conseguem e, por isso, repetem, repetem e repetem

    muito bom o artigo, parabéns, muito bem colocado e em boa hora

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