O abismo simbólico dos orfãos gringos da Lava Jato


Num texto primoroso publicado no GGN, Fernando Horta faz uma reflexão sobre a morte da Lava Jato. O diagnóstico dele é preciso. A conclusão não deixa de ser surpreendente:

“…uma parte significativa de pessoas no país, Lula foi deslocado da posição de liderança benevolente e capaz e no lugar foi colocado esta coisa abstrata chamada “Lava a Jato”. A destruição no campo do simbólico desta nova entidade que ocupava os locais de modelo de atuação, de valores sócio-políticos e de janela para o futuro deixará um numeroso grupo de pessoas órfãs.”

“A Lava a Jato destruiu uma parte do Brasil para poder existir e vai destruir outra parte ainda maior quando for desmascarada.”

https://jornalggn.com.br/artigos/o-simbolico-e-o-abismo-ou-porque-devemos-temer-a-destruicao-da-lava-a-jato/

No campo jurídico é que esse estrago será devastador.

Todos aqueles juristas, especialistas, juízes, procuradores, advogados e professores de Direito que teceram loas à Lava Jato estavam errados. Aqueles que não foram enganados agiram de má-fé. A credibilidade deles foi destruída. O objetivo principal do show jurídico-midiático não era combater a corrupção e sim corromper os princípios constitucionais do Direito Penal para que algumas autoridades pudessem obter lucro pessoal. Uns queriam ganhar cargos, outros desejavam embolsar milhões fazendo palestras sobre as nulidades processuais a que deram causa.

O jurista Lênio Streck criticou epistemologicamente a operação porque os heróis lavajateiros não faziam uma distinção entre Direito e o que eles imaginavam ser o Direito. Todavia, para ambos o Direito era apenas uma alavanca político-financeira. Se a Lava Jato pudesse voltar a ser pensada como um fenômeno jurídico Streck teria usado o argumento correto. O problema é que ele estava errado desde o início. A tigrada da República de Curitiba queria apenas vestir Prada e aterrizar em Brasília. A operação era apenas um instrumento jurídico para que os procuradores, juízes e delegados pudessem amealhar bens e escalar o edifício do Estado.

É nóis na fita, maluco.
Tá tudo dominado, mano.
Essa boca é nossa porra!

O Direito Achado na Boca de Fumo https://jornalggn.com.br/artigos/uma-operacao-midiatica-politica-e-lucrativa-por-fabio-de-oliveira-ribeiro/ aplicado pela Lava Jato não precisa de refinamentos epistemológicos, nem se preocupa muito com a imaginação jurídica. A função dele é satisfazer os caprichos do dono da boca.

Nesse ponto, surge uma dúvida. Deltan Dellagnol e Sérgio Moro foram educados nos EUA e contornaram o Itamaraty para celebrar um acordo com os gringos (não sabemos exatamente quem são esses gringos). Sempre que as coisas apertam no Brasil eles viajam para os EUA.

O The Intercept está provando que os heróis lavajateiros se comportavam como se fossem os donos da boca de fumo. Mas na realidade eles eram apenas traficantes de conceitos jurídicos. Os tais gringos é que comandavam o show dentro e fora do Brasil.

A Justiça brasileira pode até responsabilizar Moro e Deltan pelos abusos que eles cometeram. Como faremos para responsabilizar os tais gringos se os heróis lavajateiros delatarem os “manos” a quem eles prestavam contas nos EUA?

Autoconfiantes em razão de suas vitórias militares e do seu vasto e sofisticado arsenal militar, os gringos inventaram a tese de que a Lei dos EUA opera efeitos extraterritoriais para disciplinar conflitos envolvendo interesses norte-americanos dentro dos outros países. Essa tese sempre foi combatida pelo Itamaraty, mas Sérgio Moro a referendou no exato momento em que aplicou uma Lei norte-americana para conservar o comando absoluto da operação Lava Jato https://jornalggn.com.br/direitos/hannah-arendt-e-uma-escolha-fundamental-e-dolorosa/.

A Justiça brasileira tem competência para responsabilizar os heróis lavajateiros pelos abusos que eles cometeram. Como faremos para responsabilizar os tais gringos se um deles os ambos delatarem os “manos” a quem eles prestavam contas nos EUA? Nós invocaremos o princípio da reciprocidade para fazer a Lei brasileira operar efeitos extraterritoriais dentro dos EUA?

O Direito deveria ser um instrumento de pacificação da sociedade, não um casus belli. Entretanto, desde tempos imemoriais ele tem ocupado um lugar central nos conflitos militares. Nunca é demais lembrar que a Segunda Guerra Púnica começou por causa da disputa em torno da interpretação de um tratado entre Roma e Cartago https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_P%C3%Banica. Entre nós, a Guerra de Canudos começou porque um juiz requisitou tropas federais https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI86531,41046-O+estopim+da+guerra+de+Canudos.

Fernando Horta está preocupado com os órfãos da Lava Jato dentro do Brasil. A preocupação dele é justa e justificada. Todavia, me parece que nenhum dono de boca de fumo fica satisfeito quando perde seus principais traficantes. Assim como o gringo Glenn Greenwald se transformou num símbolo do jornalismo no Brasil, Sérgio Moro e Deltan Dellagnol podem ter se transformado nos principais escudeiros do Direito Achado na Boca de Fumo que os EUA enfiaram goela abaixo do Sistema de Justiça brasileiro.

Resumindo: vai dar merda. No problemo. Na merda nós todos já estamos por causa dos efeitos econômicos, políticos e sociais perversos da Lava Jato.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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