Frases e poemas para além da omissão

Até hoje vemos manifestações toscas de ‘realpolitik tardia’. Raciocínios tortos do tipo “é necessário se omitir sobre o que é Putin de verdade para não favorecer Obama”, e assim por diante. E nisso direitos civis, humanos, fundamentais e difusos são atropelados pelos discursos políticos, o que se tenta sancionar em comentários na internet (note-se que essas argumentações tortuosas nunca – ou muito raramente – são usadas em posts.)

Cabe lembrar de algumas frases famosas:

“O oprimido reproduz a lógica do opressor” Hegel

“Neutro é o que já se decidiu pelo mais forte” Max Weber

“Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem” Bertold Brecht

“A liberdade jamais será dada voluntariamente pelo opressor, ela tem que ser conquistada pelo oprimido” Martin Luther King

“Ao final, lembraremos não das palavras de nossos inimigos, mas do silêncio de nossos amigos” Martin Luther King

“O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos” Simone de Beauvoir

“A arma mais poderosa do opressor é a mente do oprimido” Steve Biko

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor” Desmond Tutu

“Você não está sendo oprimido quando outro grupo ganha os direitos que você sempre teve” (via Grrrl Power)

“Omitir ou negar a verdade é uma forma sutil de mentir em prol de interesses que não se quer admitir” Di Castilho

 

E também devemos lembrar de alguns poemas. Os dois primeiros, de Niemöller e Brecht, não são novidade. O Rio Chora & Poema das Necessidades, porém, os conheci recentemente. Mas aposto que muita gente nunca leu o quinto em sua versão completa – e que não é de Maiakovski! Vale a pena.

 

E NÃO SOBROU NINGUÉM, Martin Niemöller

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.

Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram

meu outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.

Como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia, vieram e me levaram;

já não havia mais ninguém para reclamar.

 

INTERTEXTO, Bertolt Brecht

Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida, levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso,

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas, como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando, mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém,

Ninguém se importa comigo.

 

(talvez atribuíveis a Brecht o trecho e outra versão a seguir)

Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam – Isso é natural

Diante dos acontecimentos de cada dia,

Numa época em que corre o sangue

Em que o arbitrário tem força de lei,

Em que a humanidade se desumaniza

Não digam nunca: Isso é natural

A fim de que nada passe por imutável.

(versão de Intertexto) 

Primeiro levaram os comunistas,

Mas eu não me importei

Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,

Mas a mim não me afectou

Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,

Mas eu não me incomodei

Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez

De alguns padres, mas como

Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim

E quando percebi,

Já era tarde.

 

O RIO CHORA, Cláudio Humberto

Primeiro eles roubaram nos sinais,

mas não fui eu a vítima;

Depois incendiaram os ônibus,

mas eu não estava neles;

Depois fecharam ruas, onde não moro;

Fecharam então o portão da favela, que não habito;

Em seguida arrastaram até a morte uma criança,

que não era meu filho…

 

POEMA DAS NECESSIDADES, Paulo R. Cequinel

Não preciso ser negro para lutar contra o racismo.

Não preciso ser mulher para lutar contra o machismo mortal de todos os dias.

Não preciso ser criança para lutar contra a pedofilia e a violência sexual, mas preciso reaprender minha infância para brincar de novo.

Não preciso ler a bíblia, o corão ou o torá para saber o que é certo ou errado.

Não preciso ter sido expulso do campo para lutar pela reforma agrária e apoiar incondicionalmente o MST.

Não preciso morar numa favela à beira de um rio morto para lutar por moradia digna.

Não preciso ficar doente para lutar por saúde digna.

Não preciso ser igual para lutar por aqueles que são diferentes.

Não preciso estar morto para defender a vida.

Não preciso ser gay para lutar pelo povo LGTB.

Preciso, apenas, da minha lucidez alucinada.

Deito com minha loucura serenada pelo cansaço de quem tenta, e tenta e não desiste.

Sempre vale apena.

Meus filhos e netos precisam disso.

É o que posso.

É o que tenho.

É o que dou.

 

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKI, Eduardo Alves da Costa

(Fragmento famoso em negrito)

 

Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro com um poeta soviético.

Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.

Tu sabes, conheces melhor do que eu

a velha história.

 

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

 

Nos dias que correm a ninguém é dado

repousar a cabeça alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã, diante do juiz,

talvez meus lábios calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

 

Olho ao redor e o que vejo

e acabo por repetir são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne a aparecer no balcão.

Mas eu sei, porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

 

Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio.

Mas ao tempo da colheita lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

 

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição de falso democrata

e rotulo meus gestos com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita – MENTIRA!

 

(agradecendo às páginas http://www.jornaldepoesia.jor.br/autoria1.html e http://www.recantodasletras.com.br/redacoes/3297093)

Redação

10 Comentários

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  1. BELO TRABALHO DE SELEÇÃO

    A sensibilidade  e a indginação são capazes de nos tirar do torpor e a revolta nos faz reagir.

    Dífícil é impedir que a covardia não nos torne indiferentes.

    Ainda bem que de alguma forma  reagimos.

     

  2. Neutralidade axiológica

    ““Neutro é o que já se decidiu pelo mais forte” Max Weber”

    Pô, Gunter,

    já li e reli um bocado de Weber, por gosto e obrigação (mas não a “obra completa”, é claro).

    No entanto,Gunter,  nunca me deparei com esta frase aí;  nem com o “sentido” dela.

    Não terá sido algo como “os que se dizem neutros provavelmente, ou muitas vezes, etc.,etc…”?

    Todo o esforço metodológico – tipo-ideal – de Max Weber não o fora com o fito de compreender (verstehen) a ação social a partir de uma “neutralidade axiológica”?

    1. Neutrox

         Pior é que eu tenho a impressão que alguns comentaristas tentam disputar o título de mais neutro do blog, quem será que merece o título ? deixa pra lá.

  3. O “problema” de falar em

    O “problema” de falar em neutralidade e omissão hoje em dia, é que não é viável se manifestar de forma pública sobre todo e qualquer assunto sendo debatido na sociedade…principalmente depois que a Internet entrou na equação da comunicação.

    Temos “informação demais”. Não digo que deveríamos ter menos, mas é produzida mais informação do que é possível consumir. Consequentemente, também não será possível se manifestar sobre tudo.

    Ficando só no campo político, existem N blogs limpos e sujos, regionais e nacionais. Simplesmente não é viável acompanhar todos. Se alguém não se posicionou sobre o que fulano falou sobre determinado tema, pode ter sido simplesmente por não ter tido conhecimento do que o fulano falou sobre o assunto em questão.

    É inadequado igualar a não-manifestação sobre um tema como neutralidade ou omissão. Pois isso é, em essência, atribuir uma posição, quando essa posição não existe de fato ou formalmente. O risco de se cometer uma injustiça ao fazer esse tipo de pré-julgamento é considerável.

    E não é possível ignorar que as pessoas possuem gostos e interesses diferentes, então, naturalmente, vão dedicar atenção de forma diferenciada para assuntos diversos. Além disso, um mesmo tema pode atrair atenção diferenciada dependendo do foco que é dado na abordagem.

    1. Certamente essa múltipla manifestação não é viável

      Mas pensemos em espaços de interação familiares ou de amigos, quando os assuntos vêm à tona.

      1. Bem lembrado.
        Diria que aí,

        Bem lembrado.

        Diria que aí, pode ter uma omissão ou neutralidade, só que de outra ordem, diferente do desvio de foco (ou partidarismo) como o ato de apontar para os defeitos do Obama pra defender Putin…ou vice-versa. E também diferente do que tentei desenvolver ali em cima.

        Nesse caso de amigos e familiares, em alguns casos, parece cair mais na questão da convivência social “harmônica”. Seria uma tentativa de evitar conflitos supostamente desnecessários ao não tocar em temas tabus (religião, política, suicídio, futebol, etc…variando conforme o caso).

        A outra possibilidade nesse caso, é a interdição do debate, usando o tabu como mera justificativa para a fuga. Alguém tenta puxar o tema e outro corta lembrando o tabu. Ou ainda, na linha da fuga e interdição, alegar uma posição irredutível, seja ela religiosa ou ideológica, como quem diz “isso eu não preciso discutir pois já tenho minha opinião formada”. Que não deixa de ser uma forma indireta de dizer “não vamos tocar neste assunto”. De uma forma ou de outra, contribuindo para a manutenção do status quo.

         

  4. Raciocínios tortos podem ser invertidos…

    do tipo: “é necessário se omitir sobre o que é Obama de verdade para não favorecer Putin”.

    … e ainda continuam tortos.

     

     

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